A diversidade alimentar parece impactar na microbiota intestinal à medida em que alimentos sólidos são introduzidos na rotina do bebê. Veja!
A microbiota (ou microbioma) intestinal corresponde ao ecossistema microbiano do trato gastrointestinal (TGI) humano. Consiste em trilhões de micróbios, incluindo bactérias, fungos, protozoários e vírus, com uma relação simbiótica com o hospedeiro (homem) por meio de funções nutricionais, metabólicas e imunológicas.
A microbiota intestinal é crucial para a saúde do bebê, pois ajuda a digestão dos alimentos, produz vitaminas, reforça o sistema imunológico e previne o crescimento de bactérias nocivas.
O crescente interesse em micróbios simbióticos que habitam os seres humanos é emparelhado com o aumento do conhecimento sobre seu grande poder de codificação genômica.
Desde o nascimento, os bebês são expostos diariamente a inúmeros fatores moduladores, ocorrendo rapidamente e sem interrupção, muitos dos quais são conhecidos por funcionar como condutores de adaptações microbianas no ambiente intestinal.
O termo “disbiose” se refere a perturbações na estrutura, composição ou atividade da microbiota intestinal, podendo ter um efeito substancial nos sistemas nervoso e imunológico, contribuindo para o aparecimento de doenças intestinais, como doença celíaca, doença inflamatória intestinal e síndrome do intestino irritável, ou outros estados patológicos, como distúrbios metabólicos, doenças autoimunes e alérgicas, infecções bacterianas, câncer e obesidade. Dessa forma, destaca-se a importância de uma microbiota intestinal saudável para evitar tais complicações.
Durante os primeiros meses após o nascimento, sabe-se que a composição microbiana no intestino é afetada pelo tipo de parto (dados na literatura mostram que o parto cesáreo pode impactar negativamente a microbiota intestinal infantil), uso de antibióticos, localização geográfica e tipo de alimentação (leite materno versus fórmula).
Consequentemente, o período neonatal e a primeira infância têm atraído muita atenção de pesquisadores no mundo todo. No entanto, após esse primeiro período, a composição microbiana intestinal continua a se desenvolver até os três anos de idade, e esses primeiros anos foram designados como “uma janela de oportunidade” para a modulação microbiana.
O início e o fim dessa janela são atualmente debatidos, mas provavelmente coincidem com o período de alimentação complementar, marcando a transição gradual da alimentação infantil à base de leite para a dieta familiar, geralmente ocorrendo entre seis e 24 meses.
Além disso, os “primeiros mil dias”, isto é, o período desde a concepção até os dois anos de idade, são geralmente reconhecidos como de particular importância para o desenvolvimento saudável das crianças.
Embora as mudanças na dieta sejam conhecidas por afetar a microbiota intestinal adulta, há uma lacuna sobre como a introdução de novos componentes alimentares na dieta de bebês/crianças pequenas afeta o desenvolvimento da microbiota intestinal.
A importância da introdução alimentar para a microbiota intestinal do bebê
A alimentação influencia a taxonomia e a função das comunidades microbianas no intestino, tanto na infância quanto na idade adulta. A primeira nutrição, período no qual a maioria dos bebês recebe o leite materno, mantém a microbiota em um estado caracterizado por baixa diversidade e predomínio de Bifidobacterium, o que provavelmente é benéfico para a saúde infantil.
O leite materno contém anticorpos, prebióticos e probióticos que ajudam a modular a microbiota intestinal do bebê, promovendo o crescimento de bactérias saudáveis. A substituição do leite materno por fórmula afeta a abundância relativa de colonizadores intestinais iniciais, promove mudanças específicas no metabolismo bacteriano e influencia a taxa de maturação do microbioma intestinal em geral.
Um grande ponto de transição na microbiota intestinal infantil ocorre quando os alimentos sólidos são introduzidos. A introdução de alimentos sólidos é um evento dietético extremamente relevante, ocasionando mudanças profundas na composição microbiana do intestino em direção a um estado mais adulto.
Há uma mudança na composição da microbiota, deixando de ser dominado por Bifidobacterium para ser dominado pelas espécies de Bacteroides e Firmicutes. Essa mudança na abundância de espécies permite uma mudança de genes bacterianos usados para a digestão de lactato para genes mais adequados para a digestão de carboidratos.
Essas alterações continuam até os três anos de idade e mediam a transição para uma microbiota intestinal semelhante ao adulto no que diz respeito à composição e diversidade. É importante que os alimentos oferecidos sejam ricos em fibras, vitaminas e minerais para favorecer o crescimento de bactérias benéficas.
Além disso, os pais devem evitar o consumo excessivo de açúcar e alimentos processados, que podem alterar negativamente a microbiota intestinal do bebê. A partir deste ponto, a microbiota intestinal permanece relativamente estável, com exceção de mudanças dietéticas de longo prazo, disbiose causada por doença ou exposição a antibióticos.
A relação entre a idade de início da introdução alimentar e a microbiota intestinal
Em algum momento durante a infância, a alimentação à base de leite não é mais adequada para cobrir as necessidades nutricionais do lactente. Portanto, a suplementação com alimentos adicionais, juntamente com o leite, é necessária.
O período de transição da alimentação exclusiva com leite para a alimentação familiar é denominado “alimentação complementar” e, geralmente, abrange a idade de seis a 24 meses.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda iniciar a alimentação complementar por volta dos seis meses de idade. Entretanto, em alguns países/populações, não é raro introduzir outros alimentos a partir dos dois a três meses de vida do bebê.
A introdução de alimentos sólidos muito precocemente (antes dos três meses de idade) tem sido associada a mudanças na composição da microbiota intestinal infantil, aumentando a diversidade e as concentrações de butirato.
Ademais, alguns estudos demonstram um risco aumentado de obesidade infantil, alergias, infecções do TGI, doenças respiratórias, distúrbios imunológicos e estresse oxidativo (mas isso pode ser atribuído à menor duração da amamentação).
Contudo, a introdução tardia também pode ser problemática, pois pode resultar em problemas de alimentação, nutrição e crescimento inadequados e falha na indução de tolerância oral.
Em suma, a introdução precoce, combinada com a redução ou falta de amamentação, presumivelmente não é benéfica, pois perturbará a microbiota intestinal infantil dominada por Bifidobacterium, associada à proteção contra doenças infecciosas e imunológicas.
Por outro lado, a introdução muito tardia, como observada em populações onde a comida é escassa e a amamentação do bebê é prolongada sem alimentos complementares adequados, também seria adversa, dada a incapacidade da microbiota intestinal de amadurecer quando privada de nutrientes essenciais e as óbvias implicações negativas para o crescimento e desenvolvimento.
Métodos de introdução alimentar e a microbiota intestinal
Com relação ao método de introdução alimentar, no desmame guiado pelo bebê (baby-led-weaning – BLW), os bebês recebem apenas alimentos que eles podem pegar e se alimentar sozinhos de acordo com o seu desenvolvimento neuropsicomotor, não havendo a oferta tradicional de alimentos (amassados) com colher.
Na Nova Zelândia, o estudo Baby Led Introduction to SolidS (BLISS) randomizou 206 bebês para dois grupos: BLISS (uma versão modificada do BLW, seguida de autoalimentação de alimentos familiares) ou controle (introdução alimentar tradicional com o uso de colher).
Este estudo mostrou que os bebês que seguem o BLW consomem uma dieta mais do tipo adulto e têm uma microbiota fecal com uma composição menos complexa aos 12 meses do que os bebês que seguem a alimentação tradicional com colher.
A menor ingestão de frutas e vegetais e de fibras dietéticas são parcialmente responsáveis por essa menor diversidade alfa. A diferença na diversidade alfa entre os grupos é modesta e, nesta fase, não pôde ser relacionada a alterações no desenvolvimento ou na saúde da criança.
Todavia, estudos maiores e de longo prazo são necessários antes que qualquer conclusão possa ser feita sobre o possível impacto dessas diferenças ou se as diretrizes de alimentação infantil devem recomendar que os bebês que seguem o BLW consumam mais frutas e vegetais ou fibras alimentares do que atualmente 6.
Tipo de alimentos e microbiota intestinal
A dieta é um dos fatores mais importantes que afeta diretamente a composição e o metabolismo da microbiota intestinal, principalmente por meio de sua colonização e persistência.
Por exemplo, a diversidade alimentar aumenta os substratos disponíveis para a microbiota intestinal, aumentando assim a diversidade microbiana, que tem sido associada ao estado de saúde.
No entanto, o aumento da dependência de alimentos processados nos últimos 50 anos, juntamente com o uso de antibióticos e as mudanças no estilo de vida e no ambiente, desafiaram a relação simbiótica estabelecida com os micróbios residentes e coincidem com a aparente diminuição da diversidade da microbiota intestinal nos países ocidentais.
Inclusive, um estudo publicado em 2021, apesar de ter sido realizado com camundongos, concluiu que o efeito que os pesquisadores observaram é equivalente a crianças com uma dieta ocidental, rica em gordura e açúcar. Surpreendentemente, o microbioma intestinal permanece afetado por até seis anos após a puberdade.
Comentário
Sem dúvidas, mais estudos são necessários para melhorar nossa compreensão acerca das intrigantes ligações entre introdução alimentar, microbiota intestinal e saúde infantil.
No entanto, podemos perceber o crucial papel de profissionais que trabalham com crianças em educar os pais sobre a importância de se aguardar o momento certo para apresentar alimentos sólidos saudáveis ao bebê, devido a atuação da dieta na microbiota intestinal da criança e sua implicação na qualidade de vida do futuro adulto.
Texto publicado originalmente em Portal PEBMED