Enquanto as informações sobre a genitália masculina são abundantes, o clitóris entrou e saiu da literatura médica ao longo da história.
Os pesquisadores Masters e Johnson perceberam que sua estrutura rodeia a vagina nos anos 1970. Mas só em 2005 ele ressurgiu com força por causa da urologista australiana Helen O’Connell, que descreveu a anatomia completa desse órgão, bem como sua relação com estruturas adjacentes como a uretra, a vagina e glândulas vestibulares (responsáveis pela lubrificação).
Na ausência de material de estudo adequado sobre o clitóris, O’Donnell começou a investigá-lo minuciosamente: dissecando cadáveres, com ressonância magnética de mulheres vivas e estudos citológicos de tecidos.
Seu estudo mostra que o que é visível é apenas uma parte minúscula do clitóris: cerca de 90% da estrutura deste órgão feminino está dentro do corpo.
Estrutura
“O que vemos, que é o que sempre se acreditou que o clitóris seja, é na verdade a ponta do iceberg”, explica à BBC Mundo a psicóloga e sexóloga basca Laura Morán.
“A parte que fica para fora é a glande do clitóris (localizada onde os pequenos lábios, ‘escondida’ sob um capuz) e o resto é um órgão interno”, acrescenta.
Fora do campo visual, o clitóris se estende sob a pele. Seu ‘corpo’ tem forma cilíndrica composta por dois corpos cavernosos unidos que se estendem em direção à cavidade púbica.
Em sua extremidade estão as raízes – finas faixas de tecido erétil – que correm ao longo dos ossos pubianos e envolvem a uretra e a vagina.
Ao lado de cada uma das raízes está outra região de tecido erétil conhecida como bulbos do clitóris, que ficam atrás das paredes vaginais.
“A parede vaginal é, na verdade, o clitóris”, disse O’Connell à BBC em 2006.
Semelhanças e diferenças
Devido às semelhanças entre os dois órgãos, a comparação do clitóris com o pênis é muito útil para entender sua forma.
Os dois são chamados órgãos homólogos: têm a mesma origem embrionárias e são semelhantes na sua estrutura interna, embora tenham funções diferentes.
De uma ponta à outra, o órgão feminino tem um tamanho médio de cerca de 10 centímetros e, como o pênis, o tecido que o compõe é esponjoso e erétil. Ou seja, quando a mulher se excita, ele incha e cresce com o fluxo de sangue.
“Alguns se referem ao clitóris como um pênis interno, mas outros dirão que o pênis é apenas um clitóris externo. É assim que gosto de explicar para mim mesma”, diz Laurie Mintz, psicóloga e terapeuta sexual.
Outra coisa que os diferencia é que o pênis tem uma dupla função: faz parte do processo de reprodução sexual e do aparelho urinário.
O clitóris, por outro lado, tem apenas um: é um órgão cuja função é proporcionar prazer.
O clitóris tem cerca de 8 mil terminações nervosas. Já o órgão masculino tem entre 4 mil e 6 mil.
Ambos são a área do corpo mais densamente povoada por terminações nervosas, explica Mintz.
“Imagine todos os nervos da ponta do pênis, mas em uma superfície do tamanho de uma borracha de lápis”, diz ela sobre o órgão feminino.
Mesma origem
A razão de o clitóris e o pênis terem tantas semelhanças é que eles são formados a partir dos mesmos tecidos embrionários durante o desenvolvimento do feto no útero da mãe.
Eles só começam a ficar diferentes a partir da sexta ou sétima semana, quando os embriões começam a expressar seus cromossomos sexuais.
A partir daí, a liberação de testosterona em embriões com cromossomos sexuais XY levará à formação de órgãos sexuais masculinos, enquanto a falta desse hormônio sexual em embriões XX levará à formação de órgãos sexuais femininos.
Em um caso, eles crescerão para fora e, no outro, para dentro.
Em casos onde a composição dos cromossomos sexuais difere desse binômio (não é nem XY e nem XX), o desenvolvimento dos órgãos sexuais pode ser atípico.
Desconhecimento
A ignorância sobre a anatomia e a função do clitóris – que tanto Morán quanto Mintz atribuem em parte ao machismo e à desvalorização do prazer sexual feminino – tem um impacto direto na prática médica, mas também afeta profundamente a vida sexual das mulheres.
“Priva-as mulheres de prazer”, afirma Morán. “No pornô tradicional ou nos filmes românticos, você não vê estimulação do clitóris.”
“Sempre há penetração, e a penetração por si só não é a técnica que melhor estimula o clitóris. Não é um facilitador do orgasmo.”
Além disso, comenta Morán, “muitas mulheres que descobriram por meio da autoexploração que é a estimulação do clitóris que lhes proporciona prazer e orgasmos, acham que têm um problema.”
“Algumas mulheres dizem que sim, que têm orgasmos, ‘mas só’ se estimularem o clitóris com a mão, como se isso fosse um problema.”
O poder das palavras
Mintz concorda que essa lacuna no prazer está ligada à falta de conhecimento das mulheres sobre sua própria anatomia e dos homens sobre a anatomia feminina.
“Infelizmente, muitas mulheres ainda hoje nem sabem o potencial da parte do clitóris que podem ver e tocar”, explica.
Mas a sexóloga também considera que “a linguagem que usamos em nossa cultura reflete e perpetua” essa situação.
“Chamamos tudo o que acontece antes da penetração na relação sexual de “preliminares”, como se fossem algo secundário de um evento principal”, afirma Mintz. “Sendo que é essa estimulação que em geral têm maior probabilidade de levar a maioria das mulheres ao orgasmo.”
Mudar esse cenário exige educação sexual, diz a autora.
É necessário “ensinar as pessoas sobre prazer sexual e consentimento”, afirma, citando a Holanda. “Graças à educação sexual, o país tem menos agressões sexuais e uma menor diferença da quantidade e qualidade dos orgasmos femininos e masculinos”.
Fonte: BBC News