A síndrome coronariana aguda (SCA), definida como redução abrupta de suprimento sanguíneo para o coração, continua sendo causa importante de morbimortalidade no mundo, sendo que a cada ano sete milhões de pessoas recebem este diagnóstico.
Nos últimos anos houve diversas mudanças tanto em relação ao seu diagnóstico quanto ao tratamento e no último mês foi publicada uma revisão que englobou trabalhos de 2000 a 2022, incluindo as principais diretrizes sobre o assunto. Seguem abaixo alguns pontos principais dessa revisão.
Fatores de risco
Os principais fatores de risco são idade avançada, tabagismo, diabetes, hiperlipidemia, hipertensão e índice de massa corporal aumentado. Esses fatores de risco podem não estar presentes em pessoas mais jovens e quando a síndrome coronariana aguda ocorre em alguém com menos de 50 anos está indicada a realização de exame toxicológico, pois há associação da doença com uso de cocaína e maconha em até 10% dos pacientes nessa faixa etária.
Fisiopatologia
O principal mecanismo de obstrução do fluxo coronariano, responsável por 64% dos casos, é a ruptura da placa aterosclerótica com a formação de trombo rico em plaquetas. Quando a obstrução do fluxo é completa podemos observar no eletrocardiograma (ECG) um supradesnivelamento do segmento ST e temos o diagnóstico de SCA SST.
Quando a obstrução é parcial temos a SCA sem supradesnivelamento do segmento ST (SCA SSST), que pode se apresentar com ECG normal, com infradesnivelamento do segmento ST ou alterações de onda T. A SCA SSST compreende o infarto agudo do miocárdio (IAM) e a angina instável (AI), diferenciados pela presença ou ausência de alterações da troponina.
Em algumas situações a obstrução completa do fluxo não gera supradesnivelamento do segmento ST e geralmente ocorre quando há oclusão de vasos da parede lateral do ventrículo esquerdo (VE), como a artéria circunflexa.
Os outros mecanismos relacionados a ocorrência da SCA são: erosão da placa, nodulações calcificadas, espasmo de coronária, obstrução de coronária e as relacionadas ao grupo MINOCA (do inglês myocardial infarction with nonobstructive coronary arteries), caracterizado pela ocorrência de IAM na ausência de lesões obstrutivas na coronariografia e ausência de outra etiologia que explique a alteração.
MINOCA ocorre em 5-6% das SCA e é mais frequente em mulheres e pacientes “não-brancos”. Esses pacientes devem realizar ressonância cardíaca ou exames de imagem vascular coronária para tentar estabelecer o diagnóstico.
Apresentação clínica
O sintoma mais comum é o desconforto torácico, presente em 79% dos homens e 74% das mulheres. Dispneia é um sintoma frequente e mais prevalente nas mulheres (48% x 40%) e geralmente acompanha o desconforto torácico.
Outros sintomas frequentes são dor entre as escápulas, no pescoço ou mandíbula, palpitações, náuseas e vômitos, fadiga, dispneia, indigestão, tontura, síncope, dor epigástrica, no braço esquerdo ou no ombro e sudorese.
Apesar de sintomas chamados atípicos serem associados a SCA em mulheres, as evidências mais recentes sugerem que esse grupo descreve e interpreta os sintomas um pouco diferente dos homens e não necessariamente os tem de forma diferente.
Avaliação e diagnóstico
Na suspeita de SCA, a primeira medida é a realização de ECG em até dez minutos. Se houver supradesnivelamento de segmento ST e angiografia coronária invasiva (cateterismo) disponível em até duas horas, este exame deve ser realizado, com finalidade diagnóstica e terapêutica.
Nos casos de SCA SSST, o infradesnivelamento é encontrado em 31,3%, inversões de onda T em 11,7%, ambos em 15,7% e nenhuma dessas alterações em 41,2%. Nesses casos está indicada coleta de troponina T ou I de alta sensibilidade. Se normal na coleta inicial, deve ser repetida em três horas e caso normal novamente, IAM é excluído (VPN de 99%). Caso os valores de troponina estejam alterados tem-se o diagnóstico de IAM e indica-se cateterismo.
Pacientes que tem resolução dos sintomas durante o período de observação, ECG sem alterações isquêmicas, troponina normal e não apresentam arritmia ou instabilidade hemodinâmica podem ser estratificados com exames não invasivos, como testes de estresse com ou sem imagem ou angiotomografia (angioTC) de coronárias. Caso a angioTC seja normal não há necessidade de prosseguir a investigação.
Tratamento inicial
Pacientes com SCA SST devem realizar cateterismo diagnóstico e angioplastia com stent farmacológico imediatamente, com claro benefício de mortalidade comparado ao tratamento fibrinolítico.
Caso não haja centro de hemodinâmica disponível em até duas horas, deve-se realizar o tratamento fibrinolítico, com preferência para alteplase, reteplase ou tenecteplase (em maiores de 75 anos utiliza-se metade da dose).
Se não houver nenhum desses disponível, geralmente por questões de custo, pode-se administrar a estreptoquinase, que tem eficácia menor que os outros. As principais contra-indicações a esse grupo de medicação são: sangramento ativo ou recente, acidente vascular cerebral ou traumatismo craniano grave recentes, distúrbios de coagulação e hipertensão descontrolada.
Todos os pacientes submetidos a fibrinólise devem ser encaminhados para cateterismo e angioplastia em 6 a 24 horas.
Além disso, diversos estudos mostraram com resultados consistentes que quando há obstruções importantes além da responsável pela SCA, há benefício de seu tratamento, porém o melhor momento para isso não está bem estabelecido e a decisão deve ser baseada na complexidade anatômica e função renal do paciente.
Isto não é verdade para quando o paciente está em choque cardiogênico, caso em que não há benefício em tratar todas as lesões, devendo-se tratar apenas a lesão culpada.
No caso de SCA SSST de risco moderado ou alto pelo ECG, troponina ou escores de risco, opta-se pela estratégia invasiva precoce, com realização de cateterismo diagnóstico para definição de tratamento (clínico, percutâneo ou cirúrgico) em até 24 a 48 horas.
Pacientes de baixo risco devem ser avaliados caso a caso para a tomada de decisão entre a estratégia invasiva ou tratamento conservador. Entre os pacientes submetidos ao cateterismo, aproximadamente 60% recebem tratamento com angioplastia, 10% tratamento cirúrgico e 30% tratamento clínico.
Tratamento medicamentoso
Todo paciente com SCA deve receber antiplaquetários (aspirina e um inibidor da P2Y12) e anticoagulantes (heparina não fracionada, heparina de baixo peso molecular, inibidores diretos da trombina, inibidores do fator Xa) como medidas iniciais.
O inibidor da glicoproteína IIb/IIIa reduz a taxa de eventos, porém as custas de aumento de sangramento, não sendo recomendado de rotina. Pacientes com SCASSST que serão submetidos a estratégia invasiva precoce podem ter o inibidor de P2Y12 postergado até a avaliação da anatomia coronária, o que ajuda com que uma cirurgia cardíaca necessária não seja postergada.
O acesso de escolha para o cateterismo é via artéria radial, mais facilmente comprimida em caso de sangramento e com menos complicações que a artéria femoral e, atualmente, o sangramento mais comum nos pacientes com SCA é o gastrointestinal, que pode ser reduzido com uso de inibidores de bomba de próton, como omeprazol.
Fibrilação atrial ocorre em 5 a 10% dos pacientes com SCA e a tripla terapia com dois antiagregantes mais anticoagulante por longo período gera aumento de sangramento importante.
Atualmente, recomenda-se a tripla terapia enquanto o paciente está internado e até uma semana após a alta (ou no máximo um mês após a alta se o risco isquêmico for muito alto). Após esse período deve-se suspender a aspirina e manter um novo anticoagulante (NOAC) associado a inibidor do P2Y12.
Em casos de trombo ou aneurisma de VE, recomenda-se varfarina por três meses. Alguns estudos pequenos mais recentes mostraram bons resultados com apixabana e rivaroxabana nesses casos.
Em relação ao tratamento hipolipemiante, estatina de alta potência deve ser administrada no atendimento inicial do paciente com SCA, com redução de eventos e melhor aderência do paciente no longo prazo.
Pacientes com SCA e disfunção do VE ou diabetes devem receber IECA ou BRA antes da alta. Pode-se optar por sacubitril-valsartana quando o paciente tem fração de ejeção (FE) do VE menor ou igual a 40%.
Nos casos de FE reduzida também há indicação de BB, porém quando há FE preservada e o paciente tem todas as artérias com lesão importante revascularizadas, não há benefício dessa classe de medicação. Nos casos de FE reduzida também há indicação de antagonistas mineralocorticoides e iSGLT2.
A dupla terapia antiplaquetária é indicada por pelo menos um ano e pode ser estendida em casos com risco isquêmico alto e risco de sangramento baixo. O escore PRECISE-DAPT pode ajudar a identificar pacientes com alto risco de sangramento.
Após esse período o paciente passa a fazer uso de apenas um antiplaquetário, sendo atualmente ainda recomendada a aspirina, mantida por toda a vida, assim como a estatina. Caso não ocorra queda necessária do LDL, pode-se associar ezetimibe e inibidor do PCSK9 e essa classe de medicação também já foi testada na fase aguda da SCA, com benefício.
Prognóstico
Pacientes com SCA tem recorrência de eventos (morte, IAM ou AVC) na taxa de 18,3% em 4 anos. Como forma de prevenção, além do uso das medicações, os pacientes devem ser orientados a modificar seu estilo de vida, com cessação de tabagismo, dieta adequada, realização de atividade física regular e tem indicação de reabilitação cardiovascular.
Conclusão
SCA continua sendo bastante frequente na população e o tratamento inicial adequado e rápido tem implicância prognóstica importante. Medicações específicas devem ser utilizadas e o cateterismo precoce tem grande benefício, principalmente na SCA SST. Infelizmente, esta não é a realidade de grande parte dos serviços em nosso país, pois, apesar de conseguirmos utilizar as medicações adequadas, muitas vezes o cateterismo demora para ser realizado, o que faz com o fibrinolítico tenha um papel mais importante. Importante ressaltar que mesmo os pacientes que recebem esse tratamento necessitam do exame invasivo.
Fonte: PEBMED