Embora pouco conhecido, esse grupo muscular participa de algumas das atribuições mais básicas do corpo. E pede exercícios desde já
Você chega à academia, recebe a ficha de treino e nota que ele está direcionado para braços, pernas, abdômen e… assoalho pélvico. Se depender dos especialistas, isso é exatamente o que acontecerá com as gerações futuras, mais conscientes sobre a importância dessa fabulosa teia muscular. O nome “assoalho” não vem de graça.
“É o chão da bacia, um conjunto de músculos em forma de uma rede que sustenta e suspende órgãos como bexiga e intestino, útero e ovários, nas mulheres, e próstata, no caso dos homens“, explica a fisioterapeuta especializada em reeducação uroginecológica Mirca Christina da Silva Batista, de São Paulo.
Também fazem parte desse conjunto os esfíncteres, estruturas que relaxam e contraem para permitir ou impedir a passagem de xixi, cocô e gases. E não acaba aí: o assoalho pélvico tem participação na atividade sexual, diretamente relacionado ao orgasmo vaginal ou à ereção masculina.
Já deu para perceber que, embora não tenhamos percepção disso, nós usamos essa malha o tempo todo e, portanto, precisamos cuidar muito bem dela. Até porque, com o avanço dos anos, o tônus muscular vai se alterando e a região, assim como outros músculos do corpo, tende a perder vigor. Algumas doenças, como diabetes, obesidade e hipertensão, colaboram para uma piora no quadro.
Cirurgias ginecológicas ou de retirada da próstata também podem provocar abalos nesse chão. “Outras situações aumentam a pressão dentro do abdômen, como tosse constante, levantamento de peso e prática de corrida, crossfit e outros esportes de alto rendimento”, avisa Silvana Uchoa, fisioterapeuta pélvica e professora da Universidade Católica de Pernambuco.
O enfraquecimento, ou uma lesão no assoalho pélvico, é capaz de gerar complicações como constipação e incontinência fecal. E a decadência dessa musculatura pode ter relação direta ainda com problemas do trato urinário, como escapes de xixi e bexiga hiperativa – chateações que, segundo estudo recente feito pela Astellas Farma Brasil com mais de 5 mil pessoas, acometem 50% dos homens e 70% das mulheres a partir dos 40 anos. Em estágios mais avançados, o desgaste muscular leva até a queda ou o descolamento de órgãos da região.
Felizmente, é possível minimizar ou mesmo prevenir essa lista de perrengues. Como? Fortalecendo o assoalho pélvico. Antes de mais nada, porém, é necessário exercitar a consciência corporal, para ter uma noção mais precisa de sua localização.
“Trata-se dos músculos que circundam ânus, pênis e vagina. Ou seja, contrair o assoalho pélvico não significa mexer bumbum, coxa ou barriga”, esclarece Silvana. O uso de espelho e o toque ajudam a identificação. “Faça a contração no momento do banho e pressione levemente com as mãos para ver se consegue sentir a região pélvica”, indica a fisioterapeuta. Detectada a área, é hora de botá-la para malhar.
Um dos exercícios mais básicos de fortalecimento do assoalho pélvico é imperceptível ao olhar alheio e pode ser feito em qualquer lugar, já que trabalha apenas com contração e relaxamento, como ensina Patricia Driusso, presidente da Associação Brasileira de Fisioterapia da Saúde da Mulher: “Contraia o assoalho e simule jogá-lo para cima e para dentro. Segure por cinco segundos e relaxe. Faça sequências de dez, três vezes ao dia. A repetição desse treino vai garantir maior robustez à musculatura”.
No leque de atividades físicas, pilates é uma das que fazem um bem danado à região. Pesquisadores do Centro Universitário Estácio do Ceará, em Fortaleza, mediram o impacto das posições dessa modalidade em mulheres. A partir da oitava sessão, notou-se que a combinação de contração de músculos, parede abdominal e diafragma respiratório proporciona maior percepção e aumento significativo da força do assoalho pélvico.
Os chamados exercícios de Kegel (veja abaixo), muito usados no tratamento de incontinência urinária, também são indicados e ainda ajudam a superar disfunções sexuais como ejaculação precoce, problemas de ereção e, na ala feminina, dor e falta de prazer.
A ginecologista e obstetra Flávia Fairbanks, coordenadora do Projeto de Estudos em Sexualidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (Prosex), alerta que a resposta depende de fatores psicológicos e físicos diretamente relacionados ao assoalho pélvico. “Qualquer estado de tensão, depressão, ansiedade ou trauma pode levar a uma contração permanente e atrapalhar a qualidade do ato sexual”, explica.
As mulheres são ainda mais suscetíveis à fragilidade nessa rede. Para começar, nelas, a estrutura é atravessada por uretra, vagina e ânus, enquanto nos homens são apenas dois canais, uretra e ânus. Sem contar as repercussões de uma gestação – quando entram em cena o peso do bebê, alterações anatômicas do corpo e a influência de hormônios, como a relaxina, que deixa os músculos pélvicos amolecidos para o parto.
“Por isso é tão importante exercitar a musculatura principalmente depois do primeiro trimestre de gravidez, com maior intensidade a partir da 28ª semana”, indica Flávia. “E o assoalho pélvico deve continuar sendo trabalhado no pós-parto, período em que a vagina fica mais seca e dolorida. Com o fortalecimento, a mulher vai sentir grande diferença na recuperação”, garante a coordenadora do Prosex. A supervisão de um especialista, ela frisa, é essencial para alcançar bons resultados.
Buscar orientação sobre a melhor forma de movimentar esse grupo muscular, aliás, ajuda a evitar situações como a constatada por um estudo publicado no Jornal Internacional de Uroginecologia. Pesquisadores da Universidade Curtin, na Austrália, acompanharam 90 mulheres que participavam regularmente de diferentes práticas esportivas.
Eles usaram ultrassom para avaliar a capacidade delas em contrair o assoalho pélvico durante a realização de abdominais. Em 25% dos casos, o exercício era feito incorretamente, com risco de afetar o tônus desse feixe muscular.
Quando o problema já está instalado, diga-se, o tratamento nem sempre se resume à tonificação da região. “Às vezes é necessário fazer uma reeducação corporal e lançar mão de técnicas conduzidas pelos fisioterapeutas, como biofeedback, ginástica compressiva e cone vaginal”, observa Arceu Duarte, ginecologista do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
O ideal, no entanto, é não deixar a situação cruzar esse ponto. Para isso, que tal buscar orientação profissional e incluir uma série que prestigie o assoalho pélvico já a partir de seu próximo treino?