Ao longo da vida, oito em cada 10 pessoas enfrentam dor nas costas. Esse problema de saúde pode ser tanto um incômodo quanto um dos principais motivos de afastamento do trabalho. O quadro piorou durante a pandemia, e mais de 55 mil trabalhadores brasileiros se afastaram por causa de problemas na coluna no primeiro semestre de 2021.
Por isso, uma das perguntas de saúde mais buscadas na internet é: como aliviar dores nas costas? A depender do diagnóstico feito por especialistas, esse tratamento pode envolver, por exemplo, medicamentos, exercícios físicos, fisioterapia, pilates e orientações sobre dor e postura, explicam especialistas.
O mais eficaz desses tratamentos, segundo especialistas e estudos científicos, costuma ser o exercício físico, a exemplo de caminhada, natação e ciclismo. Só que apenas o diagnóstico feito por um profissional especializado poderá indicar que tipo de exercício físico correto ajudará cada paciente. Caso contrário, a dor pode piorar ainda mais. Aliás, ficar parado é outro fator que pode agravar a dor.
E o que é a dor? Bem, ela é definida pela Associação Internacional de Estudos da Dor (Iasp, na sigla em inglês) como uma “experiência sensorial e emocional desagradável, associada a danos teciduais reais ou potenciais” e que é “sempre uma experiência pessoal influenciada em diferentes graus por fatores biológicos, psicológicos e sociais”. Ela também está ligada a mecanismos de proteção do corpo.
Especialistas classificam a dor em três níveis ligados à duração dela: aguda, subaguda e crônica.
“Se durar até um mês, ela é considerada dor aguda. De um a três meses, seria uma dor subaguda. E com mais de de três meses seria uma dor crônica”, explica em entrevista à BBC News Brasil o médico reumatologista Martin Fabio Jennings Simões, da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).
Segundo Simões, 80% dos casos de dor aguda vão se resolver mesmo sem tratamento.
Nos casos restantes, o tratamento da dor passará tanto pelo nível de dor quanto pelo complexo processo de investigação em torno de diversas causas possíveis.
Quais? O Sistema de Saúde do Reino Unido (NHS) afirma que uma das causas mais comuns de dores nas costas é a lesão muscular. Em seguida, com menos frequência aparecem a hérnia de disco e a ciática (lesões ligadas ao disco entre as vértebras da coluna) e a espondilite anquilosante (inflamação crônica nas articulações). Por fim, há outras possibilidades mais raras, como câncer, fratura ou infecção.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam ainda outras causas possíveis, como infecção por herpes-zóster, cálculo renal (pedra no rim), degeneração ligada à idade, problemas de saúde mental, sedentarismo e obesidade, além de problemas de postura.
Entenda mais abaixo.
Como aliviar as dores nas costas? Quais são os tratamentos?
Existe uma confusão comum entre as pessoas sobre o que deve ser feito quando se tem dor nas costas: repousar ou se movimentar?
Simões, da Sociedade Brasileira de Reumatologia, explica que quase sempre a melhor solução é se movimentar, principalmente por meio de exercícios físicos. A coluna tem a função de mexer o corpo humano: virar, curvar, movimentar etc. Esse movimento faz com que a coluna fique forte e flexível. E uma rotina de atividades físicas que trabalham a coluna ajudam com a força, resistência e flexibilidade.
O repouso, por outro lado, só costuma ser indicado para quadros bem específicos, como a dor ligada à hérnia de disco.
Mas ainda assim é um repouso relativo pelo menor tempo possível, e não completo, absoluto. Ou seja, a pessoa vai fazer o que conseguir fazer, como as atividades domésticas, e não ficar completamente parada na cama, afirma Simões.
Isso porque o repouso carrega alguns problemas, como enfraquecimento dos músculos, rigidez das articulações e perda do preparo físico. Além do risco maior de virar um caso crônico.
Segundo Simões, é como riscar um fósforo perto da gasolina. Mas por quê? Uma das explicações passa pela chamada catastrofização, uma distorção de pensamento que acaba, grosso modo, transformando obstáculos em coisas maiores do que eles de fato são. De certa maneira, cada coisa vira uma “catástrofe”. Ou seja, muitas vezes a dor sentida não é proporcional à causa dela.
Os fatores psicológicos e/ou psiquiátricos têm bastante importância no diagnóstico e, por extensão, no tratamento da dor. Assim como questões ligadas ao trabalho, à genética, à biofísica, à situação socioeconômica, a outros problemas de saúde (os sinais vermelhos e amarelos, ou red flags e yellow flags, em inglês) e a fatores como tabagismo e sedentarismo.
Esses pontos serão considerados quando o tratamento for definido, mas tudo começa pelo diagnóstico feito por um médico especializado.
“Você só vai começar a se tratar corretamente se for diagnosticado corretamente, e não tentar se autodiagnosticar, procurar no Google. E o diagnóstico correto passa também por excluir as causas, porque existe um cardápio enorme de possibilidades quando o paciente chega com dor nas costas”, explica Simões.
A dor nas costas crônica, que só não é mais comum que a dor de cabeça (enxaqueca), pode ser classificada em diversos grupos.
Um deles é a dor nociceptora ou inflamatória (ou seja, há causa específica ligada aos neurônios sensoriais, como artrite, isquemia, infecção, dor pós-operatória, lesão, dor ligada ao envelhecimento).
Outro é a dor neuropática, mais ligada a lesões ou doenças que afetam o sistema nervoso, como compressão da raiz espinhal e hidrocefalia de pressão normal.
O grupo mais comum, porém, é a dor inespecífica. Melhor dizendo, não se descobre exatamente qual é a estrutura específica que está causando aquela dor. Estima-se que isso ocorra com até 90% dos pacientes com dores nas costas.
Por esse e outros motivos, uma questão importante nesse momento do diagnóstico é que o médico explique ao paciente o que é a dor, em um processo chamado de educação em neurociência da dor (pain neuroscience education, ou PNE em inglês), abordagem que tem sido adotada também por algumas “escolas de coluna” (back school, em inglês).
“Quando o paciente tem uma dor, ele fica assustado. Será que é câncer? Será que vou ficar paraplégico? Por isso, é importante para o paciente entenda o que é a dor, porque ela está ali, como que conseguimos tratá-la, como ele enfrenta essa dor. Daí a pessoa não tem expectativas irreais, crenças, erros cognitivos, ela consegue enfrentar melhor essa situação. Quando ela recebe educação em neurociência da dor, a pessoa costuma perceber a dor com uma intensidade menor do que quando ela não recebe essas informações”, afirma o médico ortopedista Jonas Lenzi de Araujo, da Sociedade Brasileira para Estudos da Dor (Sbed).
Esse tipo de abordagem tende a ajudar no tratamento, seja ele qual for. Porque problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade, estresse e catastrofização, podem contribuir para a cronificação. Ou seja, a duração da dor pode passar de menos de um mês para mais de três meses.
Em geral, a dor nas costas prejudica a qualidade de vida do paciente, e a sensação de impotência é bastante comum entre quem sofre desse problema. E esse cenário pode agravar ainda mais a saúde mental dessas pessoas, numa espécie de escalada psicológica.
“Então, existem vários tipos de terapia, técnicas, tratamentos. No fundo, elas tentam abordar esses aspectos de dor crônica, de catastrofização, enfrentamento ou aspectos psicológicos que afetam de uma forma negativa a sensação de dor, a experimentação da dor”, afirma Simões, da Sociedade Brasileira de Reumatologia.
Diante de todos esses fatores no diagnóstico, o tratamento definido deverá então ser o mais efetivo e o menos agressivo para cada paciente.
E quais são eles? Entre os tratamentos possíveis, há os medicamentosos, os não medicamentosos, as orientações ergonômicas e as cirurgias (só para casos raros), por exemplo.
Tratamentos não medicamentosos
Os estudos científicos mais recentes e robustos apontam que o melhor tratamento para quadros crônicos de dor (que duram mais de três meses) é o exercício físico sem uso de remédios. Principalmente para a dor lombar (ou lombalgia), na parte de baixo das costas.
Esses exercícios incluem os aeróbicos, como natação, caminhada e ciclismo, e os de fortalecimento dos músculos, como o pilates.
Só que nem sempre os pacientes fazem somente exercícios. Os tratamentos podem envolver medicamentos associados, como antidepressivos (duloxetina) e anticonvulsivantes (pregabalina).
Outro tratamento associado pode passar pelas chamadas “escolas de coluna” (back school, em inglês). Os pacientes aprendem e praticam exercícios para fortalecer as costas e de uma educação da postura mais correta ao andar, sentar, trabalhar e dormir.
Mas não se trata apenas de orientar os pacientes a utilizar a coluna da melhor forma possível. Mas também de ensiná-los sobre questões como o que é a dor, como os fatores psicológicos influenciam a sensação e a recuperação (como frustração e temor de nunca melhorar) e como o tratamento vai ocorrer dali em diante (inclusive para evitar lesões e saber lidar com recaídas).
Ali, eles são orientados de que não é necessário estar 100% recuperado para retomar atividades e de como a respiração e uma boa noite de sono podem fazer muita diferença para a recuperação, por exemplo.
“As escolas de coluna têm um efeito melhor quando o aspecto psicológico também é abordado. Ou seja, a catastrofização, o enfrentamento… Então, você tem uma abordagem com técnicas de terapia cognitivo comportamental, a TCC (abordagem comum para casos de depressão na qual, por meio da conversa, o terapeuta ensina o paciente a identificar e lidar com pensamentos, crenças e sentimentos negativos, quebrando o ciclo em torno dele)”, afirma Simões. “Então, a pessoa reprocessa a dor, trabalha como a encara. A forma como ela encara e processa esse tipo de dor também está muito relacionada com outros obstáculos que a pessoa tem.”
Especialistas listam outras abordagens que também costumam ter efeitos positivos contra as dores na coluna, como fisioterapia, meditação (como mindfulness) e pilates, uma forma de exercício que permite desenvolver força, aumentar a flexibilidade e melhorar a postura do corpo.
“A meditação, por exemplo, ajuda no controle da dor ao diminuir a atividade do sistema nervoso simpático, aquele que nos deixa preparados para lutar ou fugir. Quando faço meditação, mindfulness, consigo diminuir a atividade desse sistema nervoso simpático, e diminuo a vinculação de estresse, tensão, ansiedade e medo àquela dor. Há então uma melhor evolução clínica, tende a ter uma diminuição da percepção de dor”, explica Araujo, da Sociedade Brasileira para Estudos da Dor.
Há, por fim, grande contraindicação de algumas soluções “milagrosas” que costumam surgir nas redes sociais, como cintas, órteses, suportes lombares, palmilhas e corretores de postura. “Normalmente, quando se usa isso é em um pós-operatório, pós-fratura, mas não como forma de tratamento. O objetivo é ganhar força e elasticidade, ganhar mobilidade e função. Quando nós usamos esses equipamentos, a gente perde função, perde mobilidade”, afirma Araujo.
Tratamentos medicamentosos (à base de remédios)
Para o alívio da dor, remédios como analgésicos, anti-inflamatórios, corticoides, opioides, antidepressivos e miorrelaxantes podem ser recomendados em fase aguda — há expectativas em torno do possível efeito positivo do canabidiol (um dos principais componentes da maconha) para a dor, mas ainda não há consenso científico nem evidências robustas sobre eventuais benefícios.
Mas, geralmente, esses remédios ajudam a aliviar ou controlar os sintomas, mas eles não resolvem os problemas que causam esses sintomas e nem aceleram a recuperação do paciente.
“Os opioides, por exemplo, são analgésicos mais fortes para o controle da dor. Podem ser indicados quando o paciente tem uma dor muito mais intensa. Porém, eles não são medicações de primeira linha nem de segunda linha (os primeiros a serem indicados). Eles são mais para diminuir a percepção de dor, enquanto o paciente faz uma reabilitação de outra forma”, explica Araujo, da Sociedade Brasileira para Estudos da Dor.
Além disso, ele lembra que muitos pacientes com dor talvez não possam usar alguns desses medicamentos por causa de outras questões de saúde, como doenças hepáticas e renais, alergia e idade avançada. Sem falar nos possíveis efeitos colaterais dos medicamentos para esses e outros pacientes.
Por outro lado, pode haver benefícios com medicamentos associados ao chamado efeito placebo. Ou seja, medicamentos que não promovem qualquer alteração no organismo, mas são capazes de modificar a forma como uma pessoa se sente em relação a determinadas doenças e até ajudar a melhorar certos sintomas.
Em 2018, a BBC e a Universidade de Oxford fizeram um experimento com cem participantes no Reino Unido que sofriam com dor nas costas há anos. Eles foram informados de que metade receberia um poderoso remédio contra a dor e a outra metade receberia uma pílula ineficaz. Mas ninguém saberia quem recebeu o quê.
Só que todas as 100 pessoas receberam comprimidos de arroz moído. Ou seja, placebo.
Depois de três semanas, quase metade dos voluntários relataram ter uma melhora significativa na dor, um resultado positivo considerando que muitos deles tinham o histórico de tomar analgésicos fortes.
Cientistas envolvidos com o experimento explicaram que a ciência mostra que o efeito placebo tem um papel concreto na psicologia e na neuroquímica, inclusive com a liberação de endorfina, um analgésico natural que tem estrutura similar à morfina (um opioide poderoso contra a dor).
Estudos científicos apontam que placebos podem funcionar mesmo quando os pacientes sabem que o que estão tomando é um placebo.
Vale mencionar que outro fator positivo para a percepção de melhora dos voluntários do experimento de 2018 foi a duração da consulta com os médicos envolvidos. A metade que passou mais tempo com os profissionais relatou melhora do que a outra metade.
– Este texto foi publicado originalmente em BBC News