Enquanto milhares de pessoas tentam perder peso por questões de saúde ou estéticas, há também aqueles que, por mais que se esforcem, continuam sem conseguir ganhar massa.
As razões de não engordar vão desde características genéticas, como uma alta taxa metabólica basal (a quantidade de energia que seu corpo gasta simplesmente para ficar vivo) herdada da família, até por uso de medicamentos específicos ou doenças como hipertireoidismo, diabetes e quadros psiquiátricos, como depressão ou ansiedade crônica.
Para a médica recém-formada Vivian Gomes, de 27 anos, nunca houve muita dúvida do por que ela tinha dificuldade em aumentar os quilos na balança – o biotipo foi herdado de seu pai, bastante alto e magro.
Com 1,62m de altura e pesando hoje 46 quilos, Vivian conta ainda estar tentando engordar, embora os plantões como médica generalista atrapalhem a organização da sua rotina alimentar. “É uma insatisfação que carrego comigo desde pequena. Sofri certo bullying, aquela coisa de ouvir brincadeiras que são repetitivas e acabam machucando”, lembra.
Até hoje, no ambiente médico, ela acredita que sua aparência pode prejudicá-la para ter a credibilidade profissional que merece. “Pode ser uma impressão minha por tudo que já vivi, mas escuto piadas como ‘Criança pode trabalhar?’ e pacientes que questionam minha idade por eu ser muito pequenininha.”
As tentativas de Vivian durante a infância e adolescência foram desde dietas para engordar até o uso de suplementos alimentares como hipercalóricos. “O problema é que eu não seguia nada com muito critério, então acabou não dando certo.”
O objetivo se tornou ainda mais difícil quando, há sete anos, ela foi diagnosticada com síndrome do intestino irritável, quadro que provoca dor abdominal e causa episódios de diarreia – facilitando a perda de peso.
“Minha dieta se tornou muito mais restrita e é um estresse enorme precisar pensar em cada pequena refeição durante os dias que fico de plantão. Acabo não conseguindo seguir todas as orientações do nutricionista, apesar de seguir fazendo musculação quase todos os dias para tentar aumentar a massa”, conta.
Exercícios são aliados mesmo para quem quer engordar
A escolha de Vivian em estar sempre na academia pode parecer contraintuitiva para alguém que busca engordar, mas focar em exercícios de força e resistência é uma ótima estratégia, com o complemento de cardápio balanceado, para aumentar a massa muscular – assim o ganho de peso é feito de maneira saudável.
“O aumento só do percentual de gordura pode resultar em problemas de saúde, como o aumento do risco de quadros cardiovasculares”, explica a nutricionista Clarissa Fujiwara, coordenadora de nutrição da Liga de Obesidade Infantil do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Existe dieta específica para engordar?
Não existe um cardápio rígido ou receitas mágicas que devem ser seguidas com o intuito de aumentar o peso corporal. Seja para aumentar o percentual de gordura ou o de massa magra, as orientações serão similares – principalmente o aumento da ingestão de calorias.
“O que fará diferença é a qualidade dos alimentos consumidos e a atividade física que a pessoa vai escolher”, aponta a médica nutróloga Marcella Garcez, diretora e docente do Curso Nacional de Nutrologia da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).
Mas antes de procurar qualquer cardápio, o mais importante é descartar a existência de possíveis patologias. “Uma investigação clínica pode impedir que um problema mais sério avance sem que o paciente saiba”, diz a médica.
‘Para engordar, bebia Biotônico Fontoura com ovo de pata com casca‘
Silvana Madeira, hoje com 56 anos, começou a tentar mudar seu corpo pelo caminho certo: buscou ajuda médica aos 19 para entender por que, com 1,63m, não conseguia pesar mais do que 49 quilos.
Mas, sem ter qualquer diagnóstico que justificasse o baixo peso, começou a aumentar os esforços para tentar engordar. Entre as receitas mais usadas na sua rotina alimentar, estava a de uma vitamina com Biotônico Fontoura, o medicamento fortificante criado em meados dos anos 1990, batido com ovo de pata com casca. Na época, lembra ela, a crença é que a mistura poderia ajudar quem a tomasse a engordar.
Mesmo comendo muito, o resultado não chegava. Foi quando uma amiga com estrutura similar à sua deu uma dica pouco recomendável: o uso de anabolizantes.
“Fui ao médico e, mesmo sem saber dos riscos ou conhecer a substância, saí do consultório com a receita para comprar as injeções. Engordei seis quilos de forma muito rápida”, conta Silvana, que, depois de alguns meses, voltou a emagrecer.
Além de não ser sustentável, o uso de esteroides aumenta o risco de doenças cardíacas, sobrecarregamento do fígado e diminuição de do colesterol HDL (considerado um protetor cardiovascular). Também há consequências específicas para cada sexo – mulheres podem sofrer com fatores como crescimento do clitóris e aumento da acne, enquanto homens podem se tornar mais agressivos.
Hoje, com o metabolismo mais lento pelo passar dos anos, e por ter substituído o hábito de fumar por comer mais, Silvana já ganhou mais peso. “Ainda tenho as pernas finas, mas agora perder quilos ficou bem mais difícil.”
Engordar de forma saudável é possível
Para um ganho de peso saudável e sustentável, a chave está em boas escolhas alimentares e mudanças de hábitos, como a prática de exercícios. As especialistas entrevistadas pela BBC News Brasil apontam algumas diretrizes básicas:
Coma mais calorias saudáveis
A primeira orientação é comer mais calorias do que se gasta. Isso é estimado pelo gasto metabólico basal, taxa medida por aparelhos de bioimpedância (comuns em consultórios médicos) ou pela fórmula de Hertz Benedict, que leva em consideração características como sexo, peso, altura e idade.
Uma vez que um nutricionista ou nutrólogo tem o resultado, é possível focar em um cardápio estratégico aumentando a quantidade de calorias, que não devem ser provenientes de qualquer alimento. “Um dos grandes erros é querer engordar comendo frituras, doces e outros alimentos ultraprocessados. Mesmo sendo uma pessoa com baixo peso, é possível se tornar um ‘falso magro’, com taxas de gordura alta e riscos para saúde”, diz Garcez.
A dieta deve ser tão saudável quanto a de alguém que quer emagrecer, com a diferença de que alimentos saudáveis, como frutas, verduras, oleaginosas e carnes têm um limite de ingestão consideravelmente maior.
Fracione as refeições
“Além das três refeições principais, é necessário criar o hábito de fazer lanches intermediários”, indica a nutricionista da FMUSP.
A pessoa pode estar acostumada a não comer muito e ficar saciada rapidamente, mesmo após uma refeição pequena. Por isso, os lanches ao longo do dia são uma boa estratégia para aumentar o consumo sem que ela se sinta estufada.
Uma dica, aponta Fujiwara, é apostar em alimentos com alta densidade calórica e volume menor, como frutas desidratadas, azeite de oliva (para temperar alimentos) e oleaginosas.
Respeite o tempo do seu organismo
Para que os ganhos sejam consistentes e a pessoa não volte a emagrecer rapidamente, deve haver uma mudança gradual dos hábitos, que facilite a manutenção da nova rotina.
“Assim como emagrecer muito rápido, não é ideal é o peso seja adquirido todo de uma vez. Uma estimativa saudável é um adulto aumentar de um a dois quilos por mês, em média, a depender do tamanho da pessoa”, indica a nutróloga.
Suplementação pode ajudar, mas deve ser feita com ajuda de especialistas
No dia em que a pessoa não consegue consumir as calorias programadas, tomar um suplemento hipercalórico pode ajudar. “Uma porção contém cerca de 600 calorias, a maioria proveniente de carboidratos. É o equivalente a quatro pães franceses, uma quantidade que muitos pacientes não conseguem comer”, diz Fujiwara.
Mas as especialistas alertam que a bebida deve ser tomada só se houver prescrição, para não acabar substituindo os alimentos. “É sempre melhor comer, já que assim conseguimos aporte de nutrientes e fibras que o shake não tem. Além disso, se for tomar, é melhor depois de jantar, para não tirar a fome”, alerta Garcez.
Fonte: BBC News