O acidente vascular cerebral é a segunda causa de morte no mundo e a primeira causa de incapacidade; uma a cada quatro pessoas terá um AVC ao longo da vida.
Segundo dados nacionais, o acidente vascular cerebral (AVC) é a maior causa de mortalidade no nosso país. Em julho de 2022, essa condição foi responsável pelo óbito de 8758 brasileiros, o equivalente a 11 óbitos por hora — segundo dados do Portal de Transparência dos Cartórios de Registro Civil do Brasil.
Nos Estados Unidos, a prevalência de AVC está aproximadamente em torno de 2,7%, não apresentando mudanças significativas entre 2006 e 2010. AVC é a 5º causa de morte nos Estados Unidos, sendo a principal causa de incapacidade funcional em longo prazo também nesse país.
Dessa forma, identificar e atuar nos fatores de risco dessa condição é primordial para a prevenção primária dessa doença tão devastadora. A última diretriz publicada com foco em prevenção primária de AVC foi publicada em 2014 pela AHA/ASA; contudo, essa revisão será realizada também a partir de atualizações providas em revisão da revista CONTINUUM da Neurology e de editoriais da JAMA Neurology.
Hipertensão
Hipertensão arterial sistêmica permanece sendo o fator de risco modificável para AVC — tanto isquêmico quanto hemorrágico — mais bem documentado na literatura. É também uma das estratégias mais efetivas para a prevenção dessa condição.
O rastreamento regular de pressão arterial e o tratamento apropriado de pacientes com hipertensão (considerando modificação de hábitos de vida e terapia farmacológica) são recomendados — classe I nível de evidência A.
Indivíduos com diagnóstico de hipertensão devem ser tratados com medidas farmacológicas a fim de alvo pressórico < 130/80 mmHg. Em pacientes com diabetes mellitus, foi demonstrado que alvo pressórico mais agressivo, com proposta de reduzir pressão arterial sistólica para abaixo de 120 mmHg, promoveu redução de risco de qualquer AVC em 41%.
Diabetes mellitus
É um fator de risco independente para acidente vascular cerebral (AVC), sendo ainda maior para pacientes abaixo de 65 anos e para mulheres.
Uma recomendação para prevenção de complicações microvasculares é alvo de hemoglobina glicada (HbA1C) menor que 7%, sendo que controle glicêmico intensivo não aparentou reduzir risco de AVC.
Tratamento de adultos com diabetes mellitus e com prescrição de estatinas, especialmente naqueles com fatores de risco adicionais, é recomendado para redução de risco de primeiro evento cerebrovascular — classe I nível de evidência A. Por outro lado, associar fibratos à prescrição de estatina em pacientes com diabetes mellitus não foi associada com redução de AVC — classe III nível B.
Fibrilação atrial
Fibrilação atrial é mecanismo importante e impactante para AVC. A prevalência dessa arritmia aumenta com a idade. Ambas as formas, paroxística e permanente, convém risco para AVC.
O rastreio ativo para fibrilação atrial através de aferição do pulso arterial (seguido de eletrocardiograma se indicado através de um ritmo irregular) é útil, principalmente em serviços de atenção primária para pacientes acima de 65 anos — classe IIa nível B.
Há escalas que auxiliam a avaliação de risco-benefício para tratamento com anticoagulação na fibrilação atrial. A escala CHADS2-VASc é recomendada pela AHA/ASA para estratificar o risco de eventos cardioembólicos. Por outro lado, a escala HAS-BLED é utilizada para avaliar o risco de sangramento pela prescrição de anticoagulação.
A anticoagulação é indicada para pacientes com CHADS2-VASc ≥ 2 e risco aceitavelmente baixo para complicações hemorrágicas. No caso de pacientes com FA valvar, a anticoagulação oral recomendada com varfarina cujo alvo de INR fica em torno de 2,0 – 3,0. Para pacientes com FA não valvar, a anticoagulação pode ser realizada com varfarina ou as DOACs (dabigatrana, apixabana ou rivaroxabana).
Dislipidemia
Altos níveis de colesterol total e de frações como lipoproteína de baixa densidade (LDL) possuem associação de risco com predisposição de acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico — especialmente relacionado ao mecanismo de aterosclerose. Por outro lado, baixos níveis de colesterol já apresentaram associação com aumento de risco para hemorragia intracerebral.
Além de medidas de bons hábitos de vida, a prescrição de inibidores HMG-CoA redutase é recomendada como prevenção primária de AVC em pacientes estimados com alto risco em 10 anos de eventos cardiovasculares como classe I nível A.
A decisão para uso dessa medicação deve ser considerando com risco basal de cada indivíduo e preferência do paciente considerando riscos e benefícios.
Derivados de ácido fíbrico podem ser considerados para pacientes com hipertrigliceridemia, porém a eficácia em prevenir AVC isquêmico não é bem estabelecido — classe IIb nível de evidência C.
Tabagismo
Estudos epidemiológicos demonstraram associações consistentes entre hábitos de tabagismo com risco de AVC isquêmico e de hemorragia subaracnoide. Tabagismo ativo aumento o risco entre 2-4 vezes de AVC. Exposição passiva também aumenta esse risco em torno de 25%. Nessa conjuntura, a abstenção do hábito de tabagismo possibilita redução no risco de doenças cerebrovasculares.
Aconselhamento e terapia farmacológica (adesivo nicotínico, bupropiona ou vareniclina) são recomendados para tabagistas ativos que desejam interromper tabagismo — classe I nível de evidência A.
Sedentarismo
O sedentarismo está associado a numerosos impactos em saúde, incluindo aumento no risco de mortalidade de doenças cerebrovasculares como o AVC. Foi demonstrado que pessoas fisicamente ativas apresentam 25-30% de redução no risco de AVC ou de mortalidade ao comparar com pessoas sedentárias.
Ensaios clínicos demonstraram que a atividade física pode ser considerada como efeito protetor. Atividades aeróbicas em intensidade moderada-vigorosa por pelo menos 40 minutos, 3 a 4 vezes na semana, são recomendadas.
Apneia do sono (SAOS)
Condição comum que tem sido associado com AVC. A escala de sonolência de Epworth é uma forma de rastreio que pode indicar SAOS. Assim, é uma ferramenta útil para rastrear pacientes que possam ter indicação de investigação dessa morbidade com polissonografia.
Álcool
Associação entre consumo de álcool e AVC isquêmico é descrito como curva em formato de J, em que o risco de AVC aumenta com a abstinência ao comparar com baixa ingesta (1 drink/dia para mulheres e < 2 drinks/dia para homens). Há também uma relação com consumo pesado de álcool e hemorragia intracerebral.
Apesar desse dado curioso sobre abstinência e risco de AVC, vale ressaltar que pacientes que não possuem relato de consumo de álcool não devem ser encorajados a consumi-lo. Além disso, pacientes que fazem consumo excessivo devem ser encorajados a limitar seu uso.
Dieta
Dieta rica em frutas e vegetais pode ser benéfico em reduzir risco de AVC. Além disso, a dieta com abordagens contra hipertensão (DASH) e a dieta mediterrânea também aparentam ter efeito em reduzir o risco de AVC. Geralmente, essas dietas enfatizam consumo de frutas, vegetais, peixe, legumes e carne branca, com baixa dosagem de sódio e alta de potássio.
E uso de aspirina (AAS) na prevenção do acidente vascular cerebral (AVC)?
A aspirina é um fármaco utilizado como terapia antiplaquetária na prevenção secundária de diversas doenças cardiovasculares, porém seu papel na prevenção primária é ainda incerto.
Nas últimas décadas, tem sido avaliado se algum perfil de indivíduo poderia se beneficiar de prevenção primária e se a sua prevenção sobreporia o risco de complicações como sangramento.
Algumas metanálises demonstraram uma sugestão de que a aspirina em baixa dose pode ter um benefício modesto na prevenção de doenças cardiovasculares às custas de um risco de sangramento excessivo.
Em geral, alguns guidelines recomendam prevenção primária com aspirina apenas naqueles indivíduos com alto risco de doenças cardiovasculares em que o benefício possa exceder o risco de sangramento.
Segundo guidelines da US Preventive Services Task Force (USPSTF) de 2022, há recomendação de AAS em baixa dose para prevenção primária de adulto acima de 40-59 anos que tem risco acima de 10% de doenças cardiovasculares em período de 10 anos (classe C), valendo constar que há uma recomendação contra sua prescrição para adultos acima de 60 anos (classe D).
Por outro lado, a American College os Cardiology e a American Heart Association descrevem que o uso de aspirina em baixa dose (75-100 mg/dia) pode ser considerado como prevenção primária para população selecionada: adultos entre 40-70 anos com alto risco cardiovascular sem riscos altos de sangramento.
Há uma recomendação contra a prescrição de AAS como profilaxia primária para adultos acima de 70 anos ou adultos de qualquer idade com fator de risco para sangramento.
Texto publicado originalmente no site de notícias e artigos PEBMED