Um estudo publicado em fevereiro de 2023, avaliou qual a melhor forma de prescrever prednisolona atingir a remissão da síndrome nefrótica,
O uso de corticosteroide é o principal tratamento para recaídas de síndrome nefrótica, que é a principal doença glomerular na infância. Diante delas, os protocolos iniciais divulgados pelo International Study for Kidney Diseases in Children (ISKDC) e pela Arbeitsgemeinschaft fur Paediatrische Nephrologie (APN) recomendavam o uso de doses fracionadas de corticoterapia com prednisolona.
Elas seriam em três horários, com prednisona/prednisolona durante o dia, primeiro diariamente 60mg/m2/dia até a remissão ou por quatro semanas, depois seguiam com 40mg/m2/dia no ISKDC em três dias consecutivos/semana ou em dias alternados no APN e no ISKDC modificado.
Comparou o regime de doses intermitentes do ISKDC com um regime de dosagem em dias alternados e descobriu que o último é significativamente mais eficaz na redução da taxa de recaída.
Entretanto, vários serviços preferiam usar a prednisolona em dose única diariamente para aumentar a adesão ao tratamento, reduzir efeitos colaterais e a supressão do eixo adrenocortical.
A chance de os pacientes complicarem com lesão renal aguda por hipovolemia, sepse e trombose vascular aumenta durante as recaídas de síndrome nefrótica, por isso deseja-se atingir logo remissão da síndrome nefrótica com a alta dose inicial de prednisolona de 60mg/m2/dia e, assim que o paciente remitir, reduzir a dose de prednisolona para 40mg/m2.
Para avaliar qual seria a melhor forma de prescrever prednisolona (em dose única diária versus fracionada) para diminuir eventos adversos e atingir mais rápido a remissão da recidiva de síndrome nefrótica, Weerasooriya, Abeyagunawardena e Thalgahagoda fizeram um estudo randomizado publicado em fevereiro de 2023 no European Journal of Pediatrics. Neste artigo, analisaremos como foi feito o estudo e suas contribuições.
Métodos
O estudo foi feito num hospital pediátrico terciário no Sri Lanka seguindo normas éticas, incluindo crianças de 1 a 14 anos admitidas de setembro de 2019 a fevereiro de 2020 por conta de recaída na síndrome nefrótica definida como proteinúria 3+ por três dias consecutivos, hipoalbuminemia (<2,5g/dL) e hipercolesterolesmia.
Foram excluídos paciente que já tinham começado o tratamento para recaída, com comorbidade, síndrome nefrótica corticorresistente, com anomalia renal congênita ou fora da faixa etária estudada.
Dos 123 episódios de recaída durante o período do estudo, apenas 104 puderam ser incluídos por conta dos critérios citados acima. Os pacientes foram randomizados por sistema de computador em dois grupos:
- A, que recebeu prednisolona oral em 60 mg/m2/dia (dose arredondada para os 5 mg mais próximos) como uma dose única matinal;
- B, que recebeu prednisolona oral em 60 mg/m2/dia em duas doses divididas da seguinte forma: 2/3 de manhã e 1/3 à noite (todas as doses arredondadas para os 5 mg mais próximos).
Os autores resolveram dar uma dose mais alta pela manhã a fim de minimizar os efeitos sobre o eixo adrenocortical, mantendo o padrão próximo do fisiológico de liberação de esteróides, e garantindo que a dose noturna fosse suficiente para manter as concentrações no estado estacionário.
Esse esquema já era dotado na prática desse hospital quando as crianças não respondiam à dose única diária.
Esse regime era continuado até que a remissão fosse alcançada, a qual era definida como proteinúria ausente ou apenas traço por 3 dias consecutivos, então os pacientes passavam a tomar prednisolona 60 mg/m/dose em dias alternados apenas uma vez pela manhã.
Os desfechos analisados foram tempo para atingir remissão e a ocorrência de eventos adversos como alterações no humor/comportamento, dispepsia, aumento do apetite, alteração glicêmica, sepse e evolução com hipertensão arterial sistêmica.
Foi usado o teste t de amostras independentes para comparar entre os grupos o número de dias necessários para atingir a remissão.
Resultados
Dos 104 episódios de recaída de pacientes com síndrome nefrótica corticossensível, 55 foram tratados com dose única diária e 49 com dose fracionada.
Os pacientes dos dois grupos tinham características semelhantes para sexo, idade, número de recaídas antes do estudo, albuminúria, albuminemia e colesterolemia.
Houve algumas diferenças não significativas nos tratamentos de segunda linha para síndrome nefrótica usados entre os grupos.
O número médio de dias necessários para atingir a remissão foi significativamente maior no grupo A de dose única (9,74 ± 3,72 dias) que o grupo B de dose fracionada (8,02 ± 1,58 dias) conforme teste t de amostras independentes com t(102)=3,004 e P valor <0,001.
Quando foi feita análise nos subgrupos com faixa etária de 1 a 5 anos, 5 a 10 anos e 10 a 14 anos, foi observado o mesmo nas faixas etárias de 1 a 5 anos (P valor de 0,001) e de 10 a 14 anos (P valor <0,001).
Foi evidenciado que houve redução de 17,7% no tempo para atingir a remissão no grupo A todo com dose diária fracionada que no grupo B todo com dose única diária.
Não houve diferença significativa na evolução com os seguintes eventos adversos: alterações no humor/comportamento, dispepsia e aumento do apetite. Não foram observados em paciente algum dos grupos: alteração glicêmica, sepse e evolução com hipertensão arterial sistêmica.
Conclusão
Esse estudo mostrou que o uso de prednisolona 60mg/m2/dia em dose fracionada (2/3 de manhã e 1/3 à noite) resultou em obtenção mais precoce da remissão quando comparado com a mesma dose em dose única pela manhã. Isso ocorreu sem aumento nos eventos adversos.
O autor acredita que esse esquema em dose fracionada mimetizaria melhor a liberação fisiológica de corticoide e minimizaria a supressão adrenocortical, entretanto não fez dosagens hormonais para comprovar isso.
Atingir a remissão mais rápido permite reduzir a dose cumulativa de esteroides usada para atingir a remissão, minimizar as complicações associadas a uma recaída assim como a duração da recaída.
– Texto publicado originalmente no Portal PEBMED