Logo na entrada do estande da Organização Mundial da Saúde (OMS) na Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP27) é possível ler uma frase que resume bem a relação entre o aquecimento do planeta e a saúde humana: “O preço das mudanças climáticas é pago pelos nossos pulmões”.
De acordo com a entidade, mais de 90% da população mundial respira um ar que fica abaixo dos padrões de qualidade.
Isso, por sua vez, está por trás de 7 milhões de mortes prematuras todos os anos.
E não para por aí: como a própria OMS destaca, “um mundo mais aquecido leva ao espalhamento de mosquitos causadores de doenças com uma rapidez nunca antes vista”.
Além disso, “eventos climáticos extremos, a degradação da terra e a falta de água já deslocam populações e afetam a saúde delas”.
O tema também fez parte do pronunciamento oficial que o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fez na COP27.
“A OMS alerta que a crise climática compromete a vida e gera impactos negativos na economia dos países. Segundo as projeções, entre 2030 e 2050, o aquecimento global causará 250 mil mortes adicionais por ano”, discursou.
Mas o que a ciência já sabe sobre essa relação entre a saúde do planeta e das pessoas? E quais pode ser feito para mitigar os riscos?
Doenças mais comuns
O americano Josh Karliner, diretor de parcerias globais da ONG Health Care Without Harm (“Sistema de Saúde Sem Danos”, em tradução livre), entende que as mudanças climáticas funcionam como um amplificador de problemas já existentes.
Ele foi um dos convidados para uma mesa de debates da OMS durante a COP27.
“Se você pensar na malária, por exemplo, temperaturas mais quentes permitem com que ela se espalhe para outras regiões onde nunca foram registrados casos”, explica o especialista numa entrevista à BBC News Brasil.
“O mesmo pode acontecer com dengue, zika, chikungunya…”, lista.
Ainda no campo das doenças infecciosas, o especialista diz que não é possível estabelecer uma relação direta e clara entre as alterações no clima e a pandemia de covid-19.
“Mesmo assim, a destruição da biodiversidade contribui para a liberação de patógenos, que podem causar outras crises sanitárias globais no futuro”, pondera.
O brasileiro Vital Ribeiro, que lidera o Projeto Hospitais Saudáveis, acrescenta um outro desdobramento das mudanças climáticas que já é sentido na prática.
“As doenças não transmissíveis respondem hoje pela maior parte das mortes e dos custos nos sistemas de saúde, e isso vem aumentando devido à exposição à poluição do ar resultante da queima dos combustíveis fósseis”, lembra.
Em outras palavras, um ar cheio de partículas tóxicas para nossos pulmões é um dos gatilhos por trás de uma série de enfermidades — da asma à insuficiência cardíaca, da hipertensão ao câncer.
Tanto Ribeiro quanto Karliner citam um terceiro ponto de contato entre as mudanças climáticas e a saúde: as doenças relacionadas aos eventos climáticos extremos, como secas e enchentes.
“Elas estão ligadas à falta de água potável e alimentos, causando desnutrição e insegurança alimentar”, diz o brasileiro.
De acordo com os especialistas, o aumento da pobreza e os movimentos de imigração em massa de refugiados contribuem para esse cenário.
“Ao contrário do que alguns pensam, a pobreza e a desigualdade que voltaram a aumentar no planeta são, sim, uma importante questão de saúde pública”, aponta Ribeiro.
“As mudanças climáticas vêm aumentando, agravando e acirrando praticamente todos os principais fatores de risco à saúde”, complementa.
“E embora essas questões afetem o bem-estar de todo o mundo, os mais pobres e marginalizados são aqueles que mais sofrem”, observa Karliner.
“Diante de tudo isso, precisamos entender que a crise climática também é uma crise de saúde”, completa o especialista.
Possíveis soluções
Para Karliner, o primeiro passo para mitigar os problemas é “arrumar a casa”.
“O setor de saúde é responsável por cerca de 5% das emissões de gases do efeito estufa”, calcula.
“Precisamos de hospitais e clínicas com uma pegada menor de carbono e que sejam mais resilientes”, sugere.
O representante da Health Care Without Harm explica que as unidades de saúde funcionam 24 horas por dia e gastam muita eletricidade para manter tudo em operação.
Em muitos casos, a fonte dessa energia não é nada sustentável, como é o caso das usinas termelétricas ou da queima de combustíveis fósseis.
Além disso, toda a cadeia de suprimentos em saúde, que envolve o transporte de medicamentos, insumos e equipamentos mundo afora, emite muitos desses gases que provocam o aquecimento do planeta.
“A boa notícia é que temos um movimento para zerar as emissões de carbono dos hospitais e o Brasil é um dos líderes da iniciativa, com 14 instituições de saúde que já se comprometeram com essa meta”, destaca Karliner.
O especialista americano acredita que o segundo passo fundamental para proteger a saúde das pessoas é acabar de vez com a dependência dos combustíveis fósseis, “que matam 7 milhões de pessoas todos os anos”.
“Além disso, eles são o principal motor por trás da crise climática. Quando nos movermos em direção a fontes de energia limpas, renováveis e saudáveis, seremos capazes de salvar milhões de vidas, economizar trilhões de dólares e proteger as gerações futuras”, acrescenta.
Vital adiciona uma última demanda à lista: destravar as negociações sobre justiça climática ainda durante a COP27.
“Do ponto de vista da saúde, é importante termos mecanismos para lidar com perdas e danos relacionados às mudanças climáticas”, diz.
Ou seja: os países que mais poluem devem recompensar aqueles que sofrem as consequências imediatas da crise do clima, como as enchentes, as secas e a falta de alimentos.
“Adiar esses acordos vai resultar em consequências dramáticas para as populações dos países mais pobres e vulneráveis. Essa é uma questão humanitária e de saúde”, acredita.
“A saúde da população nos diferentes lugares do mundo será um reflexo do sucesso ou do fracasso nas negociações globais dos acordos climáticos e das capacidades das nações em resolver os impasses atuais”, conclui.
Este texto foi publicado originalmente em BBC News