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Sexo oral sem preservativo pode provocar doenças: entenda riscos e como se proteger

Doenças causadas por relações sexuais desprotegidas geralmente são associadas à penetração. Mas o sexo oral sem preservativos também eleva os riscos de ISTs (infecções sexualmente transmissíveis). O contato com a mucosa da boca e com as secreções facilita a proliferação de vírus e bactérias.

Segundo especialistas, as mais comuns são gonorreia e sífilis. Nesta última, sintomas como úlceras na região da boca e das bochechas, além de manchas na pele, podem aparecer — e muitas vezes o indivíduo nem sabe que está contaminado por confundir com aftas ou por receber um diagnóstico tardio.

De acordo com Demetrius Montenegro, chefe do setor de infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco (UPE), a sífilis está fora de controle no Brasil e merece atenção.

“A maioria das pessoas acredita que é possível se contaminar no sexo só com penetração, mas isso não é verdade”, lembra.

Além dessas, há o risco de HPV (sigla em inglês para Papilomavírus Humano), herpes, clamídia, hepatites e amigdalite gonocócica.

Embora os médicos alertem para o risco de contrair infecções pelo sexo oral, contabilizar o número de contaminados por esse meio é mais difícil, pois muitas doenças são subnotificadas e nem todas as pessoas fornecem informações concretas aos órgãos de saúde.

“Os riscos existem, mas não são calculados exatamente, pois é mais difícil dizer sobre taxas de transmissão de IST a partir de relações isoladas. Geralmente, elas vêm combinadas com relações pelas vias genitais”, explica Igor Marinho, infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

Mas como ocorre a contaminação?

O contato entre a boca e o genital pode favorecer o surgimento de uma ou até várias ISTs. O simples toque com a pele de alguém que já tem uma doença potencializa a transmissão, como ocorre com a sífilis. No caso dos homens, o esperma que sai do pênis pode contaminar quem está fazendo o estímulo sexual.

Já as mulheres podem ter algum patógeno na lubrificação que sai da vagina. Contudo, elas são naturalmente mais suscetíveis às ISTs por causa da anatomia do órgão sexual.

“A mucosa vaginal é um epitélio muito fino. Durante as relações sexuais, quase sempre há algum grau de fissura dessa região, o que facilita a entrada de diversos vírus. O homem, todavia, tem um órgão exposto”, explica Camila Ahrens, infectologista do Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR).

O risco se torna ainda maior quando há lesões na genitália ou na boca. Na prática, quando uma pessoa realiza o ato chamado pelos médicos de cunilíngua, no qual a vagina é estimulada pela língua de alguém, ou a felação, quando o mesmo acontece com o pênis, existe o risco de transmitir alguma infecção ou doença para quem está recebendo o sexo oral.

Já a anilingua, quando a pessoa estimula o ânus do parceiro com a própria boca, também favorece o surgimento de infecções. Uma das mais comuns é a hepatite A, que ocorre, justamente, pela transmissão de vômitos e fezes, seja por contato sexual ou consumo de alimentos ou água contaminados. Há, ainda, o risco de clamídia, gonorreia e outras doenças.

Vale lembrar que o comportamento sexual sem preservativo é que vai diferir a transmissão das ISTs.

“Na realidade, o sexo vaginal insertivo tem mais troca de fluidos corporais. O anal tem maior risco de laceração, o que facilita a entrada de vírus ou bactérias. Já o oral tem menos risco, mas quem está fazendo o ato pode transmitir e quem tem a doença ativa pode passar”, reforça Ahrens.

Veja abaixo as infecções que podem ser contraídas durante o sexo oral sem proteção.

Sífilis

Segundo o último boletim epidemiológico de sífilis, divulgado pelo Ministério da Saúde no ano passado, no Brasil, a população mais afetada por essa infecção são mulheres, especialmente negras e jovens, na faixa etária de 20 a 29 anos.

A infecção é causada pela bactéria Treponema pallidum, que pode comprometer genitais, garganta e boca. Ela pode ser transmitida tanto no sexo oral quanto na penetração. O diagnóstico ocorre por meio da sorologia, que é o exame de sangue, ou pelo chamado VDRL (em inglês Venereal Disease Research Laboratory). Essa IST tem suas principais apresentações na forma primária, secundária e terciária.

Banana e mamão

CRÉDITO,GETTY IMAGES. No caso dos homens, o esperma que sai do pênis pode contaminar quem está fazendo o estímulo sexual. Já as mulheres podem ter algum patógeno na lubrificação que sai da vagina

Na primária, ocorre o surgimento de uma úlcera indolor pelo contato da bactéria da pele do indivíduo que foi contaminado. A pessoa pode ter ferimentos dentro da boca, seja na língua, bochecha ou em outra parte interna desta região. Essas lesões são chamadas de “cancro duro”. “Elas podem ser indolores e até confundidas com uma afta”, diz Marinho.

Quando isso ocorre, o indivíduo que fez o sexo oral no outro parceiro pode contaminá-lo até mesmo sem saber que estava doente.

“A bactéria é encontrada no sêmen ou no líquido de secreção do pênis”, acrescenta Montenegro.

No caso da mulher, ela pode transmitir o agente por meio da lubrificação que sai da vagina durante o ato sexual. O risco é ainda maior quando o outro tem ferimentos na cavidade oral.

A sífilis secundária é caracterizada por sintomas mais sistêmicos e ocorre algumas semanas após a contaminação do primeiro tipo. O indivíduo pode apresentar manchas na pele e prostrações.

No formato terciário, os sintomas surgem anos depois da infecção. Mas, devido ao diagnóstico tardio, pode ocorrer o acometimento vascular e neurológico, com insuficiência cardíaca ou acidente vascular cerebral (AVC).

“Ela se torna uma doença silenciosa e vai transmitindo”, reforça Montenegro.

O tratamento ocorre com antibiótico e a melhor forma de prevenção é usando camisinha feminina ou masculina.

Amigdalite gonocócica

Provocada pela bactéria gonococos, o mesmo agente da gonorreia, a infecção causa secreção nas amígdalas e garganta.

É mais comum que seja transmitida pelo sexo oral, pois há um contato direto da boca com o genital, aumentando o risco de contágio. O diagnóstico acontece pelo histórico de sintomas do paciente. Geralmente, é feito um exame retirando a secreção da garganta para visualizar o micro-organismo.

Segundo Montenegro, ainda há um tabu entre os próprios médicos em perguntar sobre a atividade sexual das pessoas. Se o compartilhamento das informações fosse mais difundido, diagnósticos tardios seriam evitados, melhorando a resposta do tratamento ao quadro, opina.

Muitas vezes, a pessoa que já está contaminada com a gonorreia pode ser assintomática e infecta o parceiro.

Como se trata de um tipo de bactéria resistente, não é todo antibiótico que vai tratar e curar o problema. Por isso, é importante uma investigação a fundo dessa IST.

“Uma amigdalite que não tem resposta, precisa suspeitar e perguntar se o paciente teve algum tipo de relação oral. Normalmente, em quem tem gonococos, eles aparecem na região genital, aí contamina o outro. Isso vale tanto para o homem quanto para a mulher”, reforça o infectologista do Hospital Oswaldo Cruz.

Gonorreia

Também causada pelo gonococos, essa IST pode provocar corrimentos uretrais e, em quadros mais graves, infecção na pelve e até infertilidade. A transmissão ocorre tanto pela penetração, quanto pelo sexo oral.

O diagnóstico é feito por meio de um exame semelhante ao da covid-19, no qual é inserido uma haste flexível (o swab) na garganta.

Os sintomas nesta parte do corpo podem ser assintomáticos e o indivíduo, muitas vezes, contamina outras pessoas sem ao menos saber que tem a infecção. Por causa disso, é ainda mais complicado quantificar a incidência dessa IST na população brasileira.

“A gonorreia não tem notificação compulsória e obrigatória. Por isso, é uma infecção subnotificada”, ressalta Mario Gonzales, diretor médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.

O tratamento dessa infecção sexualmente transmissível também é complicado e pode demorar, já que em alguns casos o organismo desenvolve uma resistência maior a alguns antibióticos.

Camisinhas coloridas

CRÉDITO,GETTY IMAGES. Uso de camisinha é recomendado como um dos métodos para prevenir as ISTs

HPV

Essa infecção sexualmente transmissível ocorre por meio do papilomavírus humano. O HPV provoca verrugas na região genital, oral e anal. O principal meio de contágio ocorre pela via sexual, que pode ser pelo contato oral-genital, genital-genital ou até manual-genital.

No sexo oral, o surgimento dos sintomas também pode aparecer na língua, na garganta, no canto da bochecha e tecido gengival. Mas a contaminação só ocorre, de fato, quando há uma lesão primária e por meio de algum tipo machucado ou fissura. Desta forma, o agente viral consegue se infiltrar no organismo e contaminar o indivíduo.

É importante um tratamento rápido e eficiente, pois a infecção pode evoluir para câncer do colo do útero, além de também ser um agente importante por trás de tumores no ânus, na cabeça e no pescoço. A linha terapêutica consiste na cauterização e eliminação das verrugas existentes.

A maneira mais fácil de proteção acontece por meio das vacinas, disponíveis na rede pública para alguns grupos específicos. “O ideal é que a vacinação seja feita antes de iniciar a relação sexual. Existem vários tipos de HPV, mas a vacina vai proteger os que causam câncer”, alerta Montenegro.

Herpes

Essa IST é provocada por um vírus que se divide nos tipos 1 e 2. No primeiro caso, o surgimento de “bolhas” é mais comum na região oral. Já no 2, os sintomas podem aparecer na região genital.

Com o sexo oral desprotegido, a contaminação ocorre de forma cruzada e o tipo genital pode se manifestar na cavidade oral. A recorrência do problema (com o aparecimento das lesões em formas de bolhas e feridas), indica que a pessoa está com queda de imunidade e precisa fazer exames para verificar se há falta de vitaminas ou de outros nutrientes.

Vale lembrar que a forma de transmissão também pode ser por outras vias como beijo, pincel de maquiagem, compartilhamento de objetos, entre outros. O tratamento inclui uso de pomadas ou comprimidos.

Clamídia

Segundo o Ministério da Saúde, não existem dados epidemiológicos no Brasil sobre essa IST, mas os dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC/2017) mostram que a maioria dos casos ocorre em pessoas na faixa etária entre 15 e 24 anos. A condição pode ser transmitida por uma bactéria chamada Chlamydia trachomatis, que provoca inflamações na região genital e urinária.

O micro-organismo pode causar cervicite, que atinge o colo do útero causando dor na relação sexual e sangramento. Em infecções graves e profundas, pode causar infertilidade no homem e na mulher.

Essa IST também pode ser transmitida pelo sexo oral, mas o contato com esperma aumenta o risco do problema — isso porque o sêmen pode ter uma carga viral maior do agente infecioso. Por isso, o sexo desprotegido, incluindo a penetração, também aumenta o risco dessa doença.

Para tratar o quadro, recomenda-se o uso de antibióticos e não ter relações sexuais durante seu curso, normalmente, de sete dias.

Hepatite A, B e C

No último boletim epidemiológico de hepatites virais divulgado pelo Ministério da Saúde no ano passado, no Brasil, entre 1999 a 2020, 254,3 mil pessoas foram diagnosticadas com o vírus da hepatite B e 262,8 mil com o vírus da hepatite C. Essas infecções são as principais causas de doença hepática crônica, cirrose hepática e carcinoma hepatocelular.

Contudo, a transmissão da hepatite A é por meio de vias orais-fecais. Ou seja, é possível contrair a infecção no sexo oral e também por qualquer atividade sexual. A mais comum, no entanto, é pelo ânus. Por isso o risco de lamber a região ou realizar sexo anal desprotegido aumentam a incidência do quadro.

“Em 2017, a OMS fez um alerta sobre surto de hepatite A por transmissão sexual pela prática de sexo oral-anal. Esse surto aconteceu em algumas cidades da Europa, como Barcelona. No Brasil, o número de casos foi maior na cidade de São Paulo”, destaca Montenegro. Ainda não há nenhum tratamento específico para esse tipo de hepatite. No geral, os especialistas recomendam lavar bem as mãos e alimentos, uso de preservativos antes e depois das relações sexuais, lavagem da genitália, períneo e região anal após o ato sexual e higienização de vibradores, plugs anais e vaginais.

No tipo B, a contaminação pode ocorrer por uma lesão na boca, por contato com o sêmen e pelo canal vaginal ou anal. A linha terapêutica inclui uso de antivirais e também, quando necessário, não consumir bebidas alcoólicas.

No tipo C, o risco pelo sexo oral é menor e está ligado com o manejo de objetos infectados como agulha contaminada, uso de materiais para drogas recreativas, seringas e outros. O tratamento ocorre com antivirais.

Há riscos de HIV?

Embora seja menos comum, também é possível se contaminar com HIV por meio do sexo oral. No entanto, é necessária uma quantidade de vírus elevada para isso ocorrer, além do parceiro ter alguma ferida ou machucado na boca ou garganta.

“O risco é um pouco menor, mas com pequenas feridas, que podem aparecer com depilação, por exemplo, existe a possibilidade”, reforça Marinho.

A contaminação entre o sexo masculino e feminino é diferente justamente por causa da ejaculação. Segundo os médicos, exames já mostraram uma carga viral maior no sêmen, sendo essa uma porta de entrada para o contágio. Contudo, isso é uma exclusividade dessa infecção.

Eletromicrografia mostra HIV infectando célula humana

CRÉDITO,GETTY IMAGES. Eletromicrografia mostra HIV infectando célula humana

De acordo com Felipe Tuon, infectologista do Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba (PR), em outras doenças ainda faltam estudos comparando o risco de transmissão e existem só conceitos teóricos.

E o monkeypox?

Sim, o vírus causador da varíola dos macacos também pode passar durante o sexo oral. Isso porque o contato com o vírus acontece através das feridas típicas da doença, que aparecem na boca, nos genitais, no ânus e nos braços.

Portanto, a pessoa que faz sexo oral em alguém infectado também pode pegar o monkeypox.

É por isso que os médicos recomendam que indivíduos com essas manifestações na pele procurem uma avaliação médica e façam o teste.

Se o exame confirmar a doença, é preciso ficar em isolamento até que as feridas estejam completamente cicatrizadas.

Como prevenir?

Uma das formas mais acessíveis é utilizar métodos de barreira para impedir que a mucosa da boca entre em contato com os genitais. No passado, como o uso do preservativo feminino não era tão difundido entre as mulheres, os próprios médicos recomendavam a aplicação de papel filme, aqueles usados na cozinha.

Porém, com a baixa adesão e por ser mais fácil de sair durante o ato sexual, atualmente, os profissionais sugerem a camisinha feminina. Mesmo assim, a proteção ainda não é tão usual entre os parceiros.

“É muito difícil ver pacientes usando. Vemos muitas pessoas se reinfectando e menosprezando a recomendação médica”, afirma Ahrens.

Para os homens, também é indicado o uso de preservativos durante todas relações sexuais. “É necessário proteger a região genital com camisinha e não retirá-la. Pode colocar a camisinha feminina, camisinha masculina ou ambas”, destaca Tuon.

Medidas educativas e políticas públicas também devem ser inseridas, principalmente entre jovens e adolescentes que, muitas vezes, não usam camisinha. Isso foi constatado, inclusive, por um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado no início do mês de julho. Os dados indicam que o percentual de pessoas entre 13 e 17 anos que usaram preservativo na última relação sexual diminuiu de 72,5% para 62,8%.

No caso de indivíduos que já têm vida sexual ativa, o recomendado, segundo os especialistas, é fazer testes de rotina a cada seis meses para identificar possíveis infecções. “Pessoas com sífilis precisam ser testadas”, alerta Tuon.

A profilaxia, que é um método de prevenção, pré e pós sexo, também é indicada para diminuir o risco de ISTs. É possível procurar hospitais da rede pública para consulta ou orientações e, dessa forma, evitar contaminações.

– Este texto foi publicado originalmente em BBC News

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