Evidências crescentes apontam que o conjunto de microrganismos do trato intestinal pode influenciar no desenvolvimento de distúrbios neurodegenerativos
Getty ImagesA análise foi conduzida por pesquisadores ligados ao Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), que integra o complexo do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas. Parte dos resultados foi publicada em fevereiro, no periódico iScience. O segundo artigo foi divulgado este mês na revista Scientific Reports. A pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Estudos têm mostrado que o diagnóstico da doença de Parkinson ocorre tardiamente. E que o distúrbio pode se originar muito mais cedo no sistema nervoso entérico [que controla a motilidade gastrointestinal], antes de avançar para o cérebro por meio das fibras autonômicas”, afirmou o coordenador da pesquisa, Matheus de Castro Fonseca.
Trabalhos recentes relataram consistentemente a existência de disbiose intestinal em portadores de Parkinson esporádico (casos em que não há um fator genético envolvido), reportando uma maior abundância da espécie bacteriana Akkermansia muciniphila em amostras fecais desses pacientes, quando comparados ao grupo controle.
“Foi recentemente descrito que células específicas do epitélio intestinal, chamadas de células enteroendócrinas, possuem muitas propriedades semelhantes às dos neurônios, incluindo a expressão da proteína α-sinucleína [αSyn], cuja agregação está sabidamente relacionada com a doença de Parkinson e com outras doenças neurodegenerativas”, afirma Fonseca, que atualmente realiza uma pesquisa de pós-doutorado sobre o tema no California Institute of Technology (Caltech), nos Estados Unidos.
O especialista explica que, por estarem em contato direto com o lúmen intestinal – o espaço interior dos intestinos – e se conectarem por sinapse com os neurônios entéricos, as células enteroendócrinas formam um circuito neural entre o trato gastrointestinal e o sistema nervoso entérico, sendo assim um possível ator-chave no surgimento da doença de Parkinson.
Com esses conhecimentos em mente, o grupo do CNPEM buscou entender se os produtos secretados pela bactéria Akkermansia muciniphila poderiam iniciar a agregação da α-sinucleína nas células enteroendócrinas. E se a αSyn agregada nessas células poderia, então, migrar para terminações nervosas periféricas do sistema nervoso entérico.
“Constatamos que as proteínas secretadas pela bactéria, quando cultivadas na ausência de muco intestinal, induzem uma sobrecarga na sinalização intracelular de cálcio das células enteroendócrinas. Isso gera estresse nas mitocôndrias dessas células [as organelas responsáveis pela produção de energia]; síntese e liberação de espécies reativas de oxigênio [que em excesso danificam as estruturas intracelulares]; e, então, agregação da proteína αSyn”, conta Fonseca.
“Além disso, quando cultivamos juntos as células enteroendócrinas e os neurônios, vimos que a proteína αSyn agregada pode ser transferida de um tipo celular para outro”, acrescenta.
A descoberta mostra que a disbiose intestinal pode levar ao aumento de espécies de bactérias que, eventualmente, contribuem para a agregação da αSyn nos intestinos. E que essa proteína pode então migrar para o sistema nervoso central, configurando um possível mecanismo de surgimento da doença de Parkinson esporádica.
“A cascata de reações pode começar nos intestinos e subir para o cérebro. Pessoas com predisposição à doença Parkinson esporádica geralmente apresentam, muitos anos antes, quadros recorrentes de constipação intestinal. Em nosso estudo com modelos animais, verificamos uma correlação direta entre disbiose intestinal e Parkinson”, comenta Fonseca.
Novas estratégias de prevenção
Os estudos sobre os microbiomas presentes no organismo humano avançam rapidamente. Os achados apontam para uma crescente compreensão da correlação entre o desequilíbrio da microbiota intestinal e as doenças neurodegenerativas – não apenas Parkinson, como também Alzheimer e até mesmo autismo.
Revisões alimentares, com vista a reequilibrar a microbiota intestinal, e transplante não invasivo de microbiota intestinal, por meio de cápsulas, podem ser recursos para prevenir essas doenças.
“As doenças neurodegenerativas ainda não têm cura. Por isso, a prevenção é fundamental. Antes o foco das pesquisas era o cérebro. E, com décadas de estudos, não se avançou muito nesse sentido. Agora estamos redirecionando o foco, do cérebro para os intestinos. E as novas descobertas parecem muito promissoras. É muito mais fácil modular a microbiota intestinal do que enfrentar um quadro estabelecido e consolidado no sistema nervoso central”, afirma Fonseca.
Além do financiamento da Fapesp, o estudo também contou com o uso das instalações e equipamentos do Instituto Nacional de Fotônica Aplicada à Biologia Celular, sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e patrocinado pela fundação e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Fonte: CNN Brasil