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Troponina e mortalidade no pós-operatório de cirurgia cardíaca

A cirurgia cardíaca melhora o prognóstico e qualidade de vida de grande número de pacientes, porém não é isenta de complicações e uma das mais comuns é a injúria miocárdica, associada a maior mortalidade.

A quarta definição universal de infarto do miocárdio considera que um aumento maior que 10 vezes o valor do limite superior da troponina em pacientes com nível de base normal deve ser considerado o valor de corte para infarto agudo do miocárdio (IAM), quando associado a evidência de nova isquemia, em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca.

Essa recomendação é baseada em consenso de especialistas e outras diretrizes sugerem outros valores de referência: o Academic Research Consortium-2 sugere o valor de 35 vezes o limite superior da troponina quando associado a evidência de nova isquemia ou o valor de 70 vezes acima desse limite independente de outras alterações.

Nos últimos anos houve grande evolução nos ensaios laboratoriais e a troponina ultrassensível (US) está sendo amplamente utilizada, com pouco entendimento sobre qual valor deve ser considerado de importância prognóstica no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Baseado nisso foi feito o estudo VISION, com objetivo de avaliar a relação entre os níveis de troponina I de alta sensibilidade e o risco de morte em 30 dias após cirurgia cardíaca.

Métodos do estudo e população envolvida

Foi um estudo de coorte prospectivo que incluiu pacientes maiores de 18 anos submetidos a cirurgia cardíaca em 24 hospitais de 12 países no período de 2013 a 2019. Não foram incluídos os procedimentos de janela pericárdica isolada, pericardiectomia e implante de marcapasso ou CDI. Pacientes com IAM no mesmo dia ou no dia anterior a cirurgia foram excluídos, assim como os com troponina I US pré-operatória maior que 300 ng/L nas 12 horas antes da cirurgia.

A troponina utilizada foi a do ensaio ARCHITECT STAT, da Abbott ®, que tem limite superior de 26 ng/L e limite de detecção de 1 a 2 ng/L. Foram coletadas amostras antes da cirurgia, 3 a 12 horas após e nos dias 1, 2 e 3 após a cirurgia.

O desfecho primário foi morte em 30 dias e o desfecho secundário foi complicação vascular maior (morte por complicação vascular nos primeiros 30 dias, IAM entre os dias 4 e 30 do pós-operatório ou uso de dispositivo de assistência mecânica). Foram feitas análises para identificar qual o menor valor da troponina nos dias 1, 2 e 3 relacionado a aumento do risco de eventos.

Resultados

Foram analisados dados de 13.862 pacientes com idade média de 63,3 anos, 70,9% do sexo masculino (70,9%) e 29,3% com antecedente de IAM. As cirurgias realizadas foram revascularização miocárdica isolada em 46,9%, troca valvar aórtica em 12,5% e outras cirurgias em 40,6%, com média do Euroscore II de 2,4%. A mediana da troponina pré-operatória foi 9 ng/L e, em 30 dias, 2,1% dos pacientes morreram e 2,9% tiveram uma complicação vascular maior.

Quanto aos valores, a mediana do pico de troponina foi 3.920 ng/L. No primeiro dia, 97,5% tiveram o pico de troponina maior que 10 vezes o limite superior da normalidade (260 ng/L), 89,4% tiveram pico maior que 35 vezes e 74,7% maior que 70 vezes o limite superior.

Ao relacionar os valores de troponina com os desfechos, a cada aumento de 2,7 vezes no valor da troponina, houve aumento do risco de óbito em 30 dias para todos os tipo de cirurgia. O menor valor associado a aumento do risco de mortalidade em 30 dias foi 5.670 ng/L (218 vezes o limite superior) no primeiro dia e 1.522 ng/L no segundo e terceiro dias (59 vezes o limite superior) para as cirurgias de revascularização ou troca valvar aórtica. No caso de outras cirurgias, os valores encontrados foram 12981 ng/L (499 vezes o limite superior) e 2503 ng/L (96 vezes o limite superior) nos dias 1 e 2 ou 3 respectivamente.

Quanto aos desfechos secundários, os valores com aumento de risco nas cirurgias de revascularização ou troca valvar aórtica nos dias 1 e 2 ou 3 foram 4184 ng/L (161 vezes o limite superior) e 1099 (42 vezes o limite superior) respectivamente. Para as outras cirurgias, esses valores foram 9654 ng/L (371 vezes o limite superior) e 1888 ng/dL (73 vezes o limite superior) nos dias 1 e 2 ou 3 respectivamente.

Comentários

Esse estudo mostrou que os valores de troponina no pós-operatório associados a ocorrência de eventos em 30 dias foram muito maiores que os recomendados pelas diretrizes atuais e a maior parte dos pacientes ultrapassou os valores atualmente recomendados como diagnósticos para IAM nesta situação. Porém, há alguns pontos importantes a serem considerados.

Este estudo não levou em consideração alterações isquêmicas em eletrocardiograma, alterações em exames de imagem não invasivos ou angiografia, que são utilizados em conjunto com as alterações de troponina para diagnóstico de IAM e sim, apenas o valor isolado do exame.

Além disso, os desfechos foram avaliados em um período muito curto e pode ser que para desfechos a longo prazo ou, inclusive, ocorrência de outros desfechos bastante relevantes, esses valores sejam menores. Ainda, não foram analisadas características importantes como uso de circulação extracorpórea, tipo de solução cardioplégica, se a cirurgia foi de urgência ou eletiva e características dos pacientes, como idade, sexo e função ventricular.

Mensagem prática

Na prática clínica as recomendações das diretrizes atuais ainda devem ser seguidas, já que este estudo tem diversas limitações. Seria interessante uma validação externa desta coorte de pacientes e novos estudos com tempo de seguimento maior, avaliação de isquemia por outros métodos e análise das outras características dos pacientes. Um outro ponto que deve ser ressaltado é que os limiares de troponina podem ser diferentes de acordo com os ensaios laboratoriais disponíveis, sendo mais estudos necessários para entendermos se é possível utilizar um corte único ou se este deve ser individualizado.

 

 

 

Fonte: PEBMED

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