Se a menopausa é a última menstruação espontânea da mulher num período de 12 meses, que geralmente acontece entre os 45 e 55 anos, a perimenopausa é a passagem até esse momento. Ambas fazem parte de uma fase chamada climatério, em que acontece a transição da etapa reprodutiva da mulher para a não reprodutiva.
A perimenopausa impacta a saúde física e psicológica da mulher, que passa a sentir sintomas frequentemente atribuídos à menopausa, como ondas de calor, menstruação irregular e declínio do desejo sexual. Há também oscilações de humor, suores noturnos, insônia, secura vaginal, desconforto na relação sexual, infecção urinária e declínio cognitivo, com dificuldades de concentração e de memória e névoa mental.
Os sintomas começam na perimenopausa e podem persistir um longo tempo depois da menopausa. Em geral, eles duram em torno de quatro anos após a última menstruação, mas quase uma em cada 10 mulheres pode continuar com esses sintomas por até 12 anos, segundo dados do serviço de saúde britânico (NHS, na sigla em inglês).
A duração da perimenopausa, que termina quando a menopausa começa, varia de uma mulher para outra: pode ir de meses até uma década, por exemplo. A abordagem dela deve ser como a da própria menopausa, de forma abrangente e individualizada para cada mulher.
Perimenopausa e declínio cognitivo
Há três fases nesse processo de climatério: perimenopausa, menopausa e pós-menopausa. A primeira é um processo neuroendocrinológico que pode impactar o envelhecimento de diversas partes do corpo da mulher.
“Neuroendocrinológico” porque alguns dos sintomas mais prevalentes são de natureza neurológica, como os fogachos (ondas de calor), as oscilações de humor e o declínio cognitivo, e também têm ligação com o sistema endócrino e o metabolismo.
No Brasil, há cerca de 42 milhões de mulheres com mais de 40 anos (cerca de 20% da população total). Ou seja, estão na faixa etária em que podem já viver a perimenopausa ou estão próximas disso. Mas “tudo isso” começou bem antes.
As mulheres nascem com um número determinado de óvulos dentro do ovário, e essa quantidade vai diminuindo a cada ciclo menstrual, começando da menarca (a primeira menstruação) e terminando na menopausa. Há dois hormônios importantes envolvidos nesse processo: o estrogênio e a progesterona.
O primeiro é crucial para todo o ciclo reprodutivo: o desenvolvimento e a liberação de um óvulo dos ovários a cada mês, e pelo processo de tornar mais espesso o revestimento do útero para recepção do óvulo fertilizado.
A mudança no padrão dos ciclos menstruais é um dos primeiros sinais desse processo, ligado à queda dos níveis de estrogênio. “A mulher começa a ter uma certa irregularidade menstrual, menstruações muito curtas, ou muito longas, com sangramento abundante quando ela ocorre, e algumas vezes leva meses até vir uma menstruação, chegando a seis meses ou mais”, explicou à BBC News Brasil a endocrinologista e professora Amanda Athayde (UFRJ e PUC-Rio), membro do departamento de endocrinologia feminina, andrologia e transgeneridade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
Embora o estrogênio seja o principal hormônio desse processo, há também a progesterona, um hormônio produzido pelos óvulos saudáveis restantes em menor quantidade. Ele ajuda a preparar o corpo para a gravidez a cada mês, e diminui quando a menstruação para. A progesterona é o primeiro hormônio a deixar de ser produzido nessa fase anterior à menopausa, a perimenopausa.
Athayde explica que se a falta dessa mulher for única e exclusivamente da progesterona, um hormônio secretado na segunda metade do ciclo menstrual, “há uma irregularidade menstrual. Ou a menstruação falha em vir, ou vem em períodos muito curtos”.
Mas há também alguma falha no nível de estrogênio na perimenopausa, ainda que de forma esporádica e com picos, “a mulher poderá ter ondas de calor, insônia, sintomas típicos da menopausa mesmo, como ondas de calor, falta da menstruação, insônia etc.”
E a função cognitiva, de que maneira é afetada nesse processo? Os cientistas ainda não sabem direito qual é a relação entre climatério e o declínio cognitivo, mas há algumas pistas.
Um estudo publicado na revista Nature no ano passado encontrou diferenças na estrutura cerebral ao longo do climatério, mas algum tempo depois da menopausa se notou estabilização e recuperação.
“Nós temos receptores de estrogênio em quase todo nosso corpo e também no cérebro. A função cognitiva é muito dependente dos níveis de estrogênio”, conta Athayde.
Jerusa Smid, coordenadora do departamento científico de neurologia cognitiva e do envelhecimento da Associação Brasileira de Neurologia (ABN), explica que há três estágios importantes no impacto do climatério na função cognitiva.
O contínuo da alteração cognitiva segue uma linha: em primeiro lugar, há o declínio cognitivo subjetivo, que é quando há queixa, mas não há nenhuma alteração objetiva detectável em testes. Ou seja, a paciente sente que está piorando, mas na avaliação, levando em conta a sua escolaridade e idade, os resultados são considerados normais.
O estágio seguinte é o comprometimento cognitivo leve, em que há queixa da paciente e alteração cognitiva confirmada por avaliação. São as queixas de alteração de memória, de atenção, de função executiva, mas esse quadro é considerado leve porque a mulher consegue fazer grande parte de suas atividades diárias.
O terceiro passo, segundo Smid, é a demência, na qual “existe uma alteração cognitiva maior, intensa o suficiente para levar ao comprometimento das atividades do dia a dia”.
“Ser mulher é um fator de risco para ter doença de Alzheimer, que é a principal doença degenerativa que acomete os domínios cognitivos”, afirma Smid em entrevista à BBC News Brasil. A faixa etária comum para o Alzheimer, uma doença neurodegenerativa progressiva que afeta muitas funções, principalmente a memória e o aprendizado, nas pessoas escolarizadas é após os 65 anos (depois da menopausa).
“Muitos trabalhos estão sendo realizados usando estrogênio na doença de Alzheimer para ver se existe melhora da memória nesses pacientes”, relata Athayde, mas ainda não há um trabalho sólido que sustente essa hipótese.
Smid ressalta que não se sabe ainda qual é a relação real entre esse hormônio e a doença porque “a reposição hormonal ainda não se mostrou benéfica para reduzir as chances de ter a doença de Alzheimer”.
Há também o impacto direto de outros sintomas do climatério na função cognitiva. “Se a mulher não dorme direito, por causa das ondas de calor, no dia seguinte a função cognitiva dela não vai ser a mesma. Ela vai estar cansada, sem paciência. Se ela tem um ressecamento vaginal que a impede de se relacionar com sua parceria, ou até a impede que segure a urina adequadamente, a função cognitiva dela também não está boa”, explica Athayde, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.
Para a professora e endocrinologista, não se deve imputar apenas ao hormônio problemas de memória e concentração, como não se deve fazer isso em relação à libido feminina. “Existem tantos fatores afetivos e sociais relacionados à libido feminina que a gente não pode dizer que ‘essa mulher está assim porque está faltando hormônio’. A libido da mulher é muito complexa. Do mesmo jeito que a gente não pode colocar também a função de memória relacionada só ao hormônio. Se a gente está cansado, trabalhou demais, e encontra alguém na rua e espera a pessoa começar a conversa… Isso muitas vezes não tem a ver com doença, pode ser o próprio excesso de informação na nossa cabeça mesmo.”
Como se diagnostica o declínio cognitivo e qual é o possível tratamento?
Em consultório, um médico especialista poderá avaliar a função cognitiva aplicando testes como o mini-exame do estado mental (conhecido como Meem), em que são feitas tanto perguntas mais triviais, como “que dia é hoje?” e “em que lugar estamos?”, quanto provas de memória e de atenção.
Outro exame que pode ser aplicado por um profissional especializado durante a consulta é o Montreal Cognitive Assessment (MoCA) e o Bateria Breve de Rastreio Cognitivo, desenvolvido no Brasil com o diferencial de poder ser aplicado em pessoas de baixa e de alta escolaridade.
“Mas se o médico ainda estiver em dúvida, ele pode solicitar uma avaliação neurocognitiva a qual será feita não por um neurologista, mas por um psicólogo. Mas isso ocorre em alguns casos, e não na maioria deles”, afirma Smid.
Há também outros exames que podem ser solicitados para afastar outras causas do declínio cognitivo, como a medição dos níveis de vitamina B12, alterações de tireoide ou imagem do cérebro.
Mas o diferencial para declínio cognitivo deve ser feito por um médico especialista em distúrbios cognitivos, como neurologista, psiquiatra ou geriatra. Esse profissional primeiro investigará se existe prejuízo e comprometimento nas atividades diárias da paciente.
Caso sejam descartadas outras possíveis condições de saúde e uma vez chegando-se à conclusão de que são sintomas ligados à perimenopausa ou à menopausa, essa paciente poderá fazer atividades que podem ajudá-las nas atividades diárias e também a prevenir um eventual declínio cognitivo no futuro.
Há atualmente diversos sites e aplicativos de estímulo cognitivo que podem ajudar nesse sentido. Afinal, o aumento da expectativa de vida pode levar muitas mulheres a passarem um terço de suas vidas depois do climatério.
“Antigamente, quando surgia a menopausa, as mulheres já estavam perto de morrer. A quantidade de vida era muito pequena. Mas hoje em dia a gente vive muito mais que um terço de vida pós-menopausa. Isso não pode ser uma sobrevida, tem que ser uma vida de qualidade”, defende Athayde.
Mas não há atualmente um tratamento específico para esse declínio cognitivo durante a perimenopausa ou a menopausa.
“A maior parte das mulheres melhora espontaneamente. E uma minoria apresenta um comprometimento cognitivo leve”, afirma Smid, da Associação Brasileira de Neurologia.
Segundo ela, “não há reposição hormonal para isso” — isso porque o tratamento de reposição hormonal costuma ser o mais indicado para tratar grande parte dos sintomas desse período do climatério.
Estudos apontam também que a perimenopausa pode estar associada a um risco elevado de depressão e ansiedade, condições de saúde que também podem afetar a função cognitiva. Outros trabalhos afirmam que mulheres que podem contar com apoio familiar e possuem uma vida social têm uma melhora significativa dos sintomas de forma geral.
Outras medidas, como atividades físicas, exercícios de respiração, meditação, yoga, também podem ajudar com os sintomas.
Além de estimular o cérebro, os hábitos saudáveis (como alimentação equilibrada, atividade física regular, sono regulado e vida social ativa) são importantes para a saúde mental e a função cognitiva. “As pessoas que têm um isolamento social têm mais chances de ter declínio cognitivo”, afirma Smid.
Estudos sobre prevenção da demência apontam para a importância da atividade física e aeróbica. “A maioria dos estudos preconiza 150 minutos por semana de atividade física aeróbica”, diz Smid. E isso vale para a população geral, não apenas para as mulheres.
Há também atividades associadas à prevenção do declínio cognitivo que passam por “manter-se mentalmente ativo”. Novos aprendizados estimulam o cérebro, como aprender a tocar um novo instrumento ou aprender uma nova língua. Atividades como palavras cruzadas, leitura e jogos de tabuleiro podem ajudar a não deixar o cérebro parado. “Toda vez que aprendemos algo novo os neurônios fazem mais conexões entre as células nervosas (sinapses)”, explica Smid.
O climatério é, inclusive, apontado por alguns especialistas como uma fase de oportunidade para que mudanças sejam feitas em direção a uma vida mais saudável.
Como funciona a reposição hormonal para grande parte dos sintomas?
Athayde, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, explica que se a mulher não tiver passado por uma histerectomia (cirurgia de remoção do útero), “a gente usa só a progesterona, cerca de 12 dias por mês, para restabelecer a ciclicidade do ciclo menstrual. E então a paciente volta a ‘ciclar’ normalmente e muitas vezes esses sintomas desaparecem”.
Exames de dosagens hormonais serão importantes parâmetros para o eventual tratamento.
“Essas dosagens consistem em dosagens dos hormônios da hipófise (glândula localizada na base do cérebro), que estão aumentados durante a menopausa e que nesse período de perimenopausa podem não estar tão aumentados. Eles tendem a aumentar, mas não tanto. Os níveis de estrogênios podem estar normais, e só o nível de progesterona estar baixo”, exemplifica a endocrinologista.
No período de perimenopausa, a paciente ainda não tem uma parada total de secreção de estrogênio, mas talvez isso tenha ocorrido com a progesterona. “Então daremos progesterona para que a normalidade se restabeleça. Chegará um momento em que ela não vai mais responder à progesterona, ela vai tomar progesterona e não vai mais menstruar e os sintomas não vão melhorar. Isso significa que acabaram os estrogênios. Ela entrou na menopausa propriamente dita, e então o novo tratamento consiste em dar os dois hormônios nas pacientes que têm útero, estrogênio e progesterona”, explica Athayde.
Recomenda-se que a mulher que faça reposição hormonal faça o quanto antes, pois não se deve fazer reposição hormonal quando a mulher está há muito tempo na menopausa sem repor hormônios. Ela deve fazer a reposição no período mais próximo possível do início da menopausa, na chamada “janela de oportunidade”.
“Se a mulher passa muito tempo da menopausa, por exemplo, dez anos, ela começa a formar placas nas artérias, nas carótidas, na aorta, nas vertebrais, e se ela começar a usar hormônio muito tarde, pode piorar as doenças cardiovasculares. As placas vão se mexer, se mobilizar, vão entupir os vasos em algum lugar”, alerta ela. “As doenças cardiovasculares podem ser prevenidas pelo estrogênio se esses estrogênios são dados precocemente. E podem ser provocadas pelos estrogênios se eles são dados depois de muito tempo sem reposição.”
Mas há ressalvas quanto à reposição hormonal: ela só é indicada quando há sintomas. Além disso, a evolução científica com uso de hormônios semelhantes àqueles produzidos pelo ovário permitiu que a dosagem fosse adequada para cada mulher, a depender dos exames e do diagnóstico clínico feito por médicos especializados. E com menos efeitos colaterais.
Caso os sintomas persistam, os níveis de reposição podem ser reavaliados.
Há também mulheres que não podem ser submetidas à reposição hormonal, como aquelas que tiveram câncer de mama recentemente, câncer de endométrio ou alterações genéticas com tendências a desenvolver trombose. Mas há possíveis alternativas para os sintomas de perimenopausa ou menopausa que afetem essas pacientes.
“Existem substâncias que diminuem as ondas de calor que não são hormônios. São substâncias utilizadas para outros fins e que observou-se que melhoram as ondas de calor, existem ajudas para a insônia que não seja hormônio, existem géis intravaginais que não tem hormônio para melhorar a lubrificação”, explica Athayde.
O serviço de saúde britânico lista outras abordagens possíveis para lidar com parte dos sintomas. No caso das ondas de calor e suores noturnos, por exemplo, a mulher pode procurar vestir roupas mais leve, manter o quarto fresco à noite, tomar mais bebidas geladas, banho fresco, tentar (se possível) administrar os níveis de estresse, praticar exercícios físicos regularmente, não estar acima do peso e evitar cafeína, álcool e cigarro.
Fonte: BBC News