Casada e mãe de dois filhos pequenos, a bancária Daniela Campos Carvalho, de 42 anos, viu sua vida mudar radicalmente ao descobrir um câncer de mama no auge da pandemia, em outubro de 2020.
Desde então, ela passou por diversas sessões de quimioterapia, imunoterapia, fez cirurgia, mastectomia dos dois seios e, recentemente, colocou próteses.
Daniela havia feito todos os exames de rastreio — inclusive a mamografia — em janeiro de 2020. E, até então, estava tudo bem.
No entanto, no final de agosto, o surgimento de um caroço no seio esquerdo fez com que ela procurasse uma médica que, por sua vez, solicitou novos exames.
“Os resultados apontaram que eu tinha 95% de chance de ter um tumor maligno. Marquei a biópsia para o dia seguinte que peguei os exames”.
Com o resultado em mãos, Daniela ligou para a médica, que atende em um hospital particular, e recebeu a indicação de um oncologista para iniciar ao tratamento.
“Três dias depois estava passando com o oncologista, que já deixou minha sessão de quimioterapia agendada para o fim do mês. Foi tudo muito rápido”, explica a bancária, que descobriu o câncer no estágio 1, o que fez toda a diferença.
Mesmo assim, tratava-se de uma doença grave, e o medo foi inevitável. No entanto, ela diz que contou com uma ajuda preciosa para lidar com a situação: terapia. Daniela já fazia sessões há anos e seguiu recebendo apoio psicológico.
Depois, atrelado à quimioterapia, começou o tratamento com imunoterapia. “Na segunda sessão, já senti a diferença; e, na terceira, não dava mais para sentir o caroço”, recorda-se. “Realmente me sinto grata por todo o tratamento que eu tive.”
Murillo Britto, mastologista e superintendente da Maternidade Escola Januário Cicco, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (MEJC-UFRN), afirma que a agilidade no tratamento é decisiva.
“Em São Paulo, por exemplo, entre o diagnóstico e o tratamento cirúrgico, a paciente espera, em média, seis meses. Isso pode mudar a história de vida da paciente”, afirma.
Hoje, há no país uma lei que foi criada para garantir que o paciente tenha seu tratamento oncológico iniciado em até, no máximo, 60 dias após o diagnóstico.
O ideal, porém, afirmam os especialistas, é que a paciente inicie seu tratamento em até 15 dias. De qualquer forma, se a lei for cumprida já haveria um impacto positivo para as pacientes.
E, no meio do trajeto, Daniela chegou a fazer um exame genético que apontou probabilidade do surgimento de câncer de mama e ovário. Por isso, ela optou por fazer a mastectomia (remoção total da mama) dos dois seios em abril do ano passado, uma decisão que até hoje considera certeira.
“Em fevereiro desse ano, fiz a última sessão de imunoterapia e, em maio, fiz a cirurgia para colocar as próteses de silicone. E, pelo tipo de tumor que tive, não preciso tomar medicamento nenhum. Agora, só vou fazer acompanhamento a cada quatro meses. Antes disso, eu ficava pensando nunca ia acabar”, comemora a bancária, aliviada, reforçando que essa trajetória só foi possível graças ao início precoce do tratamento, antes do avanço da doença.
Outubro Rosa enfatiza a importância do diagnóstico precoce
Outubro é o mês de conscientização do controle do câncer de mama, quando especialistas reiteram a importância dos exames de rastreio e alertam para os riscos dos diagnósticos tardios.
No Brasil, excluindo os tumores de pele não melanoma, o câncer de mama é o que mais acomete mulheres de todas as regiões. Só para 2022, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima 66.280 novos casos.
“O Outubro Rosa estimula as pacientes a se autoexaminarem e a fazer a mamografia, porque elas não sabem a importância que esse exame tem”, reforça Britto.
A campanha também enfatiza que o câncer de mama é a primeira causa de morte por câncer na população feminina em quase todas as regiões do Brasil. E, apesar da importância da mamografia, a pandemia piorou esse cenário.
Para se ter ideia, em 2017, cerca de 372 mil mulheres realizaram a mamografia pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mas, em 2021, o número foi de pouco mais de 338 mil, uma queda de 9,03%.
Ao mesmo tempo, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou, em nota, que a rede privada, em 2017, fez 5.020.622 mamografias. Já em 2021, embora tenha sido menor, foram realizados 4.575.624 exames.
Viviane Rezende de Oliveira, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) na Regional Brasília, ressalta que todo os exames de rastreamento no SUS são oferecidos na rede de atenção primária à saúde, ou seja, pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde está o principal entrave.
“A forma de melhorar isso é que as UBS sejam atuantes para a população local. Precisamos ter uma atenção primária forte para que essa paciente consiga fazer seus exames de rastreio”, diz Oliveira, lembrando que a maioria das pessoas (cerca de 168 milhões) dependem do SUS e não possuem plano de saúde.
Médicos esperam aumento de casos
Em 2019 havia 41.786 pessoas em tratamento contra o câncer de mama no país, e a mortalidade chegou a um total de 18.068.
Já no ano passado, o número de tratamentos caiu para 23.191, e a mortalidade ficou em 17.825, de acordo com um levantamento do Ministério da Saúde.
Para os especialistas, no entanto, não se trata de um cenário favorável — pelo contrário. Eles avaliam que a discrepância do número de tratamentos se deve à falta de diagnósticos. Ou seja, não houve diminuição do número de casos, mas, sim, falta de identificação.
A mastologista Maira Caleffi, fundadora e presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), diz que essa queda está ligada à suspensão de consultas eletivas causada pela pandemia, e as quais as pacientes faziam anualmente, salvo aquelas que já estavam com algum tratamento em andamento.
“A pandemia fez com que as mulheres não tivessem os diagnósticos, que estão ainda por vir. Para os próximos meses, esperamos um aumento do número de casos e de casos avançados, porque, enquanto essa pessoa não fez os exames e está na fila esperando, o tumor está crescendo”, diz Caleffi, que também é chefe do serviço de Mastologia e coordenadora do Núcleo da Mama do Hospital Moinhos de Vento.
A especialista acredita que vai aumentar também a mortalidade, já que quanto mais avançada estiver a doença, menor a chance de cura. “E talvez a gente assista a isso nos próximos cinco a dez anos”, afirma Caleffi.
Essa é uma avaliação comum entre a comunidade médica. “Houve uma demanda reprimida que deixou de ser atendida. Essas pessoas ficaram em casa, não buscaram tratamento, as doenças evoluíram, e muitas ainda nem sabe que estão doentes”, acrescenta Britto.
Descobrir um câncer de mama precocemente é muito importante. As chances de cura da doença ainda em estágio 1 chegam a 95%, e os tratamentos, em geral, são bem mais leves, ao contrário dos demais estágios.
“O estágio 2 ainda tem grandes chances de cura, e o 3 é resgatável, mas traz maior risco ao paciente. O estágio 4, o mais avançado, já tem metástase e é incurável. É o pior cenário”, define Max Senna Mano, oncologista e líder de Câncer de Mama do Grupo Oncoclínicas.
Um estudo recente, produzido pelo Grupo Latino-Americano de Oncologia Cooperativa (Lacog, na sigla em inglês) em parceria com o Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama e apoio do Instituto Avon avaliou 2.950 mulheres de 22 centros de saúde em 9 Estados que descobriram o tumor entre janeiro de 2016 e março de 2018.
A pesquisa mostrou que, de cada dez usuárias do SUS, três só receberam o diagnóstico no estágio 3. Segundo o levantamento, 43% das mulheres avaliadas com câncer de mama tinham menos de 50 anos de idade no momento do diagnóstico e 74,2% das pacientes na rede pública detectaram o câncer através de sintomas e sinais, não de exames periódicos.
Diferentemente das sociedades brasileiras especializadas, o Ministério da Saúde preconiza que a mamografia seja realizada em mulheres entre 50 e 69 anos, a cada dois anos.
“A Sociedade Brasileira de Mastologia defende que a mamografia deve ser feita a partir dos 40 anos anualmente, porque 40% das pacientes que estão com câncer de mama hoje têm menos de 50 anos”, enfatiza Britto.
“E, seguindo a regra do SUS, as pacientes que têm menos de 50 anos, morrem muitas vezes ser ter feito a mamografia.”
Para Caleffi, uma forma de amenizar esse cenário é a criação de ao menos um programa social de busca ativa.
“A mulher que tenha mais de 50 anos, porque é o que diz o Ministério da Saúde, deveria receber uma mensagem no celular para ir à consulta e, depois, fazer o exame ou receber visitas periodicamente para lembrá-la de que chegou a época de voltar ao médico”, argumenta Caleffi, lembrando que fazer o exame de mamografia é um direito.
“E outra coisa: quando a mulher chega no médico com suspeita da doença, ela deveria passar para uma outra fila. Isso precisa ser agilizado.”
De qualquer forma, a orientação médica é que, caso surja qualquer anormalidade na região dos seios, a pessoa procure um médico o mais rápido possível, principalmente, se tiver mais de 40 anos ou histórico familiar de câncer de mama.
– Texto originalmente publicado em BBC News