Em resposta à pressão pública para a aprovação do uso medicinal da maconha, o órgão responsável pelo controle de medicamentos dos Estados Unidos (the Office of National Drug Control Policy, Washington,DC) patrocinou um estudo realizado pelo Institute of Medicine, que teve como autores o Dr. Stanley J. Watson, o Dr. John A. Benson e a Dra. Janet E. Joy.
Este tinha como objetivo avaliar as evidências científicas dos benefícios e dos riscos do uso da maconha na medicina. Baseou-se em conhecimentos científicos e populares e foi validado por especialistas no assunto. O estudo foi publicado na revista Archives of General Psychiatry de junho de 2000.
A principal finalidade deste estudo foi determinar o que é verdadeiro e o que é falso a respeito do efeito terapêutico da maconha. Ele consiste em uma revisão sobre os mecanismos e locais de ação da droga, bem como, a eficácia e falhas de seu uso medicinal. Inclui também uma análise dos efeitos crônicos e agudos da maconha, sendo comparados os seus efeitos adversos com os de outras drogas já padronizadas.
A biologia da maconha
O conhecimento a respeito da neurobiologia da maconha vem mudando dramaticamente na última década. Foram descobertos dois tipos de receptores (estruturas orgânicas que se ligam aos componentes químicos da maconha e permitem sua ação dentro das células), que receberam o nome de CB1 e CB2, estes se localizam principalmente no cérebro e nas células do sistema imune.
Dentro do cérebro, estes receptores estão concentrados no sistema límbico, no córtex cerebral, no sistema motor e no hipocampo. Essas localizações explicam, em parte, os sintomas provocados pela maconha, como as alterações do estado mental, as mudanças de humor e as alterações da coordenação motora.
Seus efeitos sobre o sistema imune ainda não são bem conhecidos.
O papel da maconha na dor
Evidências de pesquisas em animais e em homens indicam que a maconha pode produzir um efeito analgésico importante. Porém, mais estudos devem ser feitos para estabelecer a magnitude e a duração deste efeito, nas diversas condições clínicas. Os pacientes que poderiam ser beneficiados com o uso dessa droga seriam aqueles em uso de quimioterapia, em pós-operatório, com trauma raquimedular (lesão da coluna vertebral com acometimento da medula), com neuropatia periférica, em fase pós-infarto cerebral, com AIDS, ou com qualquer outra condição clínica associada a um quadro importante de dor crônica.
Quimioterapia induzindo náuseas e vômitos
Muitos oncologistas e pacientes defendem o uso da maconha, ou do THC (seu principal componente já estudado) como agente antiemético. Mas quando comparada com outros agentes, a maconha tem um efeito menor do que as drogas já existentes. Contudo, seus efeitos podem ser aumentados quando associados com outros antieméticos. Dessa maneira, o uso da cannabis na quimioterapia pode ser eficiente em pacientes com náuseas e vômitos não controlados com outros medicamentos.
Desnutrição e estimulação do apetite
Os estudos sobre os efeitos da maconha sugerem que esta droga pode ser importante no tratamento da desnutrição e da perda do apetite em pacientes com AIDS ou câncer. Mas outros medicamentos são mais efetivos do que a maconha, portanto, os autores recomendam pesquisas mais aprofundadas para avaliar a ação da maconha nesses pacientes.
Espasmo Muscular
Como já foi dito anteriormente, a maconha afeta o movimento, e estudos tem demonstrado que ela pode ajudar no controle do espasmo muscular (encontrado na esclerose múltipla ou no traumatismo raquimedular).
Mas as pesquisas que avaliaram essa capacidade da maconha devem ser analisadas com cuidado, uma vez que, outros sintomas associados a estas doenças, como a ansiedade, podem aumentar os espasmos, e nesse caso, a maconha poderia ter sua ação diminuindo a ansiedade e não controlando o espasmo propriamente dito. Por isso, os autores acreditam que mais estudos devem ser realizados para se confirmar esse efeito da maconha.
Movimentos desordenados
Estudos em animais demonstram que o uso da maconha pode estimular os movimentos em doses baixas e pode inibí-los em doses altas. Esta característica pode ser importante para o desenvolvimento de tratamentos para as desordens motoras na doença de Parkinson. Os autores acreditam que novos estudos devem ser feitos para avaliar a quantidade exata da droga que pode ser eficiente no tratamento dessa condição.
Epilepsia
O principal objetivo do tratamento da epilepsia é impedir completamente as crises. Os estudos a esse respeito ainda estão se iniciando, e muitas vezes as crises não foram inibidas com o uso da maconha, portanto, os autores acreditam que pesquisas com pessoas ainda não devem ser indicadas.
Glaucoma
Apesar do glaucoma ser uma das indicações mais citadas para o uso da maconha, os dados existentes não suportam esta indicação. A pressão alta intra-ocular é um dos fatores de risco para o desenvolvimento do glaucoma e a maconha poderia agir diminuindo esta pressão. Mas esse efeito é de curta duração e só é conseguido com altas doses da droga. Como as altas doses provocam muitos efeitos indesejáveis e as medicações já existentes são bastante efetivas e com efeitos colaterais mínimos, os autores acreditam que o uso da cannabis nessa condição ainda não está indicado.
Efeitos adversos
Os efeitos adversos da cannabis podem ser divididos em duas categorias: os efeitos do hábito de fumar crônico e os efeitos do THC. O fumo crônico da maconha provoca alterações das células do trato respiratório, e aumentam a incidência de câncer de pulmão entre os usuários. Os efeitos associados ao longo tempo de exposição ao THC são a dependência dos efeitos psicoativos e a síndrome de abstinência com a cessação do uso. Os sintomas da síndrome de abstinência incluem agitação, insônia, irritabilidade, náusea e cãibras.
Alguns autores sugerem que a maconha é uma porta de entrada para outras drogas ilícitas. Mas ainda não existem estudos científicos que comprovem essa hipótese. E outras drogas como o tabaco e o álcool, na verdade, são as primeiras drogas a serem usadas antes da maconha.
Conclusão
Resumindo, os dados indicam um efeito terapêutico modesto, particularmente, no controle da dor, alívio de náuseas e vômitos, e estimulação do apetite. Seus efeitos foram melhores estabelecidos para o THC. Mas a maconha possui vários outros componentes que não tem seus efeitos estudados, e que podem trazer muitos riscos.
Os dados atuais não afastam e nem dão suporte para a hipótese de que o uso medicinal da maconha poderia aumentar o uso ilícito dessa droga. Ao final do estudo os autores concluíram que o futuro do uso terapêutico da maconha está associado com o desenvolvimento de substâncias puras, e não com o fumo da mesma.
Fonte: Arch Gen Psychiatry 2000;57:547-552 – Vol.57 No. 6, june 2000.
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