O mundo enfrenta uma pandemia de obesidade, condição que é um fator de risco para diversos desfechos cardiometabólicos.
Felizmente, o excesso de adiposidade vem sendo encarado com importância e estudos recentes vêm demonstrando o impacto da perda de peso na prevenção e no tratamento de condições cardiovasculares e metabólicas.
Uma questão muito comumente abordada é o quanto de peso é necessário perder para se atingir determinado efeito. No estudo DPP, um clássico que envolveu pacientes com pré-diabetes e o impacto da mudança do estilo de vida na prevenção do diabetes demonstrou que uma perda de 7% do peso corporal é capaz de reduzir o risco de progressão para o diabetes em 58%.
Ainda, é sabido que perder cerca de 5% do peso corporal já pode levar a melhora de níveis glicêmicos e pressóricos; 5 a 10% pode impactar positivamente na melhora do perfil lipídico, com queda dos níveis de colesterol não HDL, triglicérides e aumento no HDL e uma perda de peso maior que 15% pode impactar em remissão do diabetes além de redução do risco de mortalidade global e por causas cardiovasculares.
Um grande “porém” desses estudos é “como” a perda de peso é atingida. Em geral, os estudos que avaliaram o impacto de grandes perdas de peso até hoje utilizaram uma população de pacientes submetidos a cirurgia bariátrica (como o SOS trial ou o STAMPEDE trial, por exemplo), o que leva a questionar se o impacto de fato ocorreu devido a perda de peso ou por mecanismos relacionados à cirurgia.
O mesmo questionamento provavelmente deve ocorrer com as novas medicações como os agonistas de GLP-1, agonistas duais e novas terapias que vêm sendo desenvolvidas.
Para se estabelecer um bom endpoint para um estudo que avalie desfechos relacionados à perda de peso, é necessário compreender algo além: o impacto que a perda de peso pode gerar varia ao longo do tempo.
Isto é, alguns efeitos podem ocorrer de forma mais precoce e outros de forma mais tardia. Com base nisso, foi publicado no jornal Cardiovascular Research, da European Cardiology Society (ESC), uma breve revisão descritiva a respeito do impacto da perda de peso em desfechos cardiometabólicos ao longo do tempo.
Perda de peso e impacto na glicemia e lipídeos
Um dos desfechos mais rapidamente afetados pela perda de peso é a própria glicemia. O impacto pode ocorrer já em dias a semanas. A perda de peso impacta diretamente na redução da deposição de gordura ectópica, sobretudo na gordura hepática e em níveis circulantes de triglicérides, impactando diretamente na melhora da resistência insulínica e melhor controle da gliconeogênese.
Vale lembrar que os estudos epidemiológicos mostram que existe um risco dez vezes maior de se desenvolver diabetes em indivíduos com IMC ≥ 30 kg/m² comparados a indivíduos com IMC de 21.
Perda de peso e hipertensão
O impacto da perda de peso também pode ser observado em poucas semanas. No entanto, o mecanismo que leva a tal alteração ainda é debatido, sendo que em parte se explica provavelmente por uma menor ingesta de sódio, mas o quanto a redução de gordura perivascular pode impactar diretamente, ainda não se sabe.
Consequências em poucos meses: insuficiência cardíaca?
Evidências vêm sugerindo cada vez mais a associação entre excesso de peso e risco de insuficiência cardíaca. Inclusive, um trial sugere que há impacto da perda de peso em melhora na massa do ventrículo esquerdo em pacientes com IC de fração de ejeção preservada. Tal impacto pode ocorrer tão cedo quanto três meses.
Ainda, dados advindos de estudos observacionais em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica (e portanto, sujeitos a diversos vieses, inclusive viés de confusão residual) mostram um impacto benéfico na prevenção de insuficiência cardíaca (inclusive com impacto maior do que em doença aterosclerótica).
No entanto, este permanece um tópico nebuloso e na opinião dos autores desta minirrevisão, ainda há necessidade de mais estudos para esclarecimento.
Efeitos após anos: aterosclerose e desfechos cardiovasculares
A dificuldade em se estabelecer tal relação reside no fato de que o próprio processo de aterosclerose é lento. Para se observar um impacto direto nesse desfecho, é necessário um N muito grande, além da capacidade de se manter a perda de peso e a consequente melhora nos demais fatores de risco cardiovasculares por muito tempo, o que limita tal avaliação na maioria dos trials atuais.
A partir de estudos com pacientes submetidos a cirurgia bariátrica, sabemos que para haver impacto em MACEs (Major Adverse Cardiovascular Events) é necessário que a perda de peso seja importante. Uma análise post hoc do LOOK AHEAD, publicado no NEJM, demonstrou que uma perda maior que 10% do peso estava associada à redução de 21% no risco de MACEs.
Mensagem final
É importante entendermos a temporalidade do efeito da perda de peso nos desfechos cardiometabólicos para que possamos alinhar nossas expectativas (como médicos) e as dos pacientes. Além disso, é fundamental termos senso crítico ao analisarmos impactos em diferentes desfechos trazidos por estudos — será que o tempo analisado foi adequado?
De qualquer forma, apesar dos estudos epidemiológicos e genéticos nos demonstrarem claramente o impacto da obesidade como fator de risco para diversas condições, ainda carecemos de evidências concretas em algumas frentes que demonstrem quais consequências a perda de peso pode gerar — seja na insuficiência cardíaca, na doença renal crônica ou até mesmo em MACEs.
Grandes estudos como o SELECT (semaglutida) e o SURPASS-CVOT (tirzepatida) estão por vir e podem nos ajudar a responder pelo menos algumas dessas questões.
Fonte: Portal PEBMED