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Hepatite B: o que todo médico precisa saber sobre o diagnóstico e manejo

Apesar dos avanços no tratamento e da disponibilidade de prevenção com a vacinação, a hepatite B crônica ainda é um problema de saúde pública, sobretudo em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

Recentemente, o NEJM publicou uma revisão sobre as novas formas de abordar a hepatite B crônica na prática clínica.

Estrutura viral

Em relação à estrutura viral, é importante salientar que se trata de um vírus DNA dupla hélice. O DNA do vírus da hepatite B (VHB) pode se integrar ao genoma, favorecendo a persistência viral, através da transcrição do antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg), que ainda contribui para a imunotolerância de linfócitos B e T. Além disso, a integração do DNA viral ao hepatócito ativa um mecanismo oncogênico, favorecendo o desenvolvimento do CHC.

História natural

O controle da doença hepática causada pelo VHB depende da resposta imune adaptativa. Dessa forma, observa-se que a infecção na fase adulta geralmente cursa com doença autolimitada, enquanto a maioria dos neonatos (90%) que adquirem o vírus por transmissão vertical cursa com infecção crônica.

Isso também explica o aumento da reativação viral com o uso de rituximabe, um imunobiológico que depleta linfócitos B.

Atualmente, a doença pode ser dividida em seis fases, de acordo com o grau de lesão hepática (hepatite) e de acordo com o marcador de replicação viral (HBeAg). O quadro abaixo demonstra os achados esperados nas diferentes fases da hepatite B crônica.

Marcadores diagnósticos

Além dos marcadores tradicionais, como HBsAg, anti-Hbs, HBeAg, anti-Hbe, anti-HBc total (além das frações IgM e IgG) e HBV-DNA, outros marcadores foram desenvolvidos.

O HBV tem 10 genótipos listados e pelo menos 24 subtipos, que podem influenciar os resultados clínicos, incluindo taxas de soroconversão de HBeAg e HBsAg, mutações nas regiões pré-core, riscos de cirrose e carcinoma hepatocelular e resposta ao tratamento.

Contudo, a avaliação de todos esses exames ainda não é realizada de forma rotineira na condução dos pacientes com hepatite B.

HBsAg Quantitativo

Níveis de HBsAg abaixo de 1.000 UI por mililitro, associados a HBV-DNA <2000 U/ml e aminotransferases normais, apresentam melhor prognóstico. Enquanto isso, níveis elevados de HBsAg aumentam o risco de CHC, mesmo entre pacientes com baixos níveis de HBV-DNA.

HBV-RNA

Embora sua relevância clínica ainda esteja sendo definida, o HBV-RNA identifica a transcrição ativa do cccDNA. Devido a isso, apresenta potencial para identificar pacientes de alto risco de doença grave, e também na prevenção de reativação da doença após a interrupção da terapia com análogos de nucleosídeos. Correlaciona-se melhor nas infecções HBeAg positivas.

Tratamento da hepatite B

De forma geral, a indicação de tratamento se baseia nos níveis séricos de aminotransferases e HBV-DNA, assim como na gravidade da doença hepática.

Pacientes com níveis de HBV-DNA menor do que 2.000 UI/ml e níveis normais de aminotransferases apresentam menor risco para cirrose hepática/CHC e, no geral, o tratamento não é recomendado a esses pacientes. As principais diretrizes recomendam tratamento para pacientes com cirrose e HBV-DNA detectável, em qualquer nível.

Apesar de muitos estudos demonstrarem maior risco de cirrose e CHC em pacientes com HBV-DNA acima de 2.000 U/ml, as diretrizes não recomendam tratamento para pacientes com infecção crônica com HBeAg-positivo.

No entanto, há evidências de que o tratamento para todos pacientes com HBV-DNA > 2.000 UI/ ml confere benefícios, como reduzir a evolução para hepatite crônica, induzir redução do cccDNA e com isso, prevenir o carcinoma hepatocelular. Outra vantagem do tratamento é o benefício epidemiológico em reduzir a transmissão viral.

Os análogos de nucleosídeos são medicamentos seguros e eficazes. São eles: tenofovir, tenofovir alafenamida (TAF) e entecavir. Tenofovir apresenta risco de nefrotoxicidade e osteoporose. Esses efeitos são menores com TAF e entecavir, que são drogas preferidas em pacientes acima de 60 anos ou com disfunção renal.

O uso de TAF aumenta os níveis de colesterol total e LDL. Além disso, pelo custo elevado, o TAF fica reservado para pacientes de risco, já expostos à lamivudina, visto que há maior resistência ao entecavir nesse grupo.

Quais os objetivos/indicações do tratamento da hepatite B?

  • Reduzir HBV-DNA e HBV-DNA indetectável;
  • Normalizar os níveis séricos de aminotransferase;
  • Reduzir a inflamação e a fibrose;
  • Reduzir carga viral em gestantes, reduzindo a transmissão vertical;
  • Tratar hepatite B fulminante e cirrose descompensada;
  • Prevenir da reativação do HBV durante tratamento imunossupressor.
  • Prevenção de uma recorrência após transplante hepático.

Quais as desvantagens dos análogos de nucleosídeos?

O mecanismo de ação dessas medicações não afeta diretamente a expressão de HBsAg de genomas virais integrados. Dessa forma, a perda de HBeAg é incomum (ocorrendo em 20 a 30% dos pacientes após 1 a 2 anos) e a perda de HBsAg é rara, estimada em 0,22% ao ano. Além disso, apesar de reduzir o risco de CHC, essas medicações não eliminam seu risco.

Após iniciado, quando optar por suspender os análogos de nucleosídeos:

  • Perda de HBsAg sustentada em pacientes não cirróticos.
  • Quando disponível, a dosagem do níveis de HBsAg quantitativos no final do tratamento auxiliam, tendo melhor prognóstico quando inferior a 100 UI/ml em asiáticos e a 1.000 UI/ ml em caucasianos.
  • O tratamento deve ser restabelecido se for detectado um aumento rápido no nível de DNA do VHB (para 3 a 4 log 10 UI/ml), independentemente do nível de transaminases.

O alfa interferon peguilado funciona também como imunomodulador. Existem estudos avaliando seu uso em associação ao tenofovir, induzindo maior perda de HBsAg em comparação à monoterapia.

Todavia, devido aos efeitos colaterais e contraindicações, na prática esse tratamento é raramente utilizado. Novas drogas antivirais estão em estudo para o tratamento do HBV, como inibidores de entrada, polímeros de ácido nucleico, moduladores de montagem de capsídeo, drogas modulando RNA e siRNA e oligonucleotídeos.

Estratégias de prevenção da hepatite B

A vacinação para hepatite B teve grande impacto na redução da incidência dessa infecção. No entanto, ainda existem limitações na cobertura vacinal global nas primeiras 24 horas do nascimento, o que poderia auxiliar a reduzir a transmissão vertical.

Além disso, as vacinas atuais não têm boa cobertura para o genótipo E, presente na África Ocidental, aumentando o risco de transmissão vertical nessa população. Apesar da OMS recomendar testagens direcionadas para população vulnerável ou de risco, sociedades importantes recomendam a testagem universal para todos os adultos > 18 anos, além da vacinação para os indivíduos não expostos ao vírus.

Mensagens práticas

Apesar da disponibilidade de vacinação e tratamento, o HBV continua sendo causa importante de morbimortalidade, devido à triagem inadequada, sendo muitas vezes diagnosticado tardiamente.

A busca de novas medicações antivirais com estratégias curativas podem modificar futuramente o tratamento da hepatite B crônica, porém devido à complexidade da integração do vírus ao genoma humano, isso é um desafio. Atualmente, devemos concentrar os esforços na triagem do vírus, indicação de vacinação aos pacientes sem imunidade, acompanhamento pré-natal adequado e tratamento nos casos indicados.

 

 

 

 

Texto publicado originalmente em: Portal PEBMED

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