A cólica menstrual é o incômodo ou a dor que surge antes ou enquanto o corpo da mulher expulsa o óvulo que não foi fecundado (a menstruação, quando não se engravida). Essa cólica costuma durar até três dias, e muita gente acha que é comum ou normal sentir fortes dores nesse período. Mas não é.
Isso pode ser, inclusive, um importante sinal de problemas de saúde, como endometriose, adenomiose, mioma, infecção sexualmente transmissível e doença inflamatória pélvica. Em geral, essas condições estão ligadas a cólicas incapacitantes, que impactam o dia a dia da mulher a ponto de não conseguir estudar ou trabalhar direito.
Além da dor intensa, há mulheres que enfrentam fraqueza, vômitos, suores, tontura e até desmaios. E para tentar aliviar sintomas como esses, elas recorrem a medicamentos, soluções caseiras (como bolsa de água quente), licenças médicas ou exercícios físicos, por exemplo.
Mas dores ligadas a causas como endometriose e doença inflamatória pélvica demandam atendimento e tratamento especializados, que podem inclusive acabar com as dores (em vez de apenas aliviá-las a cada ciclo menstrual).
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil recomendam atenção a sinais e sintomas associados às cólicas, como ciclos irregulares, sangramento, corrimento, dor vaginal e dor na relação sexual. E todos eles ressaltaram a importância de procurar atendimento de um médico especialista e questioná-lo sobre as possíveis causas dessa condição de saúde.
Entenda como identificar uma cólica normal ou anormal e quais são os tratamentos possíveis para as mais diversas causas dessas dores intensas. E se há realmente alguma doença por trás delas ou não.
Como diferenciar a cólica normal da anormal?
A cólica menstrual é uma inflamação que costuma ocorrer antes da saída do fluxo menstrual (menstruação) e pode se estender por mais um ou dois dias após o início dela. Mas isso pode variar de uma mulher para outra, e de um ciclo menstrual para outro.
Em geral, as dores surgem porque os vasos sanguíneos que revestem o útero são espremidos pela contração para descamar o revestimento do útero e facilitar a expulsão do sangue.
Esse processo interrompe o envio de oxigênio para o útero, e sem oxigênio os tecidos do útero soltam substâncias que provocam a dor. Pode haver ainda influência das prostaglandinas, compostos gordurosos que fazem com que os músculos do útero se contraiam mais, aumentando ainda mais a dor.
O uso de pílula anticoncepcional, aliás, costuma ser usado para combater essas dores porque ele reduz a espessura do endométrio ao produzir menor concentração dessa prostaglandina. Ou seja, leva a menos contrações.
Essa cólica, a normal, é causada pela descamação do endométrio. Como assim? O útero é um órgão muscular que se contrai constantemente, mudando a intensidade dessa contração no período menstrual, a qual ajuda na descamação do revestimento do útero, facilitando a expulsão do sangue principalmente.
Nem toda mulher sente essas cólicas, e nem toda mulher sente cólicas fortes. Segundo especialistas, de 30% a 50% das mulheres têm menstruações dolorosas.
Então, como identificar que pode haver algum problema aqui?
Há dois elementos-chave para identificar uma cólica menstrual problemática: o impacto no dia a dia e a necessidade de medicamentos.
A cólica considerada normal é aquela que não atrapalha o dia a dia da paciente, explicou à BBC News Brasil a médica Liliane Diefenthaeler Herter, chefe do centro de ginecologia da infância e adolescência do Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA).
Para Herter, a cólica leve não exige medicação, diferentemente da moderada, que só cede com esse tipo de abordagem. “Perder aula, ficar pálida e suar frio pela dor, vomitar ou desmaiar pela dor, precisar de medicação endovenosa [na veia]. Isso tudo não é normal.”
A Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo afirma que a cólica menstrual que faz com que a mulher tome medicações ou mesmo chegue a ir ao hospital é classificada como muito forte e não é considerada normal.
“A cólica normal é aquela que a mulher eventualmente acorda e começa a menstruação. Ela sente um pouco de cólica, toma uma medicação antiespasmódica [que combate espasmos musculares], dessa que vende em qualquer farmácia, melhora e vai tocar a vida”, explica à BBC News Brasil o médico ginecologista Eduardo Schor, presidente da Associação Brasileira de Endometriose e Ginecologia Minimamente Invasiva (SBE).
Há dois tipos de cólica menstrual, chamada no vocabulário médico de dismenorreia: a primária (mais ligada à adolescência) e a secundária (mais associada a doenças).
Dismenorreia primária
Esse tipo de cólica menstrual não está relacionado a ciclos anormais e lesões (o que não quer dizer que ela seja tranquila e indolor).
“A dismenorreia primária costuma iniciar alguns meses após a menarca (e não junto com essa primeira menstruação). Começa na véspera do sangramento ou no primeiro dia de menstruação, e dura no máximo 2, 3 dias. Não é uma dor incapacitante”, afirma Herter.
Bernardo Lasmar, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), explica que a dismenorreia primária vem da chamada hipercontratilidade uterina. “Não tem pólipo, não tem endometriose, não tem mioma. É o útero que contrai demais por uma série de substâncias que são liberadas no período menstrual”.
Em geral, a dismenorreia primária não costuma ser levada a sério. É muito comum que a adolescente ouça afirmações como “também tive cólica e passou”, “não precisa fazer nada” e “depois que você tiver filho, depois que casar, vai melhorar, é normal”, conta Lasmar.
Um exemplo ilustrativo disso é a campanha da empresa americana Get Some Days, que viralizou nas redes sociais filmando homens e mulheres com um simulador das dores de cólica menstrual. Nos vídeos, os homens costumam suportar muito menos as dores, e se mostram surpresos ou chocados com a intensidade do que seria uma cólica menstrual.
Como resultado de não serem levadas muito a sério, as garotas podem acabar sem tratamento adequado e deixar de ir à escola ou de sair com os amigos, por exemplo. Por isso, se a rotina for afetada, o problema deve ser investigado por um ginecologista.
O tratamento costuma envolver anti-inflamatórios não esteróides e contraceptivos, pois estes diluem o revestimento do útero e reduzem a quantidade de prostaglandina (que pode acentuar as dores).
Estudos apontam também os benefícios do exercício físico. Ou seja, em vez de deixar de fazer educação física, ir à academia ou praticar outras atividades esportivas, as garotas e as mulheres podem se beneficiar desses exercícios para aliviar os sintomas.
Esse tipo de cólica menstrual costuma perder força depois dos 25 anos de idade.
Dismenorreia secundária
Esse segundo tipo de cólica menstrual pode durar todo o tempo do sangramento e costuma se manifestar em idade adulta (mas adolescentes também podem tê-lo).
“Se a cólica surgiu depois dos 25 anos de idade, se [a mulher] nunca teve cólica, e passou a ter, a chance de que seja uma dismenorreia secundária, é maior”, afirma Lasmar, da Febrasgo. O mesmo vale, segundo ele, “se essa cólica estiver associada a um fluxo menstrual aumentado, dor na relação sexual, dor para urinar no período menstrual, dor para evacuar no período menstrual”.
Além dessas dores, a dismenorreia secundária pode vir acompanhada de sintomas como náuseas, vômitos, dor de cabeça, fraqueza, irritabilidade, alterações de humor, ansiedade e fadiga.
É importante que se investigue as causas desses sintomas porque é provável que eles estejam ligados a um problema de saúde, como endometriose, adenomiose, doença inflamatória pélvica, miomas, pólipos uterinos, infecções sexualmente transmissíveis, malformações, ou mesmo o uso de DIU de cobre.
Em geral, o diagnóstico envolve anamnese (histórico de todos os sintomas narrados pelo paciente, além de informações como histórico familiar), exame físico e exames de imagem como ultrassonografia pélvica transvaginal em mulheres que já deram o início à vida sexual.
Essa investigação pode apontar a existência de algumas das causas listadas acima, como miomas (tumores considerados não cancerosos que podem aumentar e tornar os ciclos mais dolorosos) e a adenomiose (quando o tecido que reveste o útero cresce dentro do útero).
Uma das mais comuns é a endometriose, que ocorre quando um tecido semelhante ao revestimento do útero cresce em outras partes do corpo (geralmente ao redor dos órgãos reprodutivos, intestino e bexiga). Ele se acumula a cada mês e depois sangra, mas não há como o sangue sair, levando a um acúmulo de sangue preso que pode resultar em lesões e tecido cicatricial.
Essa doença de causa ainda desconhecida afeta entre 6 e 10% das mulheres. O principal sintoma dela é a cólica durante a menstruação, mas essa dor pode surgir ao defecar, urinar ou durante uma relação sexual.
Não é um diagnóstico fácil. O Ministério da Saúde afirma que mais de 26 mil mulheres foram atendidas no SUS (Sistema Único de Saúde) com quadro de endometriose em 2021, sendo que, em média, essas mulheres levam de oito a 10 anos para ter o diagnóstico correto.
Na prática, muitas mulheres acabam se acostumando a conviver com a dor, sem o tratamento adequado (que pode envolver remédios para aliviar sintomas ou cirurgia para curar a doença). E, por isso, muitas delas acham que a cólica com dor incapacitante é normal e comum.
Há diversos motivos por trás dessa demora no diagnóstico, entre eles questões de gênero e de raça. Estudos apontam que as dores nas mulheres costumam ser menos investigadas do que em homens, e em lugares como Estados Unidos e Reino Unido, as mulheres negras são ainda mais prejudicadas do que as brancas em relação a um diagnóstico correto dessas dores ligadas à endometriose ou outras condições.
E ainda mais comum do que a endometriose é a doença inflamatória pélvica (DIP). Ambas costumam ser confundidas porque podem envolver dor tanto na relação sexual quanto no período menstrual.
Segundo o Ministério da Saúde, a doença inflamatória pélvica é uma síndrome causada por bactérias que entram pela vagina e atingem útero, trompas e ovários, levando a inflamações. “Esse quadro acontece principalmente quando a gonorreia e a infecção por clamídia não são tratadas”, afirma o ministério, e por isso a melhor forma de prevenção é o uso da camisinha masculina ou feminina.
“A doença inflamatória pélvica aguda costuma causar dor pélvica, independentemente da menstruação, mas na menstruação, pelo útero estar inflamado, a dismenorreia pode piorar”, conta Herter.
O tratamento costuma envolver antibióticos, mas se essa condição não for tratada corretamente, explica a médica, pode levar a um quadro de dor crônica, a problemas de fertilidade ou à necessidade de cirurgia de emergência caso evolua para um abscesso.
Outra causa possível para esse segundo tipo de cólica menstrual (dismenorreia secundária) é a malformação uterina ou vaginal obstrutiva, que aparece como a segunda causa mais comum em adolescentes (depois da endometriose).
“As malformações obstrutivas costumam causar dor desde a menarca e podem ser muito fortes. Nessa situação é indispensável uma avaliação com ecografia pélvica para ver se não há menstruação coletada dentro da vagina (hematocolpo), dentro do útero (hematometra) ou dentro da trompa (hematossalpinge). Se esse sangue estiver presente, ele não é normal e há necessidade de prosseguir a avaliação para encontrar a causa da dor e planejar o tratamento”, afirma Herter.
Especialistas costumam afirmar que grande parte da prevenção passa por entender o que é o ciclo menstrual, monitorar como ele se apresenta (duração, intensidade das dores etc.), como se dá no próprio corpo, tirar todas as dúvidas sobre o assunto com especialistas e conversar com eles abertamente sobre todas as possibilidades de tratamento. O automonitoramento é, portanto, bem importante para identificar alterações que podem ser ou não problemas de saúde.
– Este texto foi publicado originalmente em BBC News