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quinta-feira, novembro 21, 2024

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Dor abdominal crônica e desenvolvimento de distúrbios alimentares

É sabido que pacientes com distúrbios alimentares apresentam, com muita frequência, queixas abdominais, como dor abdominal, constipação e distensão abdominal. Também é conhecido o fato de que a dor abdominal recorrente é uma das queixas abdominais mais frequentes na faixa etária pediátrica.

A dor abdominal recorrente apresenta a nomenclatura de dor abdominal funcional nos critérios de Roma IV, e é definida por dor abdominal que ocorre quatro ou mais vezes no mês, por pelo menos 2 meses, de uma maneira episódica ou contínua, e que não pode ser justificada por processo inflamatório, anatômico, metabólico ou neoplásico.

Pode ser subclassificada como síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional, enxaqueca abdominal e dor funcional abdominal sem outra especificação. Todos esses quadros apresentam a mesma etiologia, e supõe-se que se devam a distúrbios na interação do trato gastrointestinal com o sistema nervoso central. Exemplo dessa relação disfuncional é aquela existente entre enxaquecas e a enxaqueca abdominal.

A hipersensibilidade visceral, ou seja, sensibilidade aumentada a padrões intestinais normais, é considerada uma causa de dor abdominal funcional. Indivíduos que apresentam dor abdominal possivelmente possuem maior risco de anorexia nervosa, principalmente pelo desenvolvimento de comportamentos que evitam alimentos que causem dor, mesmo que a dor seja causada por movimentos intestinais normais. Os indivíduos aprendem respostas protetoras contra sua dor.

A dor abdominal funcional também está associada a ansiedade generalizada. Assim, a criança pode apresentar uma resposta de medo exagerado a sensações normais do trato gastrointestinal, evitando alimentos que se associam com a dor, e tornando a criança extremamente preocupada e ansiosa em relação a suas escolhas alimentares. Esse modelo pode predizer que as crianças com dor abdominal recorrente são mais propensas a evitar alimentos através do jejum, utilizando esse comportamento também com o objetivo de perda de peso.

Um estudo prospectivo realizado por pesquisadores ingleses trabalha exatamente com esse modelo, de forma a verificar se crianças com dor abdominal recorrente apresentam maior risco de desenvolvimento de transtornos alimentares na adolescência.

Os dados foram de uma coorte populacional retirada do estudo Avon Longitudinal Study of Parents and Children, A hipótese é de que a dor abdominal recorrente e persistente na infância (presente em dois momentos — aos 7 e 9 anos) se associa ao aumento do risco de utilização de jejum como forma de controle de peso na adolescência.

Foram incluídas 3.001 crianças, com dados coletados nas idades de 7, 9 e 16 anos. A variável de exposição foi a presença de dor abdominal recorrente (mais que 3 ou 5 episódios no último ano). O desfecho foi a presença de comportamento de restrição alimentar no último ano (evitar comer por pelo menos 1 dia para redução de peso).

Os dados foram ajustados por gênero, status socioeconômico, nível de educação materna, ansiedade e depressão materna. Além disso, as crianças com diagnóstico de ansiedade (avaliada pela DAWBA – Development and Wellbeing Assessment) também foram excluídas da amostra, uma vez que a ansiedade pode se relacionar tanto com a presença de dor abdominal recorrente quanto com a presença de transtornos alimentares.

Resultados

Um total de 571 crianças (19%) foram classificadas como tendo dor abdominal persistente com mais de 3 episódios, e 186 (6,2%) com mais de 5 episódios, aos 7 e 9 anos. Quando avaliados na adolescência, 380 adolescentes (12,7%) reportaram ter tido o comportamento de jejum por pelo menos por 1 dia no último ano.

Com relação ao comportamento de jejum na adolescência, 35 participantes (18,8%) com mais de 5 episódios de dor abdominal reportaram tal comportamento. Quando avaliadas as crianças com mais de 3 episódios de dor abdominal, o comportamento de jejum na adolescência foi relatado por 273 crianças (11,2%).

Quando avaliada a associação entre os episódios de dor abdominal persistente na infância e a presença de comportamento de jejum na adolescência, os autores encontraram uma associação entre essas variáveis apenas quando analisado o modelo com 3 ou mais episódios de dor, mesmo quando ajustados os fatores de confundimento. De forma interessante, essa associação não persistiu quando o modelo incluiu pacientes com 5 ou mais episódios de dor.

Os autores levantaram a hipótese para explicar essa diferença através da relevância da frequência da dor abdominal frente a outras variáveis. Talvez a frequência da dor não seja tão importante na explicação desse fenômeno quanto outros fatores, como a gravidade da dor, o estresse gerado e a incapacidade funcional da criança frente à dor.

Essas variáveis possivelmente estão mais associadas ao comportamento de evitar alimentos como maneira de lidar com a dor. Assim, o modelo que inclui crianças com 3 ou mais episódios de dor abdominal incluiu mais crianças com incapacidade funcional frente à dor, comparado com o modelo que incluiu crianças com 5 ou mais episódios de dor.

Outra hipótese levantada para a diferença entre os modelos é o viés de resposta não extrema, que ocorre quando os participantes tendem a não selecionar os extremos de uma escala, preferindo os valores centrais. Assim, quando questionados a respeito da frequência dos episódios de dor abdominal de seus filhos, muitos pais optaram por não incluir o extremo de 5 ou mais episódios de dor, o que prejudicou a coleta de dados para esse modelo.

Implicações clínicas

A partir dos resultados do estudo, podemos considerar que exista uma correlação entre dor abdominal recorrente e persistente na infância e desenvolvimento de distúrbios alimentares na adolescência, principalmente os relacionados a comportamentos de jejum.

Dessa forma, os pediatras que acompanham crianças com esse tipo de manifestação devem estar atentos para o desenvolvimento de distúrbios alimentares nessa população e rastreios específicos devem ser desenvolvidos. Além disso, a avaliação dos quadros de dor abdominal em pacientes com distúrbios alimentares não deve ser subestimada.

Os autores ainda sugerem que intervenções cognitivas-comportamentais voltadas para o grau de ansiedade e medo relacionadas às sensações viscerais podem ser uma maneira efetiva para auxiliar no tratamento desses pacientes. Ajudar os pacientes na compreensão e na aceitação da fisiopatologia dos seus quadros pode colaborar com o manejo desses pacientes de forma considerável.

 

 

Fonte: Portal PEBMED

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