A insuficiência cardíaca (IC) continua sendo importante causa de internação e óbito e o tratamento medicamentoso ajuda a reduzir esses eventos. As medicações classicamente utilizadas para o tratamento da IC com fração de ejeção reduzida (FER) são os inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA), beta bloqueadores (BB) e antagonistas dos receptores mineralocorticoides (ARM).
Nos últimos anos, houve o surgimento de novas medicações com benefício importante: sacubitril/valsartana (INRA), ivabradina e mais recentemente os inibidores do SGLT2 (iSGLT2), o vericiguat (estimulador da guanilato ciclase) e o omecamtiv-mecarbil (ativador da miosina cardíaca específica).
Inicialmente, os estudos que avaliaram essas medicações eram feitos de forma sequencial, com a soma do efeito de uma nova medicação em pacientes que já estavam em uso de outras sabidamente benéficas. Porém, os estudos mais recentes foram feitos de forma paralela e assume-se que o benefício de cada uma se some no resultado final, já que as drogas mais recentes atuam de forma diferente.
Baseado nisso, foi feita uma revisão sistemática e metanálise, com objetivo de estimar e comparar o benefício agregado do tratamento farmacológico da IC FER.
Tratamento da insuficiência cardíaca
Os estudos foram selecionados nas bases de dados Medline, Embase e Cochrane. Foram incluídos ensaios clínicos randomizados de 1987 a 2021 que avaliaram as classes de medicações citadas acima, além de digoxina, dinitrato de isossorbida e hidralazina em pacientes ambulatoriais ou após estabilização se internados. Estudos que incluíram pacientes com outro diagnóstico concomitante, como infarto agudo do miocárdio, os que incluíram pacientes na fase aguda de descompensação da IC ou os que comparam medicações da mesma classe foram excluídos.
O desfecho principal avaliado foi mortalidade por todas as causas, mas também foi analisado o desfecho composto de morte cardiovascular, hospitalização por IC, morte cardiovascular isolada e a probabilidade de descontinuação da medicação por qualquer motivo. Além disso, foi feita uma análise secundária com estimativa da redução de risco absoluto e o potencial número de anos de vida ganhos em populações de dois estudos (BIOSTAT-CHF e ASIAN-HF) que incluíram pacientes com IC em uso de diferentes combinações de tratamento.
Resultados
Foram incluídos 75 estudos com um total de 95.444 pacientes, que representaram 199.978 pessoas-ano de seguimento. Do total de pacientes, 23% eram mulheres e a idade e FE eram comparáveis entre os estudos. Em apenas três estudos a maioria dos pacientes estava em classe funcional (CF) III ou IV da New York Heart Association (NYHA), na maioria estavam em CF II. Do total de estudos, 11 incluíram menos de 100 pacientes e 23 incluíram mais de 1000. O tempo de seguimento médio foi 11 meses.
A maioria dos estudos foi multicêntrico, duplo-cego e placebo controlado e, no geral, o risco de viés foi baixo. Em relação a mortalidade por todas as causas, as medicações que levaram às maiores reduções foram INRA (HR 0,75; IC95% 0,66-0,85), ARM (HR 0,76; IC95% 0,67-0,85), BB (HR 0,78; IC95% 0,72-0,84), IECA (HR 0,89; IC95% 0,82-0,96) e iSGLT2 (HR 0,88; IC95% 0,78-0,99), nesta ordem.
Neste estudo, BRA, vericiguat e omcamtiv-mecarbil tiveram tendência de redução de mortalidade, porém sem significância estatística. Em relação ao desfecho composto, as maiores reduções foram com ARM (HR 0,62; IC95% 0,54-0,72) e iSGLT2 (HR 0,70; IC95% 0,63-0,77).
Em relação às combinações de medicações, o uso de INRA, BB, ARM e iSGLT2 foi a que teve maior redução de mortalidade por todas as causas (HR 0,39; IC95% 0,31-0,49). Não houve diferença estatística em benefício quando comparado esse grupo de medicações com INRA, BB, ARM e vericiguat ou INRA, BB, ARM e omecamtiv-mecarbil.
Apenas 16 estudos tinham resultados de desfecho composto de mortalidade ou internações por IC e 43 tinham resultados de mortalidade cardiovascular isolada. A combinação INRA, BB, ARM e iSGLT2 foi a mais eficaz em reduzir o desfecho composto comparado a IECA isoladamente (HR 0,36; IC95% 0,29-0,46), assim como comparada a outras combinações. Quanto à mortalidade cardiovascular isoladamente, a combinação INRA, BB, ARM e iSGLT2 também foi a mais eficaz (HR 0,33; IC95% 0,26-0,43).
O risco de interrupção das medicações por qualquer motivo foi menor para os IECA e INRA e maior para os BRA, sem diferença entre as outras classes e o placebo.
Para a avaliação de ganho de anos de vida, foram utilizados dois grandes estudos, citados acima, que somaram 7376 pacientes. A idade média era 63 anos, 23% eram mulheres e 43% estavam em CF III ou IV. No seguimento médio de 22 meses houve 1287 óbitos (19%). No início do estudo 77% estavam usando IECA ou BRA, 82% BB e 55% ARM. Com os cuidados atuais, a estimativa de anos de vida ganhos aos 50 anos ao se tratar todos os pacientes com INRA, BB, ARM e iSGLT2 foi de 4,9 anos e aos 70 anos foi de 3,3 anos. Comparado ao placebo, o tratamento com INRA, BB, ARM e iSGLT2 aumentou 7,9 anos de vida aos 50 anos e 5 anos aos 70 anos.
Conclusão
Esse estudo mostrou que a combinação com maior benefício, tanto em redução de mortalidade por todas as causas, redução de mortalidade e internações e redução de mortalidade cardiovascular foi a combinação de INRA, BB, ARM e iSGLT2. Além disso, na análise secundária foi possível estimar um ganho de até cinco anos a partir dos 70 anos, sendo esse ganho maior ainda em pacientes mais jovens. Esses resultados foram consistentes nas análises de sensibilidade e foram semelhantes nas duas coortes avaliadas para cálculo de ganho de anos de vida.
Algumas limitações foram que não foram levadas em conta as doses das medicações e não foi possível avaliar a associação de vericiguat e omecamtiv-mecarbil com iSGLT2. Apesar disso, os resultados deste estudo são importantes para auxiliar na decisão de tratamento e escolha das medicações, principalmente na presença de polifarmácia, o que pode prejudicar a aderência ou aumentar a ocorrência de efeitos colaterais e interações medicamentosas.
Ainda, esses resultados sugerem benefício do INRA em comparação aos IECA e BRA, o que pode resultar em mudanças na escolha do início do tratamento do pacientes com IC, já que atualmente a indicação é utilizar qualquer uma dessas três classes.
Fonte: Portal PEBMED