Ter um “branco” na hora de fazer uma prova para a qual você vinha se preparando havia seis meses, se preocupar com uma eventual reação adversa da vacina, lembrar-se que sua mãe ainda não telefonou hoje (será que aconteceu alguma coisa?), estressar-se por que seu filho não come nada, que sua cabeça dói (seria um tumor?)…
As preocupações estão por toda parte em nossa vida, quase o tempo todo. São preocupações pequenas e grandes, as razoáveis e as excessivas, as bem fundamentadas e as estapafúrdias… existem todos os tipos.
Elas se comportam como uma goteira irritante que cai ruidosamente em nossa mente, como se esta fosse um balde de metal que, no final das contas, pode transbordar com tantos pensamentos.
A boa notícia é que a maioria das nossas preocupações geralmente não se convertem em realidade.
Cientistas da Pennsylvania State University (EUA) realizaram um estudo sobre as preocupações mais recorrentes de um grupo de pacientes e, com o passar do tempo, verificou se elas se comprovaram em fatos reais.
O resultado? 91% de suas preocupações nunca se materializaram. Eles sofreram em vão.
Cérebro e irrealidade
Mas ainda há os 9 pontos percentuais restantes para dar asas à imaginação de muitos.
“Todos nós podemos ter ansiedade, tristeza ou depressão em maior ou menor grau”, explica à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) Juan Ramos Cejudo, professor de psicologia da Universidade Camilo José Cela (Madrid) e diretor do centro Mindlab.
Todos nós podemos sofrer com medo e ansiedade antecipados mesmo em casos que parecem pouco importantes, como ir a uma festa onde você não conhece ninguém, conversar com seu chefe ou falar em público. São situações normais em que não haveria necessidade de se preocupar demais.
Paradoxalmente, para preservar uma boa saúde mental, a primeira coisa é não confiar tanto em nosso cérebro.
“Se colocarmos em dúvida o que estamos vendo ou sentindo, teremos mais condições de obter bem-estar”, diz Ramos Cejudo.
Ele explica: “Nem tudo o que o nosso cérebro nos diz é real. Percebemos a realidade através dos nossos sentidos e o nosso cérebro processa conclusões com muitos erros — ele está constantemente errado”.
No entanto, é difícil ter esse discernimento, ainda mais nestes tempos turbulentos.
Estima-se que, antes da pandemia de covid, 284 milhões de pessoas em todo o mundo sofriam de algum tipo de transtorno de ansiedade, com uma taxa de prevalência nos países que varia de entre 2% e 7% da população, de acordo com o Global Burden of Disease, um estudo envolvendo mais de 3 mil pesquisadores de 145 países e coordenado pela Universidade de Washington.
Esses dados foram pulverizados pela pandemia.
A revista científica Psychiatry Research publicou uma análise baseada em 55 estudos internacionais com mais de 190 mil pessoas que constatou que a prevalência de ansiedade é quatro vezes maior agora (15,5% da população contra 3,6% antes da pandemia, segundo a Organização Mundial da Saúde, a OMS)
O artigo destaca que o transtorno de estresse pós-traumático (16%) e a depressão (16%) também foram respectivamente cinco e três vezes mais frequentes na comparação com a situação antes da pandemia.
O papel da metacognição
Estes dados não surpreendem o psicólogo Jesús Matos, professor do Instituto Superior de Estudos Psicológicos (Isep) e diretor da clínica En Equilibrio Mental de Madrid (Espanha).
“O paciente com ansiedade generalizada é alguém que não começa a se preocupar de repente, mas é alguém que pensa assim durante toda a vida”, explica ele em entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC. “Mas é uma pessoa que consegue funcionar bem, até que aconteça algo, um evento, que faz tudo desmoronar. E com a pandemia tivemos um grande evento desencadeador.”
O elemento-chave da terapia metacognitiva não é focar em um pensamento específico que nos desequilibra, mas na maneira como o pensamos.
“Nos últimos anos, os psicólogos perceberam que não é tão importante o que as pessoas pensam, mas como elas pensam. Não é tão importante que eu ache que sou desajeitado ou que vou ter um ataque de ansiedade (cognição simples ou pensamento), mas sim o estilo de raciocínio que leva a essa reflexão”, explica Ramos Cejudo, autor do livro Terapia Cognitiva junto com seu sócio José Martín Salguero Noguera.
“Uma metacognição é uma avaliação que fazemos sobre ter esses pensamentos”, diz ele.
Ele dá alguns exemplos desse tipo de pensamento: “Posso me preocupar porque tenho uma prova, é uma cognição simples. Mas posso acabar me preocupando que sempre fico assim com qualquer prova, e que, se eu continuar me preocupando desse jeito, vou acabar ficando doente. Tudo isso são metacognições.”
E qual é o problema dessas metacognições?
“[O problema é] que geralmente esse conteúdo desencadeia a resposta de ansiedade e a percepção de falta de controle a longo prazo. Sei o quanto me preocupo muito, mas também com o que não consigo controlar, tenho uma cognição sobre outra cognição que aumenta a ansiedade.”
“Foi o professor Adrian Wells da Universidade de Manchester quem desenvolveu essa teoria nos anos 1990”, diz Jesús Matos.
Tradicionalmente, os transtornos de ansiedade (fobias, pânico, transtornos obsessivos, etc.) têm sido tratados “com grande sucesso, cerca de 70%-80% com terapia cognitivo-comportamental”, explica.
Mas no caso do transtorno de ansiedade generalizada — aquele em que o indivíduo se preocupa excessivamente com problemas comuns e cotidianos, como saúde, dinheiro, trabalho e família, quase diariamente por pelo menos seis meses, conforme definido pela Library National Medicine dos EUA —, “essa eficácia cai até 50% e há um problema de recaídas”.
“A terapia metacognitiva aumenta a eficácia para cerca de 80% e consegue isso com poucas sessões, de 8 a 12, de acordo com os estudos”, afirma o professor do Isep.
Como a terapia metacognitiva é aplicada
Matos diz que “a terapia metacognitiva mostra ao paciente que a preocupação é controlável e não perigosa, e também que se preocupar em nada adianta”.
Ela é “herdeira” da terapia cognitivo-comportamental e ambas podem ser aplicadas em conjunto, explicam os especialistas. Mas em vez de focar na modificação do conteúdo dos pensamentos (como faz a terapia cognitivo-comportamental), a terapia metacognitiva foca na reestruturação do processo associado aos pensamentos.
E consegue isso, entre outras coisas, com técnicas baseadas em algo chamado Atenção Plena do Desapego (Detached Mindfulness, em inglês).
“Basicamente, consiste em observar o primeiro pensamento que surge e não tentar contrariar esse pensamento”, diz.
O paciente tem que aprender técnicas de observação do pensamento.
Uma delas, explica o psicólogo, é adiar a preocupação que vem à mente em um determinado horário do dia por um período máximo de 15 minutos.
“Assim, a pessoa aprende que a preocupação não é perigosa, que é controlável porque pode ser adiada, e quebramos a associação entre o pensamento intrusivo que aparece e a resposta à preocupação. O pensamento intrusivo é automático, mas a resposta é controlável pela gestão da atenção.”
“Pensamentos intrusivos são como visitantes”, ele brinca: “Você não pode expulsá-los porque é rude, mas não precisa alimentá-los se quiser que eles saiam.”
Quando procurar ajuda
Mas, então, quando isso deixa de ser um problema comum e passa a ser motivo para se buscar ajuda?
A linha entre preocupação administrável e transtorno de ansiedade é tênue em alguns casos, alertam os especialistas.
A resposta à ansiedade aparece de “forma multidimensional”, explica Ramos Cejudo, da Universidade Camilo José Cela.
Primeiro, existem os sintomas cognitivos: isto é, os pensamentos — as preocupações e os pensamentos negativos repetitivos que estão gerando grande desconforto.
Em seguida, aparecem os sintomas fisiológicos, a boca seca, tremores, sudorese, palpitações, etc.
E, finalmente, a resposta comportamental — o que faço quando tenho ansiedade ou medo.
Essa última etapa é fundamental, avisa Ramos Cejudo.
Quando remoer problemas resulta em um “medo tão intenso que interfere no comportamento do sujeito, quando ele evita se expor a situações que geram preocupação e medo de forma frequente, intensa e duradoura, é quando isso se torna um distúrbio psicológico”.
Os transtornos de ansiedade são alguns dos “mais prevalentes” quando se trata de saúde mental.
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Dicas para gerenciar pensamentos e ansiedade
O primeiro conselho que os especialistas dão pode parecer contraintuitivo: não tente suprimir os pensamentos incômodos.
“Tentar não pensar em algo faz com isso fique na cabeça, como não tentar pensar em um elefante rosa, por exemplo”, explica Ramos Cejudo.
E a supressão emocional também não é uma boa ideia. “Expressar nossas ideias geralmente ajuda, alivia, mas algumas pessoas têm tanto medo desses pensamentos que os calam e, portanto, pioram tudo”, acrescenta.
O objetivo é mais sutil, explica Jesús Matos. “O segredo não é tentar parar os pensamentos, mas observá-los e deixá-los em paz até que sumam.”
Para conseguir “deixar seus pensamentos desencadeadores em paz”, a psicóloga especializada Pi Callesen, da Universidade de Manchester, oferece algumas ferramentas em seu livro Viva Mais Pense Menos: Como superar a depressão e a tristeza com a terapia metacognitiva.
Trata-se de treinar a mente e perceber que você tem controle dos pensamentos.
O exercício de sons
Este exercício ajuda os pacientes de Pi Callesen a “descobrir sua capacidade de se concentrar seletivamente, mudar rapidamente de assunto e dividir sua atenção entre várias coisas”, explica ela.
A primeira coisa a fazer é escolher três ou mais sons ambientes (tráfego, canto de pássaros, som de televisão, som de canteiro de obras ou qualquer outro). É útil que alguns dos ruídos escolhidos fiquem próximos e mais altos, e outros mais distantes.
Com a ajuda de um cronômetro (talvez o do seu celular), concentre sua atenção em um desses sons por 10 segundos. E então pule para outro e depois para outro, sucessivamente. Pode-se tentar por dois minutos, e se der certo, tente mais dois minutos, mas dessa vez pulando mais rápido de um som para outro, “por dois ou quatro segundos”, descreve a autora.
Você também pode incluir como um dos sons escolhidos a gravação de uma palavra-chave do pensamento que desencadeia ansiedade. Use-o como mais um som.
“O objetivo deste exercício é familiarizar-se com a mudança na atenção e ganhar experiência em gerenciá-la.”
O exercício da janela
Outro exercício que Pi Callesen usa com seus pacientes é o “exercício da janela”.
Isso envolve escrever os pensamentos desencadeadores no vidro da janela com uma caneta que você pode apagar mais tarde.
“Os pensamentos desencadeadores podem ser, por exemplo, ‘O que há de errado comigo?’ ‘Estou preocupado que meus colegas não gostem de mim.’ ‘Por que me sinto tão triste?’.”
“Peço a meus pacientes que se concentrem totalmente em seus pensamentos desencadeadores e percebam o céu azul ou a casa do outro lado da janela, e não foquem no que está escrito.”
Depois, o foco é mudado, é preciso olhar através dos pensamentos escritos e se concentrar no que se vê por trás do texto. Seja nas árvores em frente da casa, nos carros na rua ou nos detalhes do prédio em frente.
“O paciente agora percebe como os pensamentos desencadeadores se tornam diferentes. Eles ainda estão lá, não desaparecem, mas ele pode se concentrar em outras coisas e ver além deles. Então ele entende que pode controlar sua atenção”, descreve.
Então, o elefante rosa desaparece. Mas se isso não passar e os pensamentos afetarem sua vida na forma de insônia ou da sensação de sofrimento excessivo, não hesite em procurar ajuda. Todos os especialistas concordam com isso.
Fonte: BCC News