Nos últimos dias, as quatro primeiras mortes relacionadas ao monkeypox, vírus causador da doença conhecida popularmente como varíola dos macacos, foram confirmadas fora do continente africano.
A primeira delas aconteceu no Brasil, outras duas ocorreram na Espanha e no dia 1 de agosto, um óbito foi confirmado na Índia.
Pelo que se sabe até agora, o monkeypox causa um quadro autolimitado, que se resolve em duas a quatro semanas, e mais de 99% dos pacientes infectados se recuperam bem.
Mas existem alguns grupos — crianças menores de oito anos, pacientes com sistema imunológico comprometido, indivíduos com histórico de doenças inflamatórias de pele, gestantes e lactantes — que correm um risco maior de desenvolver complicações mais graves.
Entenda a seguir por que isso acontece e o que os números mais recentes dizem sobre a taxa de mortalidade do monkeypox.
Primeiros óbitos
Até o dia 28 de junho, a Organização Mundial da Saúde (OMS) contabilizava cinco mortes relacionadas ao surto atual. Todas elas haviam acontecido em países africanos, onde a doença é endêmica.
Os três primeiros óbitos fora da África foram confirmados no final de julho.
No Brasil, o Ministério da Saúde anunciou que um homem de 41 anos, que havia sido diagnosticado com monkeypox, morreu em Belo Horizonte (MG).
Em nota, o ministério detalhou que tratava-se de um paciente “imunossuprimido, com outras comorbidades relevantes e histórico de tratamento quimioterápico”.
Mais tarde, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que o paciente tinha linfoma, um tipo de câncer que afeta partes do sistema imunológico.
Horas depois, o governo da Espanha também revelou a morte de dois pacientes que estavam com a doença.
De acordo com reportagem do El País, a causa do óbito de ambos foi a encefalite, um tipo de inflamação no cérebro que pode ser a consequência de uma infecção viral.
O texto diz que as vítimas são “homens jovens” e afirma que investigações estão em andamento para entender melhor as razões do agravamento e da morte deles.
Já na Índia, a morte de um homem de 22 anos foi o primeiro óbito pela doença confirmado na Ásia.
Número abaixo do esperado
Por ora, as mortes relacionadas ao monkeypox são consideradas raras.
“Se a gente analisar a taxa de mortalidade do surto atual, ela fica bem abaixo de 1%”, calcula a infectologista Mirian Dal Ben, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
De acordo com o portal Our World In Data, já foram confirmados mais de 21 mil casos da doença até o momento e, como mencionado anteriormente, são oito mortes até agora.
Falamos, portanto, de uma taxa de 0,0003% — ou uma morte a cada 2,6 mil indivíduos que testaram positivo.
Esses números estão bem abaixo das estimativas anteriores. A própria OMS calcula que, em surtos ocorridos no passado em alguns países africanos, a letalidade da doença variava entre 3 e 6%.
Essa redução da taxa de mortalidade observada até o momento está relacionada a dois fatores principais. Primeiro, a falta de informações precisas e detalhadas sobre a endemia de monkeypox que ocorre há décadas em diversos países africanos.
“Talvez, na África, a doença já tivesse uma manifestação mais branda. Mas, como são países pobres e falamos aqui de uma doença negligenciada, é possível que apenas os casos mais graves chamassem a atenção das autoridades”, raciocina o médico Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.
“Agora que o vírus atingiu países mais ricos, que têm sistemas de notificação e testagem maiores, tornou-se possível conhecer com detalhes a doença e suas manifestações, mesmo nos casos mais leves”, complementa o especialista, que também é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
O segundo ponto tem a ver com o tipo de vírus que está circulando com mais intensidade fora da África. Pelo que se sabe até agora, existem dois clados (ou subtipos) principais do monkeypox: a versão da Bacia do Congo e a da África Ocidental.
Esses nomes, inclusive, têm sido alvo de muitas críticas de especialistas, que pedem para que as instituições internacionais utilizem nomenclaturas mais neutras, para não estigmatizar algumas regiões ou os seus moradores (a exemplo do que foi feito na pandemia de covid-19, em que foram adotadas letras gregas para nomear as variantes do coronavírus).
“O da Bacia do Congo tem uma mortalidade maior, que pode chegar até a 6% dos casos”, calcula Dal Ben.
“Mas o subtipo que está por trás da maioria das infecções fora da África é a da África Ocidental, em que a mortalidade é menor que 1%”, diz.
Quem tem mais risco
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos esclarece que as infecções com o subtipo de monkeypox identificado no surto atual são raramente fatais.
A entidade reforça que mais de 99% das pessoas vão desenvolver as formas leves da doença e ficarão bem depois de algumas semanas.
Há, porém, quatro grupos em que a doença pode ser mais grave e há um risco maior de morte. São eles:
- Pessoas com o sistema imune enfraquecido;
- Crianças com menos de oito anos;
- Pessoas com histórico de doenças inflamatórias na pele;
- Gestantes e lactantes.
Nesses indivíduos, as células de defesa podem não estar suficientemente preparadas para lidar com o vírus.
“Com isso, o monkeypox deixa de acometer apenas a pele, com a formação das lesões e feridas, e chega a comprometer órgãos vitais, como os pulmões e o cérebro”, detalha Barbosa.
Entre as possíveis complicações da doença nas crianças, o CDC cita quadros como encefalite (apontada como a causa das duas mortes na Espanha), pneumonia, sepse e obstrução respiratória pelo inchaço dos vasos linfáticos, além de inflamações na pele e nos olhos.
Que fique claro: pelo visto até agora, esses episódios são raros e costumam acontecer com mais frequência quando o indivíduo é acometido pelo subtipo da Bacia do Congo, que não é o monkeypox responsável pelo surto atual em várias partes do mundo.
No momento, de acordo com um estudo britânico publicado no final de julho, cerca de 13% dos pacientes diagnosticados com monkeypox precisaram ficar internados.
As principais causas de hospitalização foram dor severa no ânus e no reto, infecções oportunistas e, mais raramente, faringite, lesões oculares, crise renal aguda e miocardite (um tipo de inflamação que afeta o coração).
Como proteger a si e aos outros
O primeiro passo é ficar atento aos sintomas e buscar a avaliação médica se eles aparecerem.
“Qualquer lesão que comece com um edema ou uma pequena vermelhidão e evolua para uma placa, tenha líquido, forme ferida e crostas, pode ser monkeypox”, descreve Barbosa.
Essas manifestações podem aparecer no ânus, nos genitais, no rosto e nas mãos.
“A lesão também pode ser acne, herpes, herpes-zóster ou uma série de outras coisas. Mas, na dúvida, é importante procurar atendimento médico e fazer um teste”, complementa.
Caso o exame confirme a presença desse agente infeccioso, os profissionais de saúde recomendam fazer um isolamento e evitar o contato próximo com outras pessoas até que as feridas estejam completamente cicatrizadas (mesmo a casquinha delas ainda carrega vírus).
Ao limitar a interação e o compartilhamento de objetos de uso pessoal, o paciente diminui o risco de transmitir o vírus adiante e evita a criação de novas cadeias de contágio na comunidade.
Alguns países, como Reino Unido, Espanha e Estados Unidos, já iniciaram campanhas de vacinação contra o monkeypox, mas ainda não há previsão de quando as primeiras doses devem chegar ao Brasil.
Por ora, não está claro se a camisinha ajuda a proteger contra esse vírus — embora o uso de preservativos continue a ser primordial para impedir a transmissão de várias infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como HIV, sífilis, gonorreia e algumas hepatites.
– Este texto foi publicado em BBC News