A síndrome de Tourette foi descrita em 1885 como um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por movimentos involuntários.
A síndrome de Tourette é mais prevalente em homens, na razão 4:1 ao comparar com mulheres, sendo que possui prevalência estimada em 0,3-0,9% em crianças entre 4 e 18 anos e 0,002-0,08% em adultos.
No final do ano de 2022, a Lancet Neurology publicou revisão sobre esse tema ressaltando atualizações de seu tratamento que incluem terapias comportamentais, farmacológicas e as terapias emergentes como neuromodulação não invasiva e estimulação cerebral profunda (DBS).
Conjuntura clínica e diagnóstico
O marco clínico da síndrome de Tourette consiste na presença de tiques motores e fônicos. Os tiques são movimentos involuntários ou semi-involuntários em que podem ser precedidos por sensação de urgência premonitória. Além disso, alguns indivíduos com tiques tem a habilidade de conseguir suprimir voluntariamente esse movimento por curto período.
Os tiques podem ser simples e complexos. Tiques motores simples são movimentos repetitivos de um grupo muscular único ou parte corporal (ex.: piscamento, estalar de dedos), enquanto tiques motores complexos são movimentos envolvendo múltiplos grupos musculares (ex.: girar enquanto caminha, careteamento e torção cervical).
Já os tiques fônicos simples são vocalizações não verbais (ex.: sílabas únicas, barulhos), enquanto tiques fônicos complexos incluem combinação de sons, palavras ou frases. Entre os tiques complexos, há a coprolalia em que o paciente pode realizar gestos ou vocalizações inapropriadas.
A síndrome de Tourette é frequentemente acompanhada por transtornos psiquiátricos como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno do espectro autista, entre outros.
Em estudo observacional com 1.374 pacientes, síndrome de Tourette isolada (sem transtornos psiquiátricos) é uma exceção: acima de 88% apresentou pelo menos 1 distúrbio psiquiátrico enquanto 58% foram diagnosticadas com pelo menos 2.
O diagnóstico de síndrome de Tourette é clínico. Na tabela abaixo, confira seus critérios de acordo com o DSM-5.
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS SÍNDROME DE TOURETTE SEGUNDO DSM-5
- Tiques devem ser iniciados em crianças abaixo de 18 anos.
- Indivíduos devem apresentar tiques por pelo menos 1 ano.
- Presença de pelo menos 2 tiques motores e 1 tique fônico.
- O tempo de instalação dos sintomas é variável.
- Os tiques comumente se iniciam entre os 3 e 8 anos de idade, frequentemente iniciando com tiques motores seguido por tiques fônicos.
A gravidade dos tiques e os transtornos psiquiátricos geralmente melhoram conforme a idade. Vale ressaltar, em estudo longitudinal prospectivo com 314 indivíduos, que apenas 17% apresentaram remissão completa após 16 anos e 60% apresentou persistência de tiques leves-moderados; contudo, 23% dos indivíduos afetados com síndrome de Tourette apresentaram tiques persistentes e graves em fase adulta.
Tratamento
-
Terapias comportamentais
A Intervenção Comportamental Abrangente para Tiques (CBIT) é considerada medida efetiva na redução de tiques, tanto em crianças como adultos, segundo as diretrizes da American Academy of Neurology (AAN) e da European Society for Study of Tourette Syndrome (ESSTS). Um dado interessante é que, na diretriz da AAN, a CBIT é considerada a única terapia com alta confiança para eficácia.
É recomendado que a CBIT seja a opção terapêutica inicial, antes de introdução farmacológica ou de outras terapias não farmacológicas. Foi demonstrado que a CBIT pode reduzir o número e a gravidade de tiques em torno de 26-31% na escala de Yale Global Tic Severity Scale (YGTSS) em alguns estudos.
Uma das etapas principais da CBIT envolve o treinamento reverso de hábitos, em que consiste no treinamento do indivíduo afetado em se autoconscientizar acerca da sensação de urgência premonitória e dos tiques.
Embora as terapias comportamentais sejam eficazes para muitos indivíduos acometidos com síndrome de Tourette, alguns pacientes podem ser mau-respondedores. Alguns estudos têm se proposto a avaliar fatores preditores para resposta de terapia comportamental.
Por ora, ansiedade e gravidade de urgência premonitória podem sugerir maior refratariedade à terapia – contudo, ainda são necessárias futuras pesquisas para avaliação desses fatores preditores.
-
Terapias farmacológicas
A classe de drogas que pode ser utilizada para tratamento no controle de tiques consiste nos agonistas alfa-adrenérgicos, antipsicóticos típicos e atípicos e drogas antiepilépticas.
De acordo com a AAN, as terapias farmacológicas não possuem alta confiança em eficácia em decorrência de escassez de ensaios clínicos rigorosos.
Já a ESSTS sugere uma hierarquia na seleção de medicamentos baseado em evidências como também em opinião de especialistas. De acordo com o ESSTS, aripiprazol foi a escolha mais prevalente entre todas as faixas etárias de pacientes.
Opções farmacológicas de primeira linha: Antipsicóticos atípicos (ex.: aripiprazol, risperidona).
Opções farmacológicas de segunda linha:
- Antipsicóticos típicos (ex.: haloperidol, pimozida);
- Anticonvulsivantes (ex.: topiramato);
- Antidepressivos (ex.: desipramida);
- Toxina botulínica – para tiques focais.
-
Terapias emergentes (neuromodulação)
São terapias ainda em fase de pesquisa. Os tratamentos de neuromodulação são divididos em modalidades não invasivas e invasivas. Muitos ensaios clínicos têm investigado neuromodulação não invasiva como a Estimulação Magnética Transcraniana por corrente contínua.
Essa terapia é considerada, em geral, segura e consiste em estimular áreas motoras corticais (como córtex motor e área motora suplementar) em que a racionalidade subjacente a essa terapia está atrelada em modular a atividade neural patológica envolvida nas conexões cerebrais relacionadas à síndrome de Tourette.
Vale constatar que as últimas diretrizes da AAN e da ESSTS não recomendam estimulação cerebral não invasiva para tratamento de tiques.
A estimulação cerebral profunda (DBS) é um tratamento neurocirúrgico promissor que pode ser cautelosamente selecionado para indivíduos gravemente acometidos com síndrome de Tourette que possuem refratariedade ao tratamento.
Apesar de não ser terapia aprovada formalmente pelo FDA ou por agências reguladoras de outros países, alguns estudos multicêntricos retrospectivos e metanálises demonstraram associação de melhora da gravidade dos tiques em torno de 45,1-52,7%.
O perfil de segurança do DBS para síndrome de Tourette geralmente é favorável quando realizado por equipe multidisciplinar experiente.
Texto publicado originalmente no site de notícias e artigos PEBMED