Diagnosticada com câncer de mama em novembro de 2020, a empresária Eliane Dias, de 48 anos, passou por quimioterapia, cirurgia e radioterapia antes de prosseguir para a nova etapa de seu tratamento: a químio oral.
Desde agosto de 2021, o médico prescreveu a ela dois medicamentos, que são tomados todos os dias em casa.
A surpresa veio quando o custeio de um desses remédios, que tem o preço mais elevado, foi negado pelo plano de saúde que ela contratou. A justificativa era que ele não fazia parte da lista de cobertura obrigatória, conhecida no Brasil como o rol da ANS (sigla de Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Ela precisou então entrar na Justiça para ter acesso ao fármaco.
“O processo até que foi bem rápido e simples: eu entrei com o pedido no dia 2 de setembro e, em 17/9, já estava com o remédio em mãos. Eu apenas precisei comprovar a minha real necessidade de tomar esse medicamento e que ele não poderia ser substituído por outro equivalente”, conta.
Apesar da relativa facilidade, Dias confessa que a necessidade de entrar na Justiça representou “um grande abalo emocional”.
“É como ajoelhar e implorar para darem a chance de me manter viva”, diz.
“É triste perceber que eu pedia um medicamento para viver, não um vinho caro. Não se trata de um luxo, mas de um remédio absolutamente necessário para mim”, completa.
Histórias como a de Dias se repetem a todo momento nos hospitais e nas clínicas oncológicas do Brasil: quando o plano de saúde se nega a pagar por comprimidos que integram a chamada “químio oral” e não fazem parte do rol da ANS, é preciso acionar um advogado para assegurar o acesso.
Na grande maioria das vezes, a Justiça garante o direito do paciente de receber a químio oral custeada pelo convênio. Mas todo o processo representa, na visão de pacientes, médicos e associações, uma etapa a mais e um desgaste desnecessário num momento de fragilidade.
Justamente para tentar corrigir essa questão foi criado o Projeto de Lei 6330/19, conhecido popularmente como “lei da químio oral”, que prevê a cobertura obrigatória das operadoras de saúde a todo tratamento contra o câncer tomado pela boca e feito em casa que receba a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.
A aprovação do PL significaria, entre outras coisas, cortar aquela etapa de entrar na Justiça para ter acesso a um tratamento oncológico feito por meio de comprimidos.
No momento, os convênios só são obrigados a custear as terapias que estão incluídas no rol da ANS. Até recentemente, essa lista de cobertura era atualizada apenas de dois em dois anos.
Essa mesma regra, no entanto, não se aplica às drogas anticâncer que são endovenosas (tomadas pela veia): assim que elas recebem o aval da Anvisa, já entram automaticamente na cobertura das operadoras de saúde.
De acordo com projeções feitas por médicos e entidades do setor, essa diferenciação que ocorre no Brasil de acordo com a via de administração do medicamento (oral x endovenoso) é única no mundo e dificulta o acesso a tratamentos mais modernos e eficazes para cerca de 50 mil brasileiros.
Após a tramitação, o PL foi aprovado por unanimidade no Senado Federal e também passou com larga vantagem na Câmara dos Deputados. Mas, para a surpresa dos próprios parlamentares, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou integralmente a proposta no dia 27 de julho de 2021.
Bolsonaro justificou o veto alegando um problema técnico que poderia levar a um impasse constitucional.
“Eu vetei um projeto muito bom, fui obrigado a vetar. Por quê? Quando um parlamentar não apresenta fonte de custeio, se eu sancionar, estou em curso de crime de responsabilidade.
O site da Secretaria-Geral da Presidência ao reportar o veto disse que “a medida causaria impacto financeiro ao mercado de planos privados de assistência à saúde, o que resultaria no aumento do plano de saúde dos consumidores”.
De fato, alguns desses lançamentos chegam a custar dezenas ou centenas de milhares de reais. E os próprios defensores do PL veem a questão do preço com preocupação e entendem que é preciso fazer uma análise de custo-efetividade sobre cada lançamento farmacêutico seguindo alguns critérios.
De julho até agora, diversas entidades e associações que reúnem médicos e pacientes se uniram para derrubar o veto do presidente no Senado e na Câmara dos Deputados e, finalmente, viabilizar a lei da químio oral.
Entenda a seguir como essa história evoluiu nos últimos meses — e como ela pode estar perto de um desfecho, com uma possível nova votação no Congresso Nacional prometida para as próximas semanas.
Uma batalha antiga
A psicóloga Luciana Holtz trabalha há décadas com pacientes que têm câncer. Fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, uma ong que se propõe a trazer informações e defender os direitos desses indivíduos, ela conta que o veto à PL da químio oral causou uma enorme confusão na comunidade.
“Muitos pacientes começaram a nos procurar porque não entenderam o que o veto significava. Alguns acharam que iam perder o direito de receber os medicamentos que já tomavam”, relata.
“Nós precisamos até criar uma página de perguntas e respostas no site do Instituto Oncoguia para dar conta da demanda que chegou até nós”, complementa.
Holtz explica que o maior acesso às terapias orais é uma demanda relativamente antiga de médicos e pacientes oncológicos, com discussões que começaram em meados de 2010, época em que muitos desses fármacos começaram a chegar ao mercado com mais frequência.
“Não é correto afirmar que o indivíduo com câncer não tem acesso a medicamentos orais, pois alguns já estão na cobertura obrigatória dos planos de saúde. O problema é que não existe acesso aos lançamentos, aos remédios que foram aprovados recentemente”, diz a psicóloga.
“Essas novas aprovações na área de oncologia chegam cada vez mais nesse formato oral e permitem fazer o tratamento em casa”, explica.
De acordo com a ANS, existem atualmente 59 quimioterápicos orais que são de cobertura obrigatória pelos planos de saúde.
“A gente percebe no dia a dia essa angústia dos pacientes, que muitas vezes já estão numa fase avançada da doença, convivem com metástase e poderiam se beneficiar desses novos fármacos. E, no momento em que eles mais precisam de suporte, recebem a resposta negativa dos planos de saúde”, observa Holtz.
O oncologista Fernando Maluf, fundador do Instituto Vencer o Câncer, entidade que esteve diretamente envolvida na construção do PL, calcula que os remédios de uso oral representam hoje 70% das terapias medicamentosas na oncologia e são indicados para tratar os 20 tipos de câncer mais comuns na população brasileira.
“E eles não trazem apenas comodidade, mas são a terapia de primeira escolha em muitos casos”, conta.
“Ou seja, quem não tem acesso a algumas medicações orais acaba ficando com uma alternativa que costuma ser inferior em termos de resultados”, argumenta o médico, que também integra o corpo clínico da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo e do Hospital Israelita Albert Einstein, também na capital paulista.
“Com o veto, mais de 50 mil brasileiros e brasileiras estão sendo prejudicados nesse momento”, completa Maluf. O cálculo do médico leva em conta o número de beneficiários de planos de saúde e as estatísticas de casos de câncer no país.
Ana Paula Azevedo, de 45 anos, foi diagnosticada com câncer em 2016 e também precisou entrar na Justiça para ter acesso à químio oral em 2019. Para ela, tomar esses comprimidos faz toda a diferença.
“Além de ter menos efeitos colaterais, sinto que esse tratamento devolve a minha autoestima. Agora tomo meu remédio em casa todos os dias e só preciso ir à clínica para tomar uma injeção uma vez por mês”, relata a paciente, que mora em Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Já Dias ressalta que a químio oral não é apenas uma questão de conforto. “Não se trata somente de uma opção mais cômoda para o paciente, mas de um tratamento que pode aumentar a sobrevida e reduzir a possibilidade de metástase ou o risco de retorno do câncer”, chama a atenção.
Motivos para o veto
De autoria do senador José Reguffe (Podemos-DF), o PL prevê “ampliar o acesso a tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral pelos usuários de planos de assistência à saúde”.
O texto tentava revogar uma regra que obriga os planos de saúde a custear apenas os remédios orais que foram incluídos no rol da ANS — como explicado mais acima, essa lista de cobertura era atualizada a cada dois anos. Na prática, os especialistas consideram essa janela de tempo muito grande, seja pela urgência dos pacientes com câncer avançado, seja pela velocidade com que novos tratamentos são lançados no mercado.
A nova lei vinculava a cobertura obrigatória e automática após a aprovação de uso desses novos remédios no Brasil pela Anvisa.
“É muito mais humano e confortável que o paciente tenha acesso a um comprimido que pode ser tomado de casa, em vez de precisar se internar para receber o remédio na veia numa clínica”, justifica Reguffe.
Essa facilidade de fazer o tratamento em domicílio passou a fazer ainda mais sentido durante a pandemia de Covid-19, já que pacientes com câncer costumam ter a imunidade comprometida (o que eleva os riscos de complicações pela infecção com o coronavírus) e havia maior dificuldade em visitar as clínicas e os hospitais para a realização de consultas e terapias.
“Nós, que já temos o sistema imune mais debilitado, ficamos com muito medo de sair de casa para fazer as consultas de acompanhamento ou os tratamentos nas clínicas”, destaca Azevedo.
“E só de saber que, com a chegada do PL, os novos pacientes não precisariam mais ter o estresse de entrar na Justiça e ficar sem saber se o remédio seria liberado, isso já representou um grande alívio para todos nós”, complementa.
A proposta foi aceita por unanimidade no Senado Federal em junho de 2020. Na sequência, ela acabou aprovada na Câmara dos Deputados, com 398 votos a favor e 10 contrários. O próximo passo para que o projeto virasse lei era justamente a sanção presidencial.
“A expectativa era que o PL fosse sancionado pelo presidente. Infelizmente, não foi. Agora precisamos derrubar o veto no Congresso Nacional”, diz o senador.
Logo após o veto, Bolsonaro reclamou das críticas que vinha recebendo a respeito da decisão.
“Eu vetei um projeto muito bom, fui obrigado a vetar. Por quê? Quando um parlamentar não apresenta fonte de custeio, se eu sancionar, estou em curso de crime de responsabilidade. Daí eu veto e apanho porque vetei. É falta de conhecimento do pessoal”, comentou o presidente, no dia 27 de julho.
Num texto publicado no site da Secretaria-Geral da Presidência da República em 27/7, são apresentados mais alguns argumentos, mas Reguffe não concorda com os pontos apresentados pelo governo.
“Em primeiro lugar, a vida humana não tem preço. Mas, mesmo se levarmos em consideração o custo do tratamento, em muitos casos é bem mais barato tomar um comprimido oral, em casa, do que custear a internação para receber o tratamento na veia num hospital ou numa clínica”, argumenta.
“E isso sem contar todos os custos posteriores, decorrentes de infecções e complicações da doença que poderiam ser evitados”, complementa o senador.
Maluf segue essa mesma linha. “Entre os medicamentos orais, temos alguns que são mais caros, outros que custam o mesmo e um terceiro grupo que é mais barato. Mas ninguém está pensando na jornada do paciente. Se a gente oferece um remédio pior, há um aumento do risco de recidiva do tumor, maior sofrimento com as complicações, além da necessidade de internação, e tudo isso tem um preço elevado. Esse cálculo nunca é feito.”
O oncologista acrescenta outro aspecto importante para a discussão. “O Brasil é o único país do mundo que possui critérios diferentes para a aprovação de remédios contra o câncer segundo a via de administração”, revela.
“Qualquer medicação endovenosa [tomada pela veia] aprovada pela Anvisa é imediatamente incorporada no rol da ANS e os planos de saúde são obrigados a liberar. Já os medicamentos orais precisam passar por toda essa avaliação, que pode levar anos”, detalha a médica Clarissa Mathias, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
“Ninguém sabe porque acontece essa diferenciação, é uma coisa bem típica do Brasil”, acrescenta a oncologista, que também integra o Grupo Oncoclínicas.
Holtz lembra que essa desigualdade no acesso a remédios orais e endovenosos derruba a justificativa do preço elevado e da sustentabilidade do mercado.
“Atualmente, o que existe de mais caro na oncologia? Os imunoterápicos. Mas, como eles são tomados pela veia, não precisam de aprovação da ANS para serem pagos pelos planos de saúde”, aponta a presidente do Oncoguia.
Procurada pela BBC News Brasil para comentar a questão, a ANS enviou uma nota de esclarecimento.
No texto, os porta-vozes da agência afirmam que é “fundamental que a incorporação de medicamentos e procedimentos no rol seja resultado de uma criteriosa avaliação técnica, que leve em conta os aspectos de eficácia, efetividade, segurança, custo-efetividade e relevância dos benefícios para os pacientes”.
“A incorporação automática de novos medicamentos à terapia antineoplásica oral para o tratamento do câncer, conforme propõe o referido projeto de lei, deixaria de considerar a avaliação de tecnologias em saúde; causaria discrepâncias nos critérios para inclusão de tecnologias no rol e, consequentemente, geraria desigualdade no acesso dos beneficiários aos tratamentos de que necessitam, privilegiando os pacientes acometidos por doenças oncológicas que requeiram a utilização de antineoplásicos orais”, escrevem.
A questão do preço é apontada no texto: “Também é preciso considerar que o alto custo dos antineoplásicos orais e o escopo da análise da Anvisa, que não considera a Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) para aprovação e concessão de registros geram o risco do comprometimento da sustentabilidade do mercado de planos privados de assistência à saúde e suas consequências ao conjunto dos beneficiários. O repasse de aumento para os beneficiários pode inviabilizar a manutenção do plano de saúde.”
Por fim, a ANS informa que uma nova resolução mudou as regras sobre a incorporação de novas tecnologias no rol de cobertura obrigatória dos planos de saúde. Antes, isso acontecia mais ou menos a cada dois anos. Agora, assegura a agência, esse processo é contínuo e “tão logo os medicamentos obtenham o registro na Anvisa, as propostas de inclusão podem ser submetidas à análise”.
A BBC News Brasil também entrou em contato com representantes do Governo Federal para ter o posicionamento do veto feito por Bolsonaro. A Secretaria da Presidência da República remeteu o pedido de posicionamento para o Ministério da Saúde.
O Ministério da Saúde, por sua vez, disse que “não comenta projetos de lei”.
Após a publicação da reportagem, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) enviou um posicionamento oficial a respeito da discussão.
No texto, a entidade diz ser “favorável à incorporação de novas tecnologias em saúde, desde que feita com análises ágeis, completas e científicas, e vê com preocupação a pressão pela inclusão de novos tratamentos ignorando o processo de avaliação de tecnologias de saúde, adotada mundialmente por recomendação da Organização Mundial de Saúde”.
“Atualmente, a saúde suplementar oferece a seus beneficiários 59 medicamentos orais para uso domiciliar contra o câncer, em 115 indicações terapêuticas. Existem outros 23 já registrados na Anvisa. Desses, 12 foram avaliados e reprovados. Restam 11 a ser analisados. Inglaterra e Canadá, por exemplo, ainda não os incorporaram à lista por diversos fundamentos”, continua o texto, que ressalta a importância da análise técnica antes da incorporação.
“É importante ressaltar que o PL 6.330 previa a obrigatoriedade de cobertura de antineoplásicos orais de uso domiciliar apenas por planos de saúde, deixando de fora o SUS, o que fere o princípio da isonomia na Constituição Federal ao promover uma segregação da população brasileira dependente exclusivamente do Sistema Público de Saúde, aumentando a iniquidade”, finaliza a Abramge.
Outra entidade que enviou um posicionamento sobre o PL após a publicação da reportagem pela BBC News Brasil foi a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde):
“O que reprovamos é a incorporação indiscriminada, sem critério, que resultará caso o veto ao PL 6.330/2019 seja derrubado no Congresso, já que ele prevê a cobertura automática, sem qualquer análise por parte da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), e coloca o Brasil na contramão das melhores práticas globais em saúde.”
O texto ainda diz que a avaliação da ANS é “rigorosamente a mesma que é feita em todos os sistemas de saúde mais avançados do mundo. Essa análise é condição fundamental para a incorporação porque visa comprovar se o medicamento apresentado pela indústria farmacêutica é terapeuticamente superior ao que já está disponível para o paciente e se seus custos justificam a cobertura”.
A federação também critica a cobertura automática dos novos remédios oncológicos de administração endovenosa, entende que a “PL e os seus defensores tentam transformar essa exceção em má regra” e diz que a prática é “contrária a todas as melhores práticas de saúde do mundo”.
Por fim, a FenaSaúde argumenta que a mudança recente nas normas da ANS acaba com a morosidade na análise de novas tecnologias. “Agora a análise dos novos medicamentos é contínua, acelerada e constante, com critérios muito bem definidos e ampla participação de todos os interessados. Ou seja, o principal objetivo do PL 6.330/2019, a maior rapidez na incorporação, já foi resolvido por outros meios”, pontua.
“A incorporação automática de medicamentos, em particular, oncológicos orais, só interessa aos laboratórios que os comercializam. Se o PL for aprovado, o Brasil se tornará o paraíso da indústria farmacêutica mundial, que conseguirá vender aqui, sem qualquer restrição, produtos rejeitados lá fora”, conclui.
Quem paga a conta?
Embora defendam a importância do PL, os especialistas também se mostram preocupados com os custos desses novos medicamentos — afinal, alguns lançamentos farmacêuticos da área de oncologia chegam a custar dezenas ou até centenas de milhares de reais por mês.
Se todo e qualquer novo fármaco for aprovado sem uma avaliação prévia e precisar ser custeado pelos convênios, será que as empresas terão condições financeiras de pagar a conta?
“O ideal é que o Brasil possuísse uma avaliação de tecnologias em saúde que tivesse critérios bem definidos e fosse mais rápida”, diz Mathias.
“O que temos hoje é um tempo muito prolongado entre a aprovação da Anvisa e a avaliação para entrada no rol da ANS”, completa a oncologista.
Essa avaliação de tecnologia em saúde, conhecida na área pela sigla ATS, leva em conta diversos aspectos e busca determinar, entre outras coisas, a custo-efetividade de um novo tratamento. Num cenário de recursos finitos, isso ajuda a guiar as melhores escolhas e garantir o acesso a remédios que realmente tragam algum benefício para os pacientes.
“Não há dúvidas que precisamos discutir a efetividade e o custo dos medicamentos. Mas, enquanto isso não acontece na prática, quem paga o pato é o paciente, que muitas vezes tem o acesso negado aos tratamentos que seriam benéficos a ele”, esclarece Holtz.
“É muito difícil para o paciente saber, por um lado, que há um remédio que poderia dar a ele mais 9 meses de vida e, por outro, o plano de saúde, que ele pagou a vida inteira, dizer não para essa terapia”, reforça.
Na avaliação dos especialistas, portanto, a aprovação do PL serviria como um paliativo para amparar os pacientes no atual contexto, mas não resolve todos os problemas.
Os próximos passos
Embora o veto ao PL da químio oral tenha sido uma surpresa, os parlamentares e diversas entidades da sociedade civil se organizaram rapidamente para buscar uma solução.
O Instituto Vencer o Câncer, por exemplo, lançou um abaixo-assinado online para pressionar o Congresso Nacional que já conta com mais de 183 mil apoiadores.
A SBOC, por sua vez, fez uma série de reuniões com deputados e senadores para defender a derrubada do veto.
Para que o veto presidencial seja rejeitado pelos congressistas e o PL efetivamente se transforme numa lei, é preciso que ocorra uma sessão conjunta entre Senado e Câmara dos Deputados para uma nova votação.
Nessa reunião, é necessário conseguir maioria absoluta nas duas casas legislativas, com o apoio de 41 senadores e 257 deputados, para que o veto caia.
E tudo indica que a sessão conjunta deve acontecer nas próximas duas ou três semanas, de acordo com informações colhidas pelo Instituto Vencer o Câncer e pelo próprio Senador Reguffe.
“O presidente do Senado Federal [Rodrigo Pacheco (PSD-MG)] me disse que colocará a derrubada do veto em votação na próxima sessão do Congresso Nacional”, informa Reguffe.
“Tenho conversado individualmente com os parlamentares, no sentido de convencê-los da importância do projeto. A nossa esperança é que vamos conseguir [derrubar o veto]”, completa o senador.
Procurada pela BBC News Brasil, a assessoria de imprensa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não confirmou oficialmente nenhuma data para a votação da derrubada do veto.
E no sistema público?
Por fim, vale destacar que toda a discussão da PL da químio oral se limita aos serviços privados de saúde. Na rede pública, o problema de acesso a novos tratamentos do câncer é ainda mais difícil, apontam os especialistas.
“Não entra praticamente nada de novo no Sistema Único de Saúde (SUS)”, protesta Holtz.
Ainda dentro de pautas e projetos sobre oncologia, Bolsonaro vetou parcialmente na segunda-feira (22/11) outro PL (1.605/2019), que instituía o “Estatuto da Pessoa com Câncer”. O texto tentava tornar obrigatório o atendimento integral à saúde de indivíduos com a doença pelo SUS.
O presidente vetou justamente o trecho que visava garantir “o acesso de todos os pacientes a medicamentos mais efetivos contra o câncer”.
Como argumento para a decisão, o governo disse que “os recursos são finitos e não devem ser direcionados apenas para uma única estratégia terapêutica na busca por maior efetividade do tratamento, a qual será medida pela qualidade, pelos danos associados, pelo balanço entre riscos e benefícios de cada tratamento, pela razão de custo-efetividade incremental, entre outros”.
“Assim, observa-se na propositura existência de elevado risco de comprometimento da sustentabilidade do sistema de saúde”, finaliza o texto, publicado no Diário Oficial.
Assim como pode acontecer com a PL da químio oral nas próximas semanas, os deputados também poderão votar para derrubar esse veto.
Na saúde pública, a chegada de terapias mais modernas segue por outro caminho: após a aprovação do tratamento pela Anvisa, ele precisa ser submetido à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, conhecida pela sigla Conitec.
“Ali, a via de avaliação é muito rigorosa, até porque o orçamento é apertado. Mas nós estamos trabalhando de forma independente para melhorar o acesso no SUS também”, informa Maluf.
Fonte: BBC News