A apendicite aguda é uma das causas mais comuns de abdome agudo, com necessidade de intervenção cirúrgica.
Recentemente foram publicados diversos artigos sobre o tratamento conservador da apendicite aguda somente com antibiótico. São medidas aceitas do ponto de vista estatístico, porém com uma taxa de recorrência relativamente alta. O tratamento conservador fica reservado para situações excepcionais.
Ao longo de 2022, uma série de artigos com o tratamento endoscópico de apendicite aguda fomentou ainda mais a discussão de qual a melhor abordagem no tratamento.
Revisão
Antes de mais nada, devemos fazer uma breve recapitulação de como ocorrem os processos inflamatórios/infecciosos intra-abdominais. Com raras exceções, as infecções intra-abdominais se iniciam com a obstrução ao fluxo natural de fluidos de determinado órgão/estrutura.
O processo de colecistite aguda se inicia com a obstrução do ducto cístico por um cálculo que proporciona a hiperproliferação bacteriana dentro da vesícula biliar, resultando na infecção.
Processos semelhantes ocorrem na colangite, diverticulite e, claro, na apendicite, em que temos o apendicolito como principal agente da obstrução, impedindo a saída de muco e proporcionando a hiperproliferação bacteriana no lúmen apendicular.
De forma generalizada, quando resolvemos a causa da obstrução ainda nas fases iniciais, o processo infeccioso retrocede sem a necessidade de uma intervenção posterior.
São nestes conceitos que o tratamento retrógrado de apendicite aguda se baseia. Ao indicar o tratamento retrógrado, é realizado um preparo de cólon, semelhante àquele antes das colonoscopias.
O procedimento é realizado de quatro a seis horas depois e consiste na extração do apendicolito e/ou desobstrução da luz apendicular. Normalmente é acompanhado por escopia para detectar qualquer eventual perfuração. O lúmen apendicular é clareado com o uso de soluções salinas, baskets extratores e até o uso de stents, quando necessário.
Na publicação de Yang et al, dos 78 pacientes indicados para a realização do tratamento endoscópico, 76 obtiveram a cateterização da luz apendicular e dois foram encaminhados imediatamente para a cirurgia pela falha do procedimento.
Destes 76 pacientes, seis foram submetidos a apendicectomia dentro de um ano após procedimento. Dos pacientes 28 (36,8%), além do flush de solução salina, também colocaram um stent.
O tempo da laparoscopia foi de 50 minutos, enquanto do tratamento endoscópico 40 minutos (p < 0,001). O tempo de internação hospitalar quatro dias para apendicectomia e dois dias no grupo endoscópico (p < 0,001).
Os resultados apresentados por Ding et al demonstraram a não inferioridade do método, com menos dor e menor tempo de internação hospitalar. Interessante notar que o tempo do procedimento foi semelhante nos dois artigos.
Os estudos ainda estão na determinação de uma não inferioridade em relação à apendicectomia videolaparoscópica. Porém, alguns aspectos técnicos devem ser ressaltados, como a elevada estadia hospitalar após a laparoscopia, o que não condiz com a realidade de centros do ocidente, onde a permanência hospitalar após apendicectomias não complicadas é de aproximadamente 24 horas.
Uma questão bastante relevante é a realização do preparo de cólon em pacientes que procuraram a emergência por dor abdominal e náusea, afinal, estes são os sintomas iniciais e principais da apendicite aguda.
Somado a isto, há o risco de ruptura do apêndice inflamado durante o procedimento, o que, no mínimo, requer um maior curso de antibiótico do que uma apendicectomia.
Mensagem prática sobre o tratamento da apendicite aguda
Apesar do método não demonstrar uma inferioridade, ainda carece de muita investigação e análise para determinar o seu real valor prático.
Temos que sempre estar atentos aos novos métodos e antes de criticar devemos analisar seus benefícios. Até o momento, a apendicectomia laparoscópica continua sendo a melhor alternativa para o tratamento da apendicite aguda não complicada.
Texto originalmente publicado em PebMed