Uma pesquisa inédita conduzida pelos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) buscou fazer uma apresentação da situação atual de mais de dois milhões de trabalhadores de saúde do nível técnico e auxiliar, que atuam em atividades de apoio na assistência, no cuidado e no enfrentamento à pandemia de Covid-19.
Os resultados do estudo apontaram que esses indivíduos, muitas vezes considerados “invisíveis” e periféricos dentro do serviço de saúde, enfrentam uma dura realidade de desigualdades, exploração e preconceito.
Perfil dos entrevistados
Cerca de 72,5% são mulheres e 59% pretos ou pardos. A faixa etária entre 36 e 50 anos representa 50,3% dos profissionais, enquanto 32,9% possuem até 35 anos. Apesar de serem jovens em sua maioria, 23,9% relataram ter alguma comorbidade, como hipertensão arterial, obesidade, doenças pulmonares, depressão e diabetes.
Pouco mais da metade (52,6%) trabalha nas capitais e regiões metropolitanas. Em relação ao tipo de estabelecimento de atuação, os hospitais públicos foram mencionados por 29,3%, as unidades de atenção primária em saúde por 27,3% e os hospitais particulares por 10,7%.
Cerca de 85,5% possuem jornada de até 60 horas semanais e 25,6% precisam de um segundo emprego para sobreviver. Muitos deles desenvolvem atividades extras, como pedreiro, segurança ou porteiro de prédio, moto táxi, motorista de aplicativo, babá, diarista, manicure e vendedor ambulante.
Desgaste emocional, estresse e agressões
Cerca de 80% desses trabalhadores vivem em situação de desgaste profissional relacionado ao estresse psicológico, à sensação de ansiedade e ao esgotamento mental. Além disso, a falta de apoio da empresa contratante foi citada por 70% dos voluntários do estudo, sendo que 35,5% admitiram sofrer violência ou discriminação durante a pandemia. Entre as agressões, 36,2% aconteceram no ambiente de trabalho, 32,4% na vizinhança e 31,5% no trajeto casa-trabalho-casa.
Os resultados apontam ainda que 53% destes profissionais se sentem desprotegidos contra a Covid-19 no ambiente de trabalho e 23,1% sentem medo de contaminação pela Covid-19.
A falta, escassez ou inadequação do uso de equipamentos individuais de proteção foram citados por 22,4% e a ausência de estruturas adequadas para realizar o trabalho por 12,7%. Ademais, 54,4% consideram que houve negligência em relação à capacitação para que eles pudessem lidar melhor com os protocolos exigidos durante a pandemia.
Outro ponto importante que foi destacado foi o excesso de trabalho, apontado por mais da metade dos entrevistados (50,9%). As exigências físicas e mentais foram consideradas muito elevadas por 47,9%, com menções sobre a pressão temporal, interrupções constantes, repetição de ações e movimentos, pressão pelo atingimento de metas e tempo reduzido para descanso.
Metodologia
No total, foram entrevistados 21.480 trabalhadores de saúde pertencentes a 2.395 municípios distribuídos em todas as regiões brasileiras. Eles responderam perguntas sobre as suas condições de vida, a rotina de trabalho e a sua saúde mental através de um questionário online.
O estudo concluiu que muitos desses profissionais, como auxiliares de enfermagem, de saúde bucal, de radiologia, de laboratório e análises clínicas, agentes comunitários de saúde, maqueiros, condutores de ambulância, pessoal da manutenção, equipe da limpeza, da cozinha e administrativo sequer possuem cidadania de profissional de saúde, apesar de já atuarem há dois anos na linha de frente do combate à pandemia de Covid-19.
“Essa imensa parcela de trabalhadores da saúde está diretamente na linha de frente atendendo a mais de 8 milhões de contaminados pela Covid-19 e lidando com mais de 200 mil óbitos em todo o país. Além disso, estão expostos à infecção, sofrem com o óbito de colegas, sendo boa parte desprotegida de cuidados necessários, sem ter voz e meios de expressar a real situação no seu trabalho e vida pessoal, no que se refere à saúde física e mental”, explicou a coordenadora da pesquisa, Maria Helena Machado, em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias.
Fonte: PEBMED