Algumas das enfermidades mais frequentes na população negra são a anemia falciforme, o diabetes mellitus tipo II, a hipertensão arterial e a deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase, segundo a 3a edição da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN).
Outras doenças, como o glaucoma e o câncer de próstata, também são mais frequentes entre negros e pardos.
Anemia falciforme
No Brasil, a incidência de anemia falciforme varia entre 2% a 6%. Especificamente na população negra, essa incidência chega a 6% a 10%. A doença se caracteriza por uma alteração nos glóbulos vermelhos, que perdem a elasticidade e a forma arredondada, adquirindo o aspecto de uma foice. Essa diferença dificulta a passagem do sangue pelos vasos de pequeno calibre, causando fenômenos vaso oclusivos.
Uma das suas características é a sua variabilidade clínica: enquanto alguns pacientes têm um quadro grave, com complicações e frequentes hospitalizações, outros apresentam uma evolução mais benigna.
Três características geneticamente determinadas devem ser observadas para avaliar o grau de gravidade clínica: os níveis de hemoglobina fetal (HbF), a concomitância de alfa-talassemia e os haplótipos associados ao gene da HbS.
A única forma de cura é por transplante de medula óssea, método restrito a casos graves e refratários ao tratamento, em função do risco de complicações. Felizmente, a anemia falciforme pode ser identificada logo ao nascer, através do teste do pezinho, o que facilita o acompanhamento médico desde cedo e o diagnóstico precoce.
Câncer de próstata
Ainda não sabemos o motivo, mas homens negros apresentam risco de desenvolver câncer de próstata duas a três vezes maior que o restante da população masculina. Esse dado foi obtido a partir de uma campanha para prevenção da doença realizada em 1998 no Hospital das Clínicas, em São Paulo, que atendeu três mil homens.
Além disso, a ocorrência desse tipo de câncer em pacientes negros costuma se manifestar mais precocemente do que em caucasianos. Por esse motivo, a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) recomenda que homens negros recebam avaliação por um urologista a partir dos 40 anos, diferentemente da recomendação geral, de 50 anos.
Médico e paciente devem discutir os riscos e benefícios das diferentes formas de screening dessa neoplasia.
Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase
A deficiência de G6PD afeta mais de 200 milhões de pessoas no mundo, mas apenas uma parcela delas têm manifestações clínicas. É o defeito enzimático mais comum da espécie humana, sendo encontrado com maior frequência entre a população negra.
Trata-se de um defeito enzimático das hemácias cujo espectro de apresentação varia desde episódios de hemólise aguda, anemia hemolítica crônica, até pacientes assintomáticos. Os episódios de hemólise são desencadeados por doença aguda, ou uso de algumas medicações associadas a aumento do estresse oxidativo.
Sua prevalência em negros norte-americanos é de 12-15%, e entre italianos de 1,3-2,0% (especialmente na região da Sardenha). Como consequência desta distribuição, a doença ocorre no Brasil mais comumente nos descendentes de mediterrâneos (especialmente italianos), além de negros e pardos. No sul e sudeste do país, a deficiência afeta cerca de 2% dos homens brancos e 10% dos homens pretos e pardos.
O portador deve informar seu médico sempre que iniciar uma nova medicação. Os médicos, por sua vez, devem estar em alerta sobre essa associação e procurar excluir essa deficiência em pacientes que apresentem quadro de hemólise sem explicação aparente.
Diabetes
Há indícios de que a prevalência de diabetes na população negra está aumentando mais do que na população branca, em níveis mundiais. Essa incidência triplicou na população negra e duplicou na população branca, nos últimos 30 anos.
Glaucoma
O glaucoma é considerado a principal causa de cegueira irreversível no mundo. A doença pode ser assintomática em fases iniciais. Assim, as vezes só é diagnosticado quando ocorre algum grau de perda da visão periférica.
“O diagnóstico precoce facilita o tratamento. Por isso a importância de consultar um oftalmologista anualmente (ou de forma trimestral, no caso de histórico familiar) a partir dos 40 anos de idade, para realização de fundo de olho e avaliação da pressão ocular”, ressaltou a oftalmologista e retinóloga Lillian Abreu, coordenadora do setor de retina e vítreo da Eye Care Hospital de Olhos, em São Paulo.
Hipertensão arterial
Os negros desenvolvem hipertensão arterial em idade mais precoce e possuem maior incidência de formas graves.
“Algumas classes medicamentosas apresentam eficácia melhor nessa população devido a uma mutação genética que causa tolerância a alguns anti-hipertensivos comumente usados”, pontuou a cardiologista Nicole Queiroz, professora e chefe da residência de clínica médica da Universidade de Santo Amaro, em São Paulo.
Dificuldades na identificação de sinais dermatológicos
Os médicos devem lembrar que existem diferenças étnicas que podem ajudar ou atrapalhar no diagnóstico de doenças dermatológicas.
“Os livros de medicina, geralmente, vêm com traduções do inglês, basicamente com um biótipo caucasiano. Comumente temos essa deficiência na documentação da pele negra dentro da dermatologia”, ressaltou a oftalmologista e retinóloga Lillian Abreu.
O dermatologista e alergologista Énio Zyman destacou a importância da identificação dessas características étnicas no momento da anamnese.
“A pele negra tem algumas peculiaridades, como uma maior resistência a queimaduras solares, porém ela mancha com facilidade. Ela possui uma resistência maior ao câncer de pele, mas não podemos negligenciar seu screening.
Por isso, é muito importante que as aulas sejam ministradas em ambientes com grande fluxo de pacientes para que os estudantes de medicina tenham a oportunidade de conhecer todos os tipos de pacientes e de pele”, disse o especialista em entrevista ao Portal de Notícias da PEBMED.
Estudante de medicina cria guia com sinais clínicos dermatológicos na pele negra
Malone Mukwende, um aluno de medicina negro do segundo ano na St George’s, University of London, na Inglaterra, desenvolveu um guia para ajudar outros estudantes de medicina a reconhecer enfermidades em peles escuras.
Ele teve essa ideia ao perceber que estava aprendendo apenas sobre sinais e sintomas na pele branca, e espera que o guia contribua para que futuros médicos possam identificar e diagnosticar doenças em indivíduos asiáticos ou de minorias étnicas na Inglaterra. Quase 200 mil pessoas do país assinaram uma petição solicitando que as faculdades de medicina contemplem esse tema.
O guia Mind the Gap contém imagens demonstrando como os sinais e doenças podem se apresentar nas peles clara e escura.
Fonte: Portal PEBMED