Quando nasceu o filho de Mukta em Daca, capital de Bangladesh, em dezembro de 2021, logo ficou claro para os médicos que ele precisava de atendimento de emergência.
Sua mãe, com 32 anos de idade, prefere ser chamada pelo primeiro nome. Ela e seu marido passaram 11 anos em dificuldades para conceber, até que ela finalmente ficou grávida após um tratamento de infertilidade.
Mas complicações durante a gestação levaram a um parto prematuro por cesariana de emergência no oitavo mês de gravidez.
O bebê pesava apenas 1,4 kg e foi colocado em ventilação mecânica. Ele também recebeu uma injeção de antibióticos para evitar infecções bacterianas que afetam o fluxo sanguíneo – uma condição conhecida como sepse neonatal, que pode levar à morte.
Inicialmente, o bebê parecia estar se curando, mas tudo piorou aos 11 dias de vida. Ele apresentou letargia e seus níveis de oxigênio no sangue caíram vertiginosamente.
Os médicos realizaram um exame de sangue que revelou que ele sofria de sepse neonatal, mas não conseguiram descobrir qual o germe causador da doença. O exame de hemocultura não mostrou nenhum resultado.
A melhor opção dos médicos parecia ser tratá-lo com mais uma rodada de antibióticos, diferentes dos usados na primeira injeção.
Esta medida ajudou, até que ele contraiu sepse novamente, desta vez causada pela bactéria Serratia marcesens, que é uma fonte comum de infecções neonatais.
Mas, desta vez, não havia esperança. A bactéria era resistente a todos os antibióticos testados pelos médicos. Menos de um mês se passou até que Mukta perdesse seu amado e tão esperado bebê.
Em todo o mundo, estima-se que 15 a 24% de todas as mortes neonatais sejam causadas por sepse. Esta condição devastadora inicialmente pode parecer inofensiva, mas se deteriora rapidamente. Ela é mais comum em recém-nascidos do que em qualquer outra faixa etária e afeta cerca de três milhões de bebês em todo o mundo.
Eles podem ser infectados com bactérias perigosas antes, durante ou depois do parto, por exemplo, se uma infecção da mãe for transmitida para a criança ou se o ambiente não for esterilizado. Como os sistemas imunológicos dos bebês ainda não estão totalmente desenvolvidos, eles podem ter dificuldades para combater a infecção.
Nos países mais pobres, onde o acesso à assistência médica e a equipamentos e instalações esterilizadas pode ser difícil, os riscos são maiores para os recém-nascidos. Estima-se que a incidência de sepse neonatal seja 1,8 vezes mais alta em países com renda média e 3,5 vezes mais alta em países de baixa renda, em comparação com as nações mais ricas.
O sul da Ásia tem um dos índices mais altos dessa condição assustadora: 39% das mortes por sepse neonatal em todo o mundo ocorrem naquela região.
E, agora, um novo inimigo está tornando a sepse neonatal ainda mais perigosa: as chamadas superbactérias, que adquiriram resistência a antibióticos.
Essa resistência antimicrobiana pode impedir os médicos de combater infecções violentas. Os remédios que antes eram eficazes não funcionam mais e a vida do pequeno paciente se esvai, apesar de todos os esforços para ajudá-lo.
“Temos visto que o crescimento da resistência antimicrobiana em países em desenvolvimento está aumentando muito o problema da sepse neonatal”, afirma Mohammed Shahidullah, professor de neonatologia da Universidade Médica Bangabandhu Sheikh Mujib, em Bangladesh.
Ele é também presidente do Comitê Nacional de Trabalhos Técnicos sobre a Saúde dos Recém-Nascidos do país e foi um dos médicos que tentaram salvar o bebê de Mukta.
“A sepse neonatal é agora uma das principais causas de internação e mortes nos hospitais de Bangladesh”, segundo ele. “É uma perda devastadora.”
Mas como o uso excessivo de antibióticos, que salvaram tantas vidas humanas desde que foram inventados nos anos 1940, acabou inadvertidamente criando uma superameaça para os bebês mais vulneráveis do mundo?
O problema das superbactérias
Em 2021, a primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, alertou os líderes mundiais que a resistência aos antibióticos pode crescer até tornar-se uma emergência de saúde pública maior que a covid-19, se não for combatida.
E os cientistas também já vinham alertando há vários anos que o uso crescente de antibióticos estava se tornando um problema.
Em todo o mundo, os hospitais vêm lidando com superbactérias mortais, resistentes à medicação. Elas evoluem porque os antibióticos matam a maioria das bactérias, mas não todas – algumas sobrevivem porque têm genes que as tornam resistentes.
Essas bactérias sobreviventes então se reproduzem e conseguem transferir seus genes de resistência à medicação para outras bactérias (incluindo outras espécies de bactérias) próximas, em um processo conhecido como transferência horizontal de genes.
O resultado é que os hospitais podem tornar-se campos de cultivo de linhagens resistentes e os remédios, antes poderosos, perdem cada vez mais a sua eficácia.
Por isso, quando bebês são infectados com sepse em ambientes hospitalares, é muito mais provável que as bactérias responsáveis pela infecção sejam resistentes aos remédios disponíveis do que quando a infecção surge depois que os bebês já estão em casa, segundo Shahidullah.
Uma importante recomendação das autoridades globais de saúde é evitar esta resistência, antes de tudo, utilizando antibióticos com cautela – apenas quando são realmente necessários e sem disseminar o seu uso, para evitar que as bactérias sejam efetivamente treinadas para sobreviver a eles.
Mas, enquanto isso, o uso excessivo de antibióticos e as superbactérias que esse uso ajuda a criar já estão causando danos importantes. Está ficando mais difícil tratar de enfermidades como infecções do trato urinário e sepse, o que coloca as pessoas vulneráveis em risco. E um grupo particularmente vulnerável são os recém-nascidos.
Bebês ‘invisíveis’
Embora a mortalidade infantil até os cinco anos de idade tenha caído muito nas últimas décadas, a “sobrevivência neonatal enfrenta defasagem”, segundo um relatório da Parceria Global sobre Pesquisa e Desenvolvimento de Antibióticos (GARDP, na sigla em inglês).
E a sepse é um risco particularmente mortal: “em questão de horas, um bebê com sepse pode correr o risco de morrer. Para piorar, a resistência a antibióticos reduz a probabilidade dos bebês de sobreviver à sepse neonatal”, segundo o relatório.
Como ocorreu no caso do bebê de Mukta, os médicos podem tentar um remédio atrás do outro, apenas para descobrir que nenhum deles funciona.
“O maior desafio no combate à sepse em bebês é saber qual organismo está causando a infecção. Nem sempre é possível isolar [a bactéria] em alguns casos, ou mesmo determinar se eles têm infecção”, segundo Sally Ellis, líder de projeto do programa de antibióticos infantis do GARDP.
O diagnóstico é dificultado pela presença frequente de outras condições similares à sepse, especialmente em bebês prematuros, e pela ausência de exames de diagnóstico ideais, segundo ela.
Um estudo separado concluiu que, em 2019, cerca de 140 mil mortes de recém-nascidos em todo o mundo foram causadas pela resistência das bactérias a antibióticos. E, ainda assim, “os bebês permanecem negligenciados e invisíveis na reação geral à resistência a antibióticos”, afirma o relatório do GARDP.
O GARDP e seus parceiros analisaram 3,2 mil casos de bebês recém-nascidos com sepse clinicamente diagnosticada, para tentar compreender melhor o impacto da resistência a antibióticos. O objetivo foi descobrir quais antibióticos são usados para tratar recém-nascidos com sepse e até que ponto a resistência à medicação tornou esses tratamentos ineficazes.
O estudo foi conduzido em 19 hospitais de 11 países em quatro continentes, cobrindo diversas faixas de renda.
Uma descoberta importante foi que os hospitais que tratam de recém-nascidos com sepse utilizam cada vez mais os remédios considerados como último recurso – porque as opções originais perderam a eficácia.
Ampicilina e gentamicina, que são recomendadas como primeira opção padrão, foram usadas em apenas 13% dos casos. Já antibióticos poderosos considerados a última linha de defesa – conhecidos como carbapenêmicos – foram receitados a 15% dos bebês, um número surpreendentemente grande.
“Isso é alarmante e indica a crise iminente de falta de antibióticos para o tratamento da sepse, causada pelos organismos resistentes a múltiplos medicamentos”, afirmaram os pesquisadores no seu relatório.
Em outras palavras, os médicos estão buscando armas cada vez mais poderosas na forma de medicações de último recurso – até que estas também não funcionem mais.
Os detetives da sepse
Na Índia, cerca de 20% das mortes neonatais do país – que totalizam um milhão por ano – são causados por sepse, segundo dados do Centro de Dinâmica, Economia e Política de Doenças (CDDEP, na sigla em inglês), uma organização de pesquisa em saúde pública com sede na Índia e nos Estados Unidos. Dessas mortes, 58 mil são resultado direto da resistência a antibióticos.
Em outros países, os dados são incompletos ou inexistentes, o que dificulta a análise da escala da crise. E, mesmo na Índia, o problema é subavaliado, segundo o neonatologista M. Jeeva Sankar, do Instituto Indiano de Ciências Médicas na capital da Índia, Nova Déli.
Em 2019, Sankar e seus colegas vasculharam dois importantes bancos de dados de documentos científicos publicados, em busca de estudos sobre a sepse neonatal. Eles concluíram que existem muito poucos dados sobre sepse na Ásia, embora a região abrigue uma imensa parcela da população mundial.
“Para os 25 milhões de bebês que nascem na Índia todos os anos (quase o tamanho da população da Austrália), tivemos apenas 64 estudos sobre sepse neonatal entre janeiro de 2000 e agosto de 2018”, afirma Sankar.
“No mesmo período, o Paquistão publicou 16 estudos; Bangladesh, seis; e o Sri Lanka, apenas um. Definitivamente, precisamos de mais dados e mais acompanhamento para estudar melhor este assunto.”
Os pesquisadores publicaram suas conclusões sobre essa imensa lacuna de dados em um relatório no British Medical Journal, indicando que o sul da Ásia e a África subsaariana são particularmente afetados pela sepse neonatal, o que aumenta ainda mais a urgência de reunir dados confiáveis nessas regiões.
Eles também destacam que a pobreza e a desigualdade de acesso à assistência médica torna os bebês mais vulneráveis a contrair a sepse e esta situação é agravada pela “acentuada resistência antimicrobiana”.
A detecção precoce da sepse pode ajudar, mas, nos países de baixa renda, onde há poucas instalações de diagnóstico, o número de casos não relatados e não diagnosticados permanece alto, segundo o médico Shyam Sundar Budhathoki, especialista em saúde pública do Imperial College de Londres, que trabalhou anteriormente no Nepal.
Nesses países, a resistência aos medicamentos pode também não ter recebido a atenção necessária porque “as prioridades em saúde pública são definidas com base nas prioridades de solução de problemas imediatos e visíveis”, segundo ele.
Em outras palavras, outras ameaças à saúde dos recém-nascidos podem simplesmente parecer mais urgentes – como infecções em geral ou a desnutrição. Isso pode fazer com que uma cadeia causal mais complexa, como as mortes neonatais por sepse geradas pela resistência a antibióticos, “seja ignorada”, segundo ele.
Um novo quadro
Mas os pesquisadores também fizeram descobertas recentes, potencialmente inovadoras, que podem ajudar na luta contra a sepse neonatal resistente a medicamentos.
Existem, por exemplo, diferenças fundamentais entre a natureza das bactérias causadoras de sepse neonatal nos países ricos e nos países de renda média e baixa. Isso, por sua vez, afeta a forma do seu tratamento.
Segundo Sankar, nos países mais ricos, alta quantidade de sepse neonatal é causada por bactérias classificadas como “Gram-positivas” – organismos que fornecem resultado positivo em um teste conhecido como teste de coloração de Gram, utilizado para classificar bactérias.
É importante observar que esses casos parecem ser predominantemente causados por poucos tipos diferentes de bactérias: por exemplo, certas linhagens de Streptococcus (tipicamente encontradas no intestino e no trato vaginal da mãe) e Staphylococcus (encontradas na superfície da pele).
Mas, nos países com renda média e baixa, parece haver uma parcela maior de infecções “causadas por bactérias Gram-negativas, tipicamente encontradas no intestino”, segundo Sankar. Isso pode ocorrer devido a más condições sanitárias, por exemplo.
E, também, uma ampla variedade de micróbios parece ser responsável por essas infecções de sepse Gram-negativas, que tendem a exibir altas taxas de resistência antimicrobiana, entre 50 e 70%.
“É por isso que os países de renda média e baixa estão observando maior mortalidade causada por sepse neonatal do que as nações desenvolvidas”, afirma ele. A existência de muitos micróbios diferentes dificulta a padronização de um protocolo de tratamento “na forma em que é feito no Ocidente”.
Por isso, os médicos dos países mais pobres precisam imaginar qual micróbio teria causado a sepse, esperar que ele apareça nos exames disponíveis e só então ver se ele pode ser combatido com antibióticos.
E muitos dos antibióticos de último recurso disponíveis apresentam o risco de efeitos colaterais sérios em pacientes, de forma que usá-los em recém-nascidos traz riscos adicionais.
Existem esperanças de que combinações de diversos antibióticos em uma só dose possam oferecer novas formas de combater linhagens resistentes a medicamentos de forma segura para uso em bebês. Mas a disponibilidade desses complexos tratamentos com antibióticos alternativos ainda é limitada nos países em desenvolvimento.
Como vencer as superbactérias
Por mais assustadoras que sejam as bactérias resistentes a antibióticos, médicos e pacientes dispõem no seu arsenal de outra tática, importante e mais básica: a boa higiene.
No passado, acreditava-se que, quando um bebê fosse infectado em até 72 horas após o nascimento, a infecção provavelmente teria sido causada por bactérias contraídas no trato vaginal ou intestinal da mãe no momento do parto. E, se a sepse ocorresse mais tarde, acreditava-se que ela fosse o resultado de má higiene, seja na unidade de assistência neonatal ou em casa.
Mas esta visão ficou muito mais indefinida nos últimos anos.
Pesquisas recentes, incluindo um estudo de Sankar e seus colegas, indicaram que as bactérias causadoras da sepse precoce e posterior não eram tão diferentes. Isso sugere que a má higiene pode ser responsável por uma série de casos de sepse, mesmo aquelas que ocorrem logo após o parto.
“Isso torna ainda mais importante a necessidade de desinfecção e manutenção de um protocolo que garanta um ambiente limpo e higiênico”, afirma Sankar.
Mas metade dos postos de assistência médica em todo o mundo não têm disponibilidade do básico – água e sabão -, segundo um relatório da OMS/Unicef publicado em 2022. E esta situação contribui para o risco de infecções entre as mães e os recém-nascidos.
Outras medidas simples podem ajudar a evitar infecções em ambientes médicos, como usar luvas esterilizadas em unidades de terapia intensiva, esfregar e limpar superfícies e equipamentos e desinfetar a pele do recém-nascido antes de administrar injeções ou de aplicar soro.
Mas é necessário ter treinamento e pessoal especializado para sua implementação, além de ensinar boas práticas de higiene para os pais, segundo Shahidullah.
Bangladesh também pretende incentivar mais mulheres a ter seus filhos em hospitais. Apesar das dificuldades com as superbactérias, as instalações hospitalares tendem a ser a opção mais segura.
Quase a metade das mulheres de Bangladesh ainda tem seus filhos em casa, com risco mais alto de contrair infecções. E, no Nepal, a sepse neonatal é mais alta entre os filhos de mães que não fizeram check-up pré-natal, o que novamente destaca a importância da assistência aos futuros pais.
Por fim, combater a crise da resistência a medicamentos exigirá uma ampla série de ferramentas diferentes, segundo os especialistas.
“Para mudanças mais generalizadas, precisamos considerar a resistência antimicrobiana como um desafio sociopolítico e não apenas médico”, afirma Abdul Ghafur, consultor sobre doenças infecciosas do Instituto do Câncer Apollo da cidade de Chennai, no sul da Índia.
Junto com outros médicos indianos, Ghafur defende ativamente o combate à ameaça das superbactérias. “Condições sanitárias adequadas em casa, nas instituições de assistência médica e nas comunidades são fundamentais para combater a sepse neonatal agravada pela [resistência a antibióticos] e evitar a reinfecção nas crianças”, afirma ele.
Encontrar novos antibióticos deve ser considerado prioridade imediata: “a covid nos mostrou que a Índia pode ser a farmácia do mundo, desenvolvendo remédios inovadores”, segundo Ghafur.
Ele sugere que nos concentremos em desenvolver exames para identificar a fonte da infecção o mais rápido possível.
“Um exame de diagnóstico rápido poderá ajudar os médicos a concentrar-se na prescrição do antibiótico correto em até uma hora, o que pode reduzir significativamente o risco de morte”, explica ele. “Novos antibióticos e vacinas podem ser desenvolvidos para bactérias que agora são resistentes aos antibióticos existentes.”
Para Ghafur, este deve ser um esforço global, com os governos trabalhando em conjunto com as empresas particulares.
Para famílias como a de Mukta, que perdeu seu filho para a sepse, esses avanços chegarão tarde demais. Mas combater a crise de antibióticos e o risco de infecção que rodeia o parto pode ajudar outras pessoas a ter seus bebês com segurança – e os médicos poderão proteger e salvar os que se encontram aos seus cuidados.
Como evitar sepse em crianças
A sepse é definida como um distúrbio dos órgãos, causado pela reação exacerbada do corpo a uma infecção, que pode causar a morte.
Em caso de suspeita de sepse, a reação comum dos médicos é administrar antibióticos ao paciente para tratar a infecção subjacente. Mas alguns organismos – as superbactérias – ficaram resistentes aos antibióticos, o que pode fazer com que o tratamento seja ineficaz.
A principal forma de prevenir a sepse em crianças é evitar as infecções que podem causá-la. O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês) recomenda manter as vacinas atualizadas, limpar eventuais feridas, tomar antibióticos segundo a prescrição médica (completando todo o cronograma, mesmo se o paciente se sentir melhor) e manter boa higiene, como lavar as mãos e ensinar as crianças a também lavar bem as suas mãos.
O NHS também destaca a importância de conhecer os sintomas da sepse em crianças e bebês, procurando auxílio rapidamente.
Importante:
Todo o conteúdo desta reportagem é fornecido apenas como informação geral e não deverá substituir o conselho profissional do seu médico ou de outro profissional de assistência médica. Consulte sempre o seu médico em caso de qualquer preocupação com a saúde.