O café é uma das bebidas mais consumidas no mundo e os estudos de seus efeitos cardiovasculares ainda apresentam resultados conflitantes.
Para entender mais sobre os efeitos agudos do café foi feito um estudo para verificar se há relação entre consumo do café e arritmias, atividade física, sono e níveis de glicose.
Métodos
Foi estudo de caso com crossover, prospectivo, randomizado, unicêntrico, com duração de 14 dias, que avaliou o efeito do café em arritmias cardíacas, nível de atividade física, minutos de sono e níveis de glicose.
Foram incluídas pessoas com 18 anos ou mais que consumiam café pelo menos 1 vez por ano, que tivessem smartphone para uso de aplicativo específico de monitoramento e que estivessem dispostos a não consumir café por pelo menos 2 dias seguidos.
Foram excluídos os que tinham antecedentes de fibrilação atrial (FA) e insuficiência cardíaca (IC), uso de marca-passo ou desfibrilador ou que estivessem em uso de betabloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio não di-hidropiridínicos ou antiarrítmicos ou que tivessem um motivo médico para evitar cafeína.
Os indivíduos eram randomizados para consumir ou evitar café por diversos períodos de 2 dias durante um total de 14 dias. Foi feito monitoramento eletrocardiográfico contínuo por um dispositivo específico, monitoramento da localização para detectar idas a cafeterias e confirmar aderência ao protocolo, monitoramento da quantidade de passos e período de sono, além de monitoramento contínuo da glicemia. Os momentos de consumo do café eram registrados.
O desfecho primário era o número de extra-sístoles atriais em 24 horas e o desfecho secundário o número de extra-sístoles ventriculares, taquicardias supraventriculares ou taquicardias ventriculares, número de passos, tempo de sono e níveis médios de glicemia em 24 horas, além de interações desses desfechos com variantes genéticas específicas.
Resultados
Foram incluídos 100 participantes com idade média de 39 anos, 51% do sexo feminino, com baixa prevalência de hipertensão (3%) e diabetes (1%) e consumo de café variando de menos de 1 por mês a 4 ou 5 por dia.
Nos dias de consumo de café houve uma média de 58 extra-sístoles atriais por dia comparado a 53 nos dias sem café (razão das taxas de incidência 1,09; IC 0,98 – 1,20; p = 0,10). Já o número das extra-sístoles ventriculares foi 154 e 102 respectivamente (razão das taxas 1,51; IC 1,18 – 1,94).
Os números de taquicardias atriais e taquicardias ventriculares não sustentadas foram semelhantes entre os grupos. Não houve associação das extra-sístoles ventriculares com consumo de café quando a quantidade ingerida era de apenas 1 café no dia.
Quando havia consumo de café, a quantidade de passos no dia era maior (10646 x 9665) e o tempo de sono era menor (397 minutos x 432 minutos). Não houve diferença nos níveis de glicemia, assim como não houve diferença entre variações genéticas e a quantidade da bebida ingerida ou os desfechos avaliados.
Comentários e conclusão
Esse estudo mostrou que pessoas que consomem café têm maior nível de atividade, dormem menos e, quando consomem mais de 1 café no dia, tem maior quantidade de extra-sístoles ventriculares. Não houve aumento de extra-sístoles atriais.
Os benefícios do café na mortalidade, visto em outros estudos, talvez possam ser explicados pelo maior nível de atividade física de quem o consome. Andar 1.000 passos a mais no dia, como encontrado no dia de consumo da bebida, está relacionado a redução de 6 a 15% de mortalidade, conforme também visto em estudos anteriores.
A ocorrência de extra-sístoles ventriculares tem sido associada a maior ocorrência de IC e a identificação de predisponentes é de grande importância. Poucos estudos prévios descreveram a correlação da cafeína e extra-sístoles ventriculares, resultado encontrado neste estudo. Porém, esse achado foi na análise de desfechos secundários, devendo ser interpretado como um gerador de hipóteses.
Ainda, o número de participantes foi pequeno e não foi um estudo cego, o que pode contribuir para vieses. Sendo assim, mais estudos são necessários para confirmar esses resultados.
Texto publicado originalmente em Portal PEBMED