É um dilema da vida moderna. Você deve dar um telefone celular ao seu filho ou mantê-lo longe dos aparelhos pelo maior tempo possível?
Pais e mães costumam pensar que o telefone celular é uma espécie de caixa de Pandora que pode liberar todo o mal que existe no mundo e fazer com que ele entre na vida sadia dos seus filhos – e devem ser perdoados por isso. Afinal, as inúmeras e desconcertantes manchetes sobre o possível impacto dos telefones e do uso das redes sociais pelas crianças são suficientes para fazer qualquer pessoa se afastar deles.
E nem as celebridades parecem ser imunes a esse problema moderno da criação de filhos. Madonna afirmou que se arrependeu de dar telefones aos seus filhos mais velhos com 13 anos de idade e que não faria isso de novo.
Por outro lado, provavelmente você tem um celular que considera uma ferramenta essencial para a sua vida diária – e usa para checar emails, fazer compras online, chamadas de vídeo e manter álbuns de fotos da família. E, se todos os colegas de escola e amigos dos seus filhos estiverem ganhando smartphones, eles não ficariam excluídos se não tivessem um?
Existem ainda muitas questões sem resposta sobre os efeitos de longo prazo dos telefones celulares e das redes sociais sobre as crianças e adolescentes, mas as pesquisas existentes fornecem algumas evidências sobre os seus principais riscos e benefícios.
Particularmente, embora não existam amplas evidências que demonstrem que ter um telefone celular ou usar as redes sociais seja prejudicial para o bem-estar das crianças em geral, pode haver outros aspectos nesta história que ainda são desconhecidos.
A maior parte das pesquisas disponíveis no momento concentra-se nos adolescentes e não nos grupos de menor idade – e as evidências que surgem demonstram que pode haver fases específicas de desenvolvimento em que as crianças são mais suscetíveis a efeitos negativos.
E, mais do que isso, os especialistas concordam que diversos fatores importantes devem ser considerados ao decidir se o seu filho está pronto para ter um celular – e o que deve ser feito quando eles tiverem um.
Como os celulares afetam as crianças
Os smartphones ainda são uma tecnologia relativamente nova para podermos compreender seus efeitos de longo prazo. Mas já existem evidências que revelam alguns fatores importantes para diferentes faixas etárias:
Crianças de zero a oito anos de idade têm “pouca ou nenhuma percepção dos riscos online, quando o assunto é o uso de telefones celulares e aplicativos de redes sociais”, segundo um estudo realizado em sete países europeus.
Os pais detêm influência poderosa como modelos: o mesmo estudo concluiu que as crianças, muitas vezes, copiam o uso do celular pelos seus pais.
Os adolescentes podem ser particularmente sensíveis ao feedback das redes sociais. Certas mudanças de desenvolvimento durante a adolescência podem significar que os jovens ficam mais sensíveis ao status e às relações sociais, o que, por sua vez, pode tornar o uso das redes sociais mais estressante para eles.
Especialistas afirmam que a abertura e a comunicação são fundamentais quando o assunto é a forma com que os pais lidam com o uso dos smartphones pelos jovens. Isso inclui conversar sobre o que eles estão vendo e suas experiências online.
Dados do órgão regulador britânico de comunicações Ofcom demonstram que a ampla maioria das crianças no Reino Unido tem um smartphone com 11 anos de idade. Esse índice sobe de 44% aos 9 anos para 91% aos 11 anos.
Nos Estados Unidos, 37% dos pais de crianças com 9 a 11 anos de idade afirmam que seu filho tem seu próprio celular. E, em um estudo realizado em 19 países da Europa, 80% das crianças com 9 a 16 anos de idade responderam que usam um smartphone para acessar a internet diariamente ou quase todos os dias.
“Quando estudamos os adolescentes mais velhos, mais de 90% têm telefone”, afirma Candice Odgers, professora de Psicologia da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Dados inconsistentes
Um relatório europeu sobre o uso da tecnologia digital entre crianças desde o nascimento até os 8 anos de idade concluiu que essa faixa etária tem “pouca ou nenhuma percepção dos riscos online”. Mas ainda faltam evidências mais sólidas sobre os efeitos prejudiciais do uso de celulares – e dos aplicativos de redes sociais que vêm com eles – sobre crianças mais velhas.
Odgers analisou seis meta-análises em busca da relação entre o uso da tecnologia digital e a saúde mental das crianças e dos adolescentes, além de outros estudos em larga escala e sobre o uso diário. Ela não encontrou relação consistente entre o uso da tecnologia pelos adolescentes e seu bem-estar.
E, nos poucos estudos que encontraram associação, os efeitos, tanto positivos quanto negativos, foram pequenos. “A maior descoberta realmente foi uma diferença entre o que as pessoas acreditam, incluindo os próprios adolescentes, e o que as evidências mostram na realidade”, ela conta.
Outra análise, conduzida por Amy Orben, psicóloga experimental da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, também constatou que as evidências são inconclusivas. Embora houvesse uma pequena correlação negativa, em média, entre os estudos analisados, Orben concluiu que era impossível saber se a tecnologia estava causando a queda do bem-estar ou vice-versa – ou se outros fatores estavam influenciando a ambos.
Orben ressalta que grande parte das pesquisas nesta área não tem qualidade suficiente para fornecer resultados significativos.
É claro que estes resultados são as médias. “Existe uma grande variação inerente sobre os impactos [sobre o bem-estar] na literatura científica”, segundo Orben. E a experiência de adolescentes individuais dependerá das suas próprias circunstâncias pessoais.
“Muitas vezes, quem pode realmente julgar isso são apenas as pessoas mais próximas”, acrescenta a psicóloga.
Em termos práticos, isso significa que, independentemente do que disserem as evidências mais amplas, pode haver crianças que enfrentam dificuldades resultantes do uso de redes sociais ou de certos aplicativos. Por isso, é importante que os pais fiquem atentos e ofereçam apoio.
Por outro lado, para alguns jovens, o celular pode ser uma tábua de salvação – seja para que pessoas com deficiências possam encontrar uma nova forma de acesso e formação de redes sociais ou para que adolescentes possam buscar respostas a questões prementes sobre a sua saúde.
“Imagine que você seja um adolescente preocupado com possíveis problemas na sua puberdade ou que sua sexualidade não é a mesma dos seus amigos – ou que esteja preocupado com as mudanças climáticas quando os adultos à sua volta estão saturados com o assunto”, pondera Sonia Livingstone, professora de Psicologia Social da London School of Economics, no Reino Unido, e uma das autoras de Parenting for a Digital Future (“Criando filhos para um futuro digital”, em tradução livre).
Mas, na maior parte das vezes, quando estão usando o celular para comunicar-se, as crianças estão falando com os amigos e a família. “Se você realmente analisar com quem as crianças estão falando online, existe uma coincidência muito forte com sua rede offline”, afirma Odgers.
“Acho que toda esta ideia de que estamos perdendo uma criança isolada para o telefone pode ser um risco real para algumas crianças, mas, para a ampla maioria, eles estão se conectando, compartilhando, vendo coisas em conjunto”, diz ela.
De fato, embora os celulares muitas vezes sejam culpados pelo fato de as crianças passarem menos tempo em ambientes externos, um estudo dinamarquês com crianças de 11 a 15 anos de idade encontrou algumas evidências de que, na verdade, os celulares oferecem a possibilidade de locomoção independente para as crianças, aumentando a sensação de segurança dos pais e ajudando a criança a navegar por ambientes não familiares.
As crianças afirmam que seus telefones ampliaram suas experiências fora de casa, ouvindo música e mantendo contato com os pais e os amigos.
‘Janelas de sensibilidade’
É claro que a capacidade de estar em comunicação quase constante com os colegas sempre traz algum risco.
“Acho que o celular tem sido fantástico para revelar o que sempre foi uma necessidade não atendida da parte dos jovens”, afirma Livingstone. “Mas, para muitos, ele pode ser coercitivo, pode tornar-se incrivelmente normativo.”
“Ele pode pressioná-los a sentir que existe um lugar onde estão as pessoas populares, onde eles estão lutando para entrar ou de onde podem ser excluídos, onde todos estão fazendo o mesmo tipo de coisas e conhecem o mais recente seja-lá-o-que-for”, segundo ela.
E, de fato, Orben e seus colegas encontraram “janelas de sensibilidade de desenvolvimento”. Nelas, o uso das redes sociais é associado a um período posterior de queda da satisfação com a própria vida, em idades específicas durante a adolescência.
Analisando dados de mais de 17 mil participantes com 10 a 21 anos de idade, os pesquisadores concluíram que o maior uso das redes sociais com 11 a 13 anos para as meninas e 14 a 15 anos para os meninos era um indicador de menor satisfação com a vida um ano mais tarde. E o inverso também era verdadeiro: menor uso das redes sociais nessas idades indicava maior satisfação com a vida no ano seguinte.
Isso está de acordo com o fato de que as meninas costumam atravessar a puberdade antes dos meninos, segundo os pesquisadores, embora não haja evidências suficientes para afirmar que esta seja a causa da diferença de tempo. Outra janela surgiu aos 19 anos de idade para participantes homens e mulheres, perto da época em que muitos adolescentes saíam de casa.
Os pais deveriam considerar com cautela essas faixas de idade ao tomar decisões para suas próprias famílias, mas vale a pena levar em conta que mudanças de desenvolvimento podem tornar as crianças mais sensíveis aos lados negativos das redes sociais.
Durante os anos da adolescência, por exemplo, o cérebro sofre enormes mudanças, o que pode influenciar como os jovens agem e se sentem, chegando a torná-los mais sensíveis aos relacionamentos e ao status social.
“Ser adolescente realmente é uma época importante do desenvolvimento”, afirma Orben. “Você é muito mais influenciado pelos colegas, você está muito mais interessado pelo que as outras pessoas pensam sobre você. E o formato das redes sociais – como elas fornecem contato social e feedback, mais ou menos a um clique de distância – pode ser mais estressante em determinados momentos.”
Além da idade, outros fatores podem influenciar o impacto das redes sociais sobre as crianças e os adolescentes, mas os pesquisadores estão apenas começando a explorar essas diferenças individuais.
“Realmente, esta é agora uma área central de pesquisa”, afirma Orben. “Haverá pessoas que sofrerão impactos positivos ou negativos maiores em diferentes momentos. Isso pode ocorrer porque eles vivem vidas diferentes, passam pelo desenvolvimento em momentos diferentes e podem usar as redes sociais de forma diferente. Realmente precisamos identificar essas coisas.”
Mas quando?
Embora as pesquisas possam oferecer subsídios para que as famílias decidam se devem comprar um celular para seus filhos, elas não conseguem oferecer respostas específicas para a difícil pergunta “quando?”.
“Acho que, ao dizer que as coisas são mais complexas, elas naturalmente devolvem a questão para os pais”, afirma Amy Orben. “Mas, na verdade, isso pode não ser algo tão ruim, já que é muito individual.”
A questão principal que os pais precisam perguntar, segundo Candice Odgers, é: “Como ele se encaixa para a criança e para a família?”.
Para muitos pais, comprar um celular para uma criança é uma decisão prática. “Em muitos casos, os pais são os que desejam que as crianças mais jovens tenham celulares para poderem manter contato com elas todo o dia e coordenar os transportes”, afirma Odgers.
E ter um celular pode ser considerado um passo rumo à idade adulta.
“Acho que dá às crianças uma sensação de independência e responsabilidade”, afirma Anja Stevic, pesquisadora do Departamento de Comunicação da Universidade de Viena, na Áustria. “É definitivamente algo que os pais devem considerar: seus filhos estão em um estágio em que são suficientemente responsáveis para que tenham seu próprio aparelho?”
Um fator que os pais não devem descartar é até que ponto eles se sentem confortáveis quando seus filhos têm um telefone celular. Um estudo de Stevic e seus colegas demonstrou que, quando os pais sentem falta de controle sobre o uso do smartphone pelas crianças, tanto elas quanto os pais relatam mais conflitos relacionados ao aparelho.
Mas vale a pena lembrar que ter um telefone celular não abre necessariamente as portas para todo e qualquer aplicativo ou jogo que existe.
“Quando entrevisto crianças, ouço cada vez mais que os pais estão dando a eles o telefone, mas exigindo que os aplicativos que eles instalarem sejam verificados e discutidos”, afirma Sonia Livingstone. “Acho que isso pode ser muito inteligente.”
Os pais também podem, por exemplo, passar um tempo jogando com as crianças para ter certeza de que estão satisfeitos com o conteúdo ou dedicar um tempo para verificar o que há no telefone junto com as crianças.
“Existe um pouco de supervisão, mas é preciso ter essa comunicação e abertura a respeito, poder apoiá-los pelo que eles estiverem vendo e experimentando online, da mesma forma que offline“, explica Odgers.
Outra recomendação é que, no momento de definir regras domésticas para o uso do smartphone – como não deixar o celular no quarto da criança à noite -, os pais também observem honestamente o seu próprio uso dos seus celulares.
“As crianças odeiam hipocrisia”, afirma Livingstone. “Elas odeiam sentir que estão recebendo instruções para não fazer algo que os seus pais fazem, como usar o telefone na hora da refeição ou ir para a cama com o telefone.”
E até as crianças mais jovens aprendem com o uso do celular pelos seus pais.
Um relatório europeu sobre o uso de tecnologia digital entre as crianças desde o nascimento até os 8 anos de idade concluiu que essa faixa etária tinha pouca ou nenhuma consciência dos riscos, mas que as crianças, muitas vezes, copiavam o uso da tecnologia pelos seus pais. Alguns pais até descobriram durante o estudo que as crianças sabiam as senhas dos seus aparelhos, para poder acessá-los de forma independente.
Mas os pais podem usar isso a seu favor, fazendo com que as crianças mais jovens se envolvam durante as tarefas realizadas no telefone celular, formando boas práticas.
“Acho que esse envolvimento e uso em conjunto é realmente uma boa forma para que eles aprendam o que está acontecendo nesse aparelho e para que ele serve”, afirma Stevic.
Por fim, a decisão sobre quando comprar um telefone celular para um filho é uma decisão importante para os pais. Para alguns, a decisão correta será de não comprar. E, com um pouco de criatividade, as crianças que não têm celular não terão nada a perder.
“Crianças que são razoavelmente confiantes e sociáveis encontrarão soluções para participar do grupo”, afirma Livingstone. “Afinal, a maior parte da sua vida social está na escola e, basicamente, eles se veem todos os dias, de qualquer forma.”
De fato, aprender a lidar com o medo da exclusão que eles sentem por não terem um celular pode ser uma lição útil para os adolescentes mais velhos, quando, sem as restrições impostas pelos pais, eles acabam por comprar um para si próprios e precisam aprender a definir limites.
“O problema com o medo da exclusão é que ele nunca acaba, de forma que todas as pessoas precisam aprender a definir um limite em algum lugar”, afirma Livingstone. “Se não fosse assim, você estaria simplesmente rolando telas 24 horas por dia, sete dias por semana.”
Texto originalmente publicado originalmente em BBC News