Facilidade de armazenamento, transporte e administração estão entre as principais vantagens dos imunizantes que estão em desenvolvimento, segundo especialistas
No enfrentamento à pandemia de Covid-19, as vacinas são o principal recurso para frear o número de novos casos e mortes. Além das mais comuns, aplicadas com o uso de injeção no braço (intramusculares), cientistas de diversos países têm buscado alternativas de imunização com o uso da tecnologia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem pelo menos sete candidatas na forma de spray nasal e outras três de administração oral em desenvolvimento.
Os especialistas consultados pela CNN apontam que as tecnologias são promissoras. Entre as principais vantagens estão a maior facilidade de armazenamento, transporte e administração na população. Entenda o processo de desenvolvimento e como esses imunizantes poderão contribuir para o combate à Covid-19.
Como funcionam as vacinas nasais
O sistema imunológico das mucosas, tecidos que revestem as cavidades do organismo, é a primeira linha de defesa do corpo humano contra patógenos ou microrganismos nocivos, como vírus e bactérias. No caso do SARS-CoV-2, um vírus de transmissão respiratória, a nasofaringe é o principal ponto de entrada no organismo. Por isso, o reforço da imunidade na cavidade nasal é considerado uma das estratégias para o desenvolvimento das vacinas.
Os imunizantes mais comuns, de injeção intramuscular, podem ser desenvolvidos a partir de diferentes tecnologias, como vírus inativado ou atenuado, proteínas do vírus ou material genético do SARS-CoV-2.
O objetivo é o mesmo: induzir o sistema imunológico a produzir anticorpos neutralizantes contra o vírus que ajudam a prevenir a doença, especialmente nas formas graves, e a reduzir as chances de internação e morte. No entanto, as vacinas não previnem a infecção pelo novo coronavírus.
No caso dos imunizantes intranasais, a aposta dos cientistas é que a geração de uma resposta imune eficaz nas mucosas poderá prevenir a infecção e reduzir de forma mais eficiente a transmissão da doença.
Segundo o pesquisador Jorge Kalil Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), uma das principais vantagens desse tipo de vacina é a indução de uma imunidade local e sistêmica, ou seja, em todo o organismo.
“Uma vacina nasal vai fazer com que haja uma resposta muito forte na mucosa do nariz e impedir que haja a infecção. Além disso, ela também induz uma resposta para todo o corpo, ou seja, anticorpos que circulam em todo o organismo”, explica.
Aposta na imunidade por anticorpos presentes nas mucosas
Para o desenvolvimento das vacinas intranasais, os especialistas utilizam como parâmetro a indução de um tipo de anticorpo chamado IgA, encontrado em grande quantidade na região das mucosas do nariz. Os anticorpos IgA fazem parte da primeira linha de defesa do organismo, sendo responsáveis por diferentes funções, incluindo neutralizar as substâncias produzidas pelos diversos tipos de microrganismos invasores.
O diretor de ensino e pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, Luiz Reis, explica que o objetivo central das vacinas é preparar o organismo para respostas mais rápidas e precisas diante da exposição a um agente infeccioso, de modo a controlar a doença. Segundo ele, os imunizantes nasais podem acelerar esse processo ao simular com mais precisão a forma como acontece a infecção pelo novo coronavírus.
Em um estudo publicado na revista Science, pesquisadores avaliaram as respostas imunológicas de 159 pacientes com Covid-19. A análise mostrou que, no estágio inicial da infecção, houve um predomínio dos anticorpos IgA.
Eles atingiram o pico três semanas após o início dos sintomas e mostraram uma maior capacidade de neutralização do vírus em relação aos anticorpos do tipo IgG, que atuam de forma conjunta com os anticorpos IgM na proteção imediata e a longo prazo contra a Covid-19 e diversas infecções.
Os resultados sugerem que a imunidade produzida pela mucosa, mediada pelos anticorpos IgA, pode reduzir a infectividade do vírus na saliva e secreções pulmonares, diminuindo a transmissão.
Tecnologia 100% nacional
Quando o SARS-CoV-2 invade as células humanas, o organismo gera algumas respostas. Entre elas, a produção de anticorpos neutralizantes específicos contra o vírus e a resposta celular, que é a ativação de células de defesa, como glóbulos brancos e outros linfócitos que reconhecem e destroem as células infectadas, reduzindo a replicação viral.
Para defender o organismo, os anticorpos atuam sobre estruturas específicas do agente invasor. A criação de uma vacina começa pela busca de alvos nessa estrutura do vírus que poderão induzir respostas mais eficientes pelo sistema imunológico.
Uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) poderá levar à criação da primeira vacina nasal contra a Covid-19 inteiramente brasileira. O projeto teve início em março de 2020 e ainda está em desenvolvimento.
O ponto de partida da pesquisa foi a busca por um antígeno para a vacina, ou seja, uma proteína ou molécula capaz de induzir a produção de anticorpos específicos. Para encontrá-lo, os pesquisadores investigaram a resposta imune de 210 pacientes recuperados da Covid-19. O estudo foi realizado a partir da análise de amostras sanguíneas.
Segundo o coordenador da pesquisa, Jorge Kalil Filho, diretor do Laboratório de Imunologia do Incor, a composição do antígeno tem sido testada com várias formulações para a criação do spray nasal.
Os próximos passos da pesquisa incluem definir o antígeno e operacionalizar a produção em larga escala. Segundo Kalil, a partir disso, será possível concluir os testes de segurança da vacina, ainda na etapa com animais, e avançar para a fase de ensaios clínicos. A previsão é de que os testes com a participação de voluntários comecem no segundo semestre de 2021.
Kalil explica que a vacina apresenta vantagens, como a produção simplificada e totalmente nacional, e a adaptabilidade às diferentes variantes em circulação. “Esperamos ter a aprovação final da Anvisa no segundo semestre de 2022. A vacina vai ser descoberta, desenvolvida e produzida no Brasil. É muito importante esse financiamento da pesquisa para que os estudos possam ser desenvolvidos no país”, ressaltou.
Outras vacinas em teste no mundo
O painel de vacinas da OMS aponta que pelo menos sete vacinas intranasais já estão na etapa de desenvolvimento dos ensaios clínicos, que contam com a participação de voluntários (veja quadro).
Um dos imunizantes em desenvolvimento nos Estados Unidos é produzido pela farmacêutica Altimmune. Até o momento, segundo a empresa, a vacina AdCOVID mostrou respostas relevantes nos estudos realizados com animais, sendo capaz de provocar a ativação de três pontos do sistema imunológico: anticorpos neutralizantes, imunidade por linfócitos (células T) e imunidade da mucosa.
O imunizante poderá ser armazenado em refrigeradores comuns, além de resistir à temperatura ambiente por meses, o que favorece a logística de distribuição.
Em Cuba, a vacina intranasal Mambisa também obteve resultados positivos nos estudos desenvolvidos pelo Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB). O ensaio clínico, realizado no Centro Nacional de Toxicologia de Havana, incluiu 88 voluntários, distribuídos em quatro grupos de estudo, que receberam três doses da vacina.
O imunizante tem como base um dos antígenos da vacina Heberbiovac HB, contra a hepatite B, também desenvolvida pelo centro de pesquisas de Cuba. Em março, o Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia recomendou o uso em pacientes convalescentes da Covid-19 e como dose de reforço de outras vacinas, cubanas e estrangeiras.
Já a Universidade de Oxford realiza ensaio clínico com voluntários para investigar o nível de resposta do sistema imunológico gerado pela vacina ChAdOx1 nCoV-19, além de monitorar a segurança e as possíveis reações adversas. A estimativa é que os 54 voluntários serão acompanhados por quatro meses e que os resultados sejam divulgados em fevereiro de 2022.
Vacinas de administração oral
Segundo o médico do Hospital Sírio-Libanês, Luiz Reis, as vacinas de administração oral têm como princípio a indução da resposta imune de forma semelhante às vacinas intranasais. De acordo com a OMS, três vacinas orais estão em desenvolvimento no mundo.
Os testes clínicos do imunizante da empresa de biotecnologia Symvivo Corporation, do Canadá, começaram em novembro de 2020. A previsão é que os resultados sejam divulgados em fevereiro de 2022.
Já os testes do imunizante oral da empresa Vaxform, dos Estados Unidos, tiveram início neste mês. A vacina utiliza fragmentos de proteína do SARS-CoV-2 com o objetivo de produzir a resposta imune. Ao longo do estudo, que tem prazo de um ano, os voluntários vão receber diferentes dosagens da vacina e serão acompanhados ao longo das semanas. A previsão é que os resultados sejam apresentados em setembro de 2022.
Outra vacina norte-americana em desenvolvimento, da empresa Vaxart, é testada na forma de comprimido. A pílula utiliza a tecnologia de vetor viral não replicante, um adenovírus tipo 5, que distribui informações para as células das mucosas. Uma delas é o material genético específico do novo coronavírus, a outra é um componente que ativa o sistema imunológico inato, promovendo a imunidade. Os primeiros resultados devem ser divulgados em outubro deste ano.
Fonte: CNN Brasil