Nos Jogos Olímpicos de 1896, em Atenas, na Grécia, a primeira maratona organizada envolveu apenas 17 atletas.
Desde então, as maratonas evoluíram bastante. O vencedor de 1896 correu num tempo de 2h58m50s — hoje em dia, esse seria um tempo respeitável para um amador, mas quase uma hora mais lento que os mais velozes corredores da atualidade.
Nós hoje também entendemos muito mais sobre a ciência das corridas de longos percursos, de seus impactos sobre a saúde a motivações psicológicas.
Então, quais são os benefícios de correr uma maratona, e por que essas corridas são tão populares?
Sem esperanças de ganhar uma medalha de ouro ou conseguir deixar seu nome na história do esporte, alguns podem se perguntar por que tanta gente disputa maratonas.
O treinamento exige um enorme comprometimento em termos de tempo, energia e suor — e as corridas podem ser extenuantes.
Ainda assim, a participação em maratonas nos Estados Unidos aumentou 255% desde 1980, e as inscrições para a Maratona de Londres cresceram todos os anos desde a primeira edição, em 1981, que contou com 7.747 corredores.
Hoje, Londres recebe inscrições de quase 250 mil corredores para um de seus 50 mil lugares. Em 2018, o número de pessoas que concluíram uma maratona foi estimado em 1,3 milhão.
As razões mais óbvias por que as pessoas correm maratonas são os efeitos positivos para a saúde do corpo e da mente.
Enquanto algumas pessoas preocupam-se com os danos que você pode causar a seu corpo caso não esteja bem preparado, os benefícios de saúde tendem a significativamente superar qualquer risco, contanto que haja treinamento apropriado.
Os benefícios para perda de peso e saúde cardiovascular são bem conhecidos, mas pesquisas continuam a revelar novos pontos positivos.
Correr maratonas reduz em anos sua “idade arterial”, por exemplo, e um estudo recente liderado por Astrid Roeh, da Universidade de Augsburg, na Alemanha, mostrou uma possível melhora de função cognitiva — e uma visão mais saudável — como resultado da participação nessas longas corridas.
Mas e as motivações psicológicas? A essa pergunta, cada maratonista dará uma resposta diferente.
Matt Huff, novaiorquino e autor de Marathoner: What to Expect When Training for and Running a Marathon (Maratonista: O Que Esperar Quando Treinar para uma Maratona e Disputar Uma), que completou sua nona maratona neste ano em Berlim, na Alemanha, diz que sua paixão pela corrida “vem diretamente do fato de que eu sou viciado em gratificações duradouras”.
“É o sentimento de realização que eu tenho quando cruzo a linha de chegada que me faz voltar sempre”, afirma.
“Existe uma energia nisso que você não obtém em outros esportes, porque a enorme quantidade de tempo e esforço que se coloca numa única maratona ofusca o que é colocado num jogo de futebol ou numa partida de tênis. A única questão é se você consegue se forçar para passar por um inferno até chegar ao final.”
Para outros corredores, parte do apelo é superar limitações físicas. Tom Eller é um maratonista surdo de nascença que vive em Essen, na Alemanha, e disputou 11 maratonas.
Ele correu em 2h47m11s na Maratona de Berlim de 2019, o que fez dele o mais veloz maratonista surdo da Alemanha.
Eller, que dá aulas para estudantes surdos e cegos, diz: “Eu desafio a minha vida, que tem barreiras de comunicação, correndo maratonas mundo afora para mostrar às pessoas que mesmo pessoas com deficiência podem conquistar grandes coisas. Para as minhas crianças e meus adolescentes surdos na escola, eu sou um modelo a ser seguido.”
Para Kailey Bennet, professora da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, as maratonas a ajudam a transcender sua epilepsia.
“Houve alguns períodos na minha vida em que eu estava doente demais para fazer qualquer tipo de atividade física, portanto, cada vez que eu cruzo a linha de chegada eu sou muito grata por essa conquista.”
Mas ela corre principalmente porque é uma forma de vivenciar outras culturas. “É como eu exploro o mundo”, explica.
“Eu acredito piamente que uma das melhores formas de experimentar uma nova cidade é no dia da sua maratona.”
Entretanto, enquanto todo corredor tem razões pessoais diferentes, há algumas tendências gerais que os pesquisadores observaram em relação à atração de muitas pessoas a corridas de longa distância.
Um estudo de pesquisadores da Academia Jerzy Kukuczka de Educação Física, na Polônia, identificou que “provar sua capacidade de correr uma maratona constitui um importante acontecimento de vida para uma pessoa” e que isso pode ter impacto em suas crenças sobre a execução bem-sucedida de futuras realizações.
Carys Egan-Wyger, da Universidade Lund, na Suécia, descobriu que aspectos da vida cotidiana são refletidos de forma tangível e mensurável na disputa de uma maratona, como o acompanhamento do progresso, assim como a necessidade de produtividade e eficiência.
Entre os corredores entrevistados para sua pesquisa, eles citaram principalmente três elementos motivadores: liberdade, realização e competição.
Mas, de maneira menos óbvia, Egan-Wyger também sugere que corridas de resistência também podem ser uma forma de obter status social.
Mostrar que você é capaz de disputar uma corrida de longa distância projeta para outras pessoas qualidades como boa saúde, produtividade e eficiência, ela argumenta, de forma semelhante a cultivar uma marca pessoal.
Esse efeito é ainda potencializado por meio de aplicativos sociais de exercícios físicos que permitem que os corredores compartilhem suas realizações.
Isso pode combinar com a pesquisa feita por Jenna Gilchrist, da Universidade de Toronto, no Canadá. e seus colegas sobre o papel do orgulho durante treinamentos e corridas. Aqueles que experimentam um maior orgulho sobre suas corridas tendiam a se esforçar mais e passar mais tempo em seus treinos.
Existe também, no entanto, alguma evidência de que motivações diferem de acordo com o sexo da pessoa.
Em um estudo de corredores na Polônia, pesquisadores concluíram que “corredoras do sexo feminino que chegam ao final da prova eram mais motivadas que os homens devido à preocupação com peso, conexões pessoais, resistência psicológica, significado da vida e autoestima, mas menos motivadas pela competição”.
Curiosamente, estudos também sugerem haver diferenças em ritmo e desempenho entre os sexos em longas distâncias.
Segundo as pesquisas, mulheres são melhores em manter o ritmo durante maratonas e tendem a ser mais precisas na manutenção de uma velocidade constante.
O estatístico e corredor Jens Andersen, da Copenhagen Business School, na Dinamarca, coletou dados de 131 maratonistas e examinou a taxa de desaceleração de cada um. Os homens mostraram uma redução mais brusca e acentuada que as mulheres.
E, enquanto os tempos registrados por homens tendem a ser mais rápidos no percurso da maratona, em distâncias muito longas, como as chamadas ultramaratonas, as mulheres podem levar vantagem: elas têm uma melhor distribuição de fibras musculares de contração lenta, que são mais resistentes à fadiga.
Uma última motivação mencionada por corredores para disputar provas de longas distâncias é o sentimento mental que se segue à corrida, o chamado “barato do corredor”.
Mas o que exatamente se passa no cérebro dos corredores de maratona?
Acredita-se que hormônios chamados endorfinas têm um papel nisso, mas o sentimento de calma e relaxamento que algumas pessoas relatam pode ser, na verdade, devido a um aumento de endocanabinóides na corrente sanguínea. Diferentemente das endorfinas, estes podem passar para o cérebro.
Durante uma corrida de longa distância, o cérebro também pode diluir a memória da dor. Em 2019, Dominika Farley, da Universidade Jagiellonian, na Polônia, e seus colegas traçaram paralelos entre a dor de um parto e a sentida numa maratona. As duas tendem a ser subestimadas quando lembradas posteriormente, o que pode ser explicado pela liberação de ocitocina no cérebro, o que influencia como a memória é codificada, dizem os pesquisadores.
A forma como a dor é lembrada também é vista por meio do contexto: se uma medalha na maratona ou um bebê está do outro lado da dor experimentada, a pessoa pode considerar a intensidade da dor de forma diferente.
Isso pode explicar por que os “maratonistas em série” são comuns. Erin McBride, professora que já correu 18 maratonas, participou de sua primeira em 2005, quando ela fez 18 anos. “Eu estava convencida de que eu seria uma corredora por apenas uma vez, para marcar na minha lista e nunca mais olhar para trás. Mas aquele dia de novembro mudou a minha vida para sempre. Desde então, eu me comprometi a correr ao menos uma maratona por ano, e muitas foram com algum membro da minha família do meu lado.”
Mas poucas pessoas exemplificam essa disposição de repetir o desafio que o corredor de 58 anos Andy Glen, de Liverpool (Reino Unido), que completou 176 maratonas em 42 países diferentes. Sua meta atual é correr 200 maratonas em 50 países.
Isso não significa que ele ache a corrida fácil. “Frequentemente me perguntam se correr uma maratona depois desse tempo todo fica mais fácil”, diz ele. “A resposta curta é não. As últimas seis milhas são tão desafiadoras quanto elas eram quando eu corri a minha primeira.”
Fonte: BBC News