Longe do que muitos podem pensar nos dias de hoje, o fato de os sintomas da covid tornarem quase impossível distinguir essa doença de outras causadas por vírus respiratórios como a gripe não significa que devemos deixar de nos preocupar ou proteger os mais vulneráveis.
Especialistas alertam que as taxas de infecção continuam muito altas entre a população e que, embora as vacinas impeçam o desenvolvimento de um quadro grave de covid entre os imunizados, as pessoas mais vulneráveis, como os maiores de 65 anos ou imunossuprimidos, continuam em risco.
Como distinguir covid da gripe?
Dor de garganta, dor de cabeça, coriza, nariz entupido e tosse são alguns dos principais sintomas que podem indicar um quadro de covid-19.
Então, como saber se o que você está sofrendo é gripe ou covid? Não é possível. A única maneira de descobrir é fazendo um teste. Embora, segundo especialistas, se você está sofrendo atualmente com algum desses sintomas, é mais provável que você tenha o coronavírus.
“A covid pode ter todos os tipos de sintomas. Pode variar desde não apresentar nenhum sintoma até apresentar alguns muito semelhantes aos da gripe”, explica Salvador Peiró, médico especialista em saúde pública e pesquisador em farmacoepidemiologia da Fisabio, uma fundação de pesquisa biomédica na Espanha, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
“Neste momento, vemos mais tosse seca e menos problemas de anosmia (perda do olfato), embora também haja casos. Da mesma forma, pode causar desde muco no nariz e algo mais parecido com um resfriado muito forte com febre, muita fraqueza, mal-estar em geral, cansaço e dor de cabeça. Varia muito de pessoa para pessoa”, acrescenta.
Em geral, a covid desenvolve um quadro típico de vírus respiratórios, com alguma peculiaridade em alguns casos, principalmente quando os pacientes desenvolvem problemas de perda de paladar ou olfato. Mas esses sintomas estão presentes apenas entre 20 e 25% dos casos de covid atualmente, segundo Peiró.
“(A covid) é indistinguível de qualquer outro quadro de vírus respiratório. Na verdade, se não fossem feitos os testes de antígeno ou PCR, não saberíamos de que vírus se trata. Em alguns casos, há diarreia, que às vezes também aparece na gripe. Mas, em geral, neste momento, se houver um quadro respiratório, o mais lógico é pensar que se trata de covid”.
Segundo o especialista, a grande maioria das pessoas que está infectada com covid nem sequer sabe ou só se dá conta quando vai ao hospital fazer uma cirurgia programada.
“Na verdade, entre 20 e 25% das pessoas não apresentam sintomas. Outras têm sintomas muito leves, como corrimento nasal e uma leve dor de garganta, que podem ser confundidos com uma alergia ou outra coisa, mas dão positivo. A covid pode simular praticamente qualquer condição, embora, no momento, quase tudo que vem desses sintomas inespecíficos seja geralmente covid.”
Essa é a mesma opinião de Quique Bassat, epidemiologista e pesquisador do Icrea (instituto catalão de pesquisas avançadas) do Instituto de Saúde Global de Barcelona, centro administrado pela Fundação “La Caixa”.
“Os quadros leves não têm um diagnóstico fácil. Os sintomas são muito inespecíficos. Só se você fizer um teste, para conseguir identificar. Antes era muito fácil porque era quase obrigatório fazer um teste. Todo mundo estava ansioso para saber se havia sido infectado, por medo de ter uma doença grave, o que o motivava a buscar a confirmação diagnóstica.
“Agora, não há pressão política ou social para fazê-lo, ou pessoal, porque você não se importa se é gripe ou covid, se não corre risco de morrer”, diz Bassat.
O que continua distinguindo a covid de outros vírus respiratórios é a taxa de contágio.
O especialista explica que o coronavírus é transmitido muito mais rápido que a gripe. E que, em um jantar com 15 pessoas, sendo uma delas infectada por alguma das novas variantes da covid, talvez 13 ou 14 poderão acabar infectadas. Já, ao se tratar de um paciente gripado, a probabilidade é de infectar os dois que estiverem mais próximos.
“Estou simplificando muito, mas é um dos grandes riscos da covid. Ela se espalha muito mais rápido”, alerta Bassat.
Gravidade
Embora atualmente muitas pessoas passem pela covid sem grandes problemas porque são vacinadas ou já tiveram a doença anteriormente, outras continuam desenvolvendo sintomas graves e terminam no hospital.
“A verdade é que temos de tudo. Temos muitas pessoas assintomáticas, com sintomas mínimos, pessoas que têm um quadro que parece gripe e pessoas que continuam tendo pneumonia.
“Em geral, os casos graves estão associados à idade e algumas doenças prévias. Mas, em princípio, o quadro é muito mais brando nessas novas variantes do que em qualquer outra onda”, indica Peiró.
No entanto, especialistas lembram que a gripe pode ser perigosa para as pessoas mais vulneráveis, algo que também se aplica à covid.
“A gripe é um medidor muito variável. Temos anos de gripe mais ‘calmos’ que causam, por exemplo, 4.000 ou 5.000 mortes na Espanha. Mas também temos anos ‘ruins’, com 15 mil ou 20 mil mortes”, explica.
O especialista destaca que a gripe não é inofensiva, por mais que às vezes pensemos que seja.
“A covid também não é, especialmente em pessoas mais velhas ou mais vulneráveis. Para os muito jovens, provavelmente como na gripe, os riscos são muito baixos. Mas os mais velhos não devem encará-la como algo banal”, alerta.
“Além disso, deve-se levar em conta que o número de infectados é tão grande que, embora os casos graves, em proporção aos que existem, não sejam muitos, quando há tantas infecções, acaba havendo muitos casos graves. Que são aqueles que vemos nos hospitais e nas unidades de terapia intensiva (UTI). Embora a doença seja menos grave, há muitos infectados e muitas pessoas que precisam de hospitalização”.
Dessa forma, os mais vulneráveis devem continuar se protegendo, como acontece com a gripe.
“A gripe mata os vulneráveis, não mata as pessoas saudáveis. A gripe é essencialmente um problema dos doentes crônicos e dos maiores de 65 anos. Por isso, essas populações são vacinadas.
“Quando todo esse esforço de comunicação foi feito para tentar “gripalizar” a covid, a ideia era passar a mesma mensagem: que só temos que nos preocupar com os mais vulneráveis, porque são eles que continuarão em risco mesmo sendo vacinados. São aqueles que atualmente estão morrendo nos hospitais”, assinala Basset.
Vacinação é chave
Embora os casos que vemos agora sejam predominantemente benignos, de vias respiratórias superiores, nada grave e com sintomas semelhantes aos da gripe ou resfriado, isso se deve não apenas às novas variantes do vírus, mas também às vacinas, explicam os especialistas.
“O vírus agora é muito benigno, mas porque estamos vacinados. O vírus também mudou, mas podemos ficar mais tranquilos porque, ao estar vacinados, já não vemos casos tão graves ao nosso redor”, diz Bassat.
“O cerne da questão não é se a covid se parece ou não com a gripe. Todas as variantes são diferentes das outras. O cerne é que estamos vacinados. É isso que muda a perspectiva. Qualquer uma das novas variantes pode causar um quadro grave entre os não vacinados. Há uma porcentagem muito alta da população vacinada e por isso parece ser benigna.”
A covid vai continuar em mutação e continuaremos registrando ondas dessa doença, pelo menos durante um tempo.
“Estamos tendo cada vez mais reinfecções. As novas variantes escapam facilmente da imunidade que a covid deixou com outra variante. Isso significa que as ondas não vão baixar”, diz Peiró.
Em princípio, os especialistas esperam que as novas variantes não sejam mais graves, mas é difícil saber.
“Podem existir variantes graves, embora se acredite que sejam menos graves. Em grande parte porque a população vai estar cada vez mais infectada, terá imunidade por ter tido covid ou por ter duas, três ou quatro doses da vacina.
“No entanto, não há uma regra que diz que as variantes estão se tornando menos graves. Há uma regra que diz que estamos cada vez mais imunizados. A população está muito mais protegida”, diz Peiró.
“As vacinas continuam funcionando espetacularmente bem para evitar os quadros graves de covid, entre 85% e 90%, conforme diferentes estudos. Isso acaba por evitar a evolução grave do quadro e que as pessoas acabem no hospital”, acrescenta o especialista.
– Texto originalmente publicado em BBC News