Após crise diplomática com a China provocada por seu filho, Bolsonaro diz não ter problemas com o governo de Xi Jinping, a quem pedirá doação de equipamentos
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou que o sistema de saúde brasileiro entrará em colapso ao final de abril, caso não sejam cumpridas as regras de distanciamento social. “Temos aí 30 dias para que a gente resista razoavelmente bem, com muitos casos, dependendo da dinâmica da sociedade. Mas, claramente, em final de abril nosso sistema entra em colapso”, disse, ao traçar um panorama do Brasil diante da pandemia de coronavírus a um grupo de empresários em teleconferência com o presidente Jair Bolsonaro, que, por sua vez segue errático na conduta da crise.
Ao lado do ministro, no entanto, havia um presidente ávido por criticar seus adversários políticos e cobrar a ajuda dos Estados na solução da crise. Contrário ao fechamento de rodovias, Bolsonaro reclamou, mais de uma vez, de um “governador” que “só faltou se declarar independente” do Brasil. Não citou nomes. Mas nos últimos dias, os governadores Camilo Santana (Ceará), do PT, e Wilson Witzel (Rio de Janeiro), do PSC, anunciaram restrição de circulação de ônibus interestaduais em seus Estados.
Após a forte declaração de Mandetta, o ministro tentou amenizar sua previsão caótica. “O que é um colapso? Às vezes as pessoas confundem colapso com sistemas caóticos, sistemas críticos, quando você vê aquelas cenas de pessoas em macas. O colapso é quando você pode ter o dinheiro, você pode ter o plano de saúde, você pode ter a ordem judicial, mas, simplesmente, não há um sistema aonde entrar”.
Na sequência, comparou a situação do Brasil a da Itália, onde há uma elevação exponencial do número de casos registrados e de mortos. “[Colapso] é o que está vivenciando a Itália, um país do primeiro mundo, atualmente. Não tem aonde entrar”.
Como medida de reduzir o impacto na saúde, Mandetta sugeriu que talvez seja necessário ampliar as ações de isolamento de pessoas, principalmente de idosos. “Para evitar esse colapso pode ser necessário segurar a movimentação para ver se consegue diminuir a transmissão. Quando a gente toma uma medida de segurar 14 dias, por exemplo, o impacto dessa medida só é sentido 28 depois porque a cadeia de transmissão é sustentada e você [a] quebra.”
As oscilações do ministro, enquanto no mundo as regras já são bem mais duras, são sintomas de um Governo que ainda tenta acertar o passo na comunicação sobre a crise. Enquanto Mandetta fala um idioma, Bolsonaro tenta retomar o protagonismo na crise, mas segue minimizando vez por outra a emergência —como fez ao falar a seguidores no Facebook na quinta-feira e ao repetir em entrevista coletiva nesta sexta. “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, não”, disse Bolsonaro nesta sexta em referência à tentativa de assassinato que sofreu durante a campanha eleitoral em 2018.
As falas do ministro ocorreram durante uma teleconferência com ao menos 20 empresários brasileiros e representantes da gestão Bolsonaro. No encontro, os empresários disseram que estão dispostos a ajudar o governo a conter a disseminação do vírus. “A iniciativa privada quer participar [dos debates], não é para pedir nada. É para dar, para ajudar a solucionar os problemas”, afirmou o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, o empresário Paulo Skaf.
Nos últimos dias, a gestão Bolsonaro tem sido criticada por estar focando suas ações mais na área econômica do que na de saúde. Skaf, que aderiu ao bolsonarismo, disse que os empresários também estão preocupados com a saúde. “Primeiro tem de ser controlada a situação da saúde. Temos a consciência de que, se não diminuir a circulação de pessoas, não contemos a doença”.
No encontro o presidente Bolsonaro repetiu uma frase que tem se tornado seu mantra nos últimos dias. “Temos de tomar as medidas necessárias, mas sem histeria”. Ao contrário do que ocorreu ao longo da semana, todos os presentes no encontro no Planalto usaram máscaras faciais e as mantiveram em seus rostos enquanto falavam.
Crise diplomática
Após o encontro com os empresários, o presidente Jair Bolsonaro negou que o seu governo tenha qualquer problema com o do chinês Xi Jinping. Desde quarta-feira, um desentendimento diplomático foi iniciado pelas redes sociais por seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado federal e presidente da Comissão de Defesa e Relações Exteriores da Câmara. “No governo brasileiro, não tem qualquer problema com o governo chinês, muito pelo contrário”, afirmou o mandatário.
Conforme o jornal Valor Econômico, contudo, Xi se negou a atender uma ligação do presidente Bolsonaro nesta sexta-feira. O governo chinês já disse em uma nota emitida na noite de quinta-feira que se sentiu ofendido, não aceitou uma tentativa de intermediação do chanceler Ernesto Araújo e aguarda um pedido oficial de desculpas do deputado Eduardo.
Nesta semana, Eduardo por meio de seu Twitter, aderiu a uma versão conspiratória de que a responsabilidade pela disseminação do coronavírus era do governo chinês. Suas declarações geraram uma série de respostas do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, e do perfil da embaixada nas redes sociais. Em uma das mais recentes, direcionadas a Eduardo, a embaixada escreveu: “[Eduardo Bolsonaro] Que dê uma guinada o mais rapidamente possível, já que a história nos ensina que quem insiste em atacar e humilhar o povo chinês, acaba sempre dando um tiro no seu próprio pé”.
O vice-presidente, Hamilton Mourão, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, empresários e o Itamaraty intervieram. Mas o governo chinês insiste no pedido formal de desculpas de Eduardo. Na entrevista coletiva desta sexta-feira, o presidente Bolsonaro disse que, nos próximos dias, poderá entrar em contato com representantes de Xi para tratar da doação ou da venda de equipamentos médicos para ajudar no tratamento dos infectados pelo coronavírus no Brasil. Por enquanto, as falas do filho do presidente estão travando qualquer avanço nessas tratativas.