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Sem muitas opções, mães e pacientes se ajudam para obter cannabis medicinal

No Brasil, a cannabis é ilegal. Por isso, produtos à base da planta são inacessíveis para a maioria dos pacientes, seja financeiramente ou por meio da lei. Então familiares tentam se ajudar como podem.

Imagine que você é uma mãe com um filho especial que precisa da cannabis medicinal para tratar convulsões, espasmos ou simplesmente acalmar por causa de um distúrbio autista, e só a planta dá resultados significantes.

Agora imagine que um extrato do óleo de cannabis custe no mínimo, 300 reais, mas você não tem esse dinheiro, ou o seu suprimento de óleo está quase no fim e o produto importado está preso na alfândega. Imagine também que você não pode plantar porque é contra a lei. Então o que você faz?

Essa é a realidade de muitas famílias no Brasil. Pelo menos 7 mil pessoas utilizam cannabis medicinal para tratar alguma doença. Há alguns processos pelo custeio do fitofarmacêutico pelo sus, mas é negado por muitas vezes. E quando é aceito, o Estado não garante o fornecimento, que pode ser por poucos meses. Por isso, as famílias precisam se desdobrar para conseguir o óleo.

No Brasil, plantar cannabis é ilegal e para poder usar, é necessária uma autorização da justiça, que segue uma série de restrições. E se a família quiser optar pelo cultivo e fazer a extração, é outro processo burocrático, que vai depender do juiz de cada estado.

S.O.S Cannabis

Pensando nisso, a enfermeira Margarida Maria das Graças Marques Lagame, de 71 anos criou um grupo no ano passado, chamado SOS Cannabis, que auxilia famílias de todo o Brasil na utilização da cannabis medicinal.

A ajuda vem de todas as formas, para encontrar um médico que prescreve a planta, auxílio jurídico e até socorrer pessoas que estão com escassez de óleo por algum motivo. O principal deles é que o produto, por muitas vezes importado, vive retido na alfândega.

Quase um ano depois, o grupo já conta com 403 membros de vários estados diferentes.  Para atender todo mundo, as mães se dividem: ao todo são 64 “mães acolhedoras”, que lideram os grupos da sua região através de grupos do whatsapp.

Só no Rio de Janeiro, estado de Margarida, são 18 acolhedoras regionais, que estão espalhadas por Friburgo, a Região Serrana, a Costa Verde, a Região dos Lagos, a grande Rio e outros lugares.

Elas se ajudam como uma fraternidade, esclarecendo dúvidas, compartilhando contato e até o seu próprio medicamento. “Não temos patrocínio, não somos remuneradas, não fazemos doações e nem vendas. É somente para ajudar” acrescenta Margarida.

Eis um exemplo de como funcionam os grupos de whatsapp:

Tocador de áudio

“Veja como funciona de imediato o SOS mães. A mãe de Manu (uma das mães do grupo) já recebeu a resposta de uma outra mãe que vai socorre-la. É assim que trabalhamos”

Como começou o S.O.S Cannabis?

Margarida tem um filho de 31 anos portador de Epilepsia Refratária e de difícil controle. Em 2015 ela descobriu uma mãe que dava o óleo de cannabis para a filha, depois que viu os resultados, decidiu aderir também.

De quase 70 crises epiléticas diárias, o óleo reduziu para apenas três ao dia, e muitas vezes, nenhuma. A mãe conta que ele chegou a ficar um ano e oito meses, sem nenhum sinal de crise, com exceção em novembro do ano passado, ela teve problemas com a exportação e as crises voltaram. “A qualidade de vida do meu filho é bem melhor hoje” ressalta.

Margarida conta que começou usando o óleo artesanal que foi útil no começo, mas não tanto para o organismo do filho. O uso da cannabis medicinal não tem uma fórmula única, é preciso testar para saber qual o melhor teor de CBD e THC e a concentração dos elementos.

Isso porque a genética de cada pessoa é única, por isso, a cannabis sempre vai reagir de formas diferentes no corpo de cada um.

Por isso, a mãe teve que recorrer ao produto importado. No Brasil, apenas um fitofarmacêutico à base de cannabis vindo de fora é permitido. No entanto, ele custa mais de dois salários mínimos, além da necessidade de uma autorização excepcional da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que segue uma série de restrições. Hoje ela consegue importar um mais em conta.

Eu tive que me desdobrar para conseguir importar o produto, foi aí que me tornei ativista” ressalta. Margarida já ajudava na Associação de Apoio à Pesquisas e Pacientes de Cannabis (APEPI), mas sentiu a necessidade de criar um grupo onde as mães pudessem se juntar e se ajudar mutuamente.

Opções aqui no Brasil

Produtos brasileiros à base de cannabis, também há apenas um autorizado. No entanto, ainda é inacessível para a maior parte dos pacientes, custando mais de dois mil reais.  Por isso, mesmo sendo ilegal, há muita gente que recorre a produtos artesanais, que custam em média de R$300,00 a R$500,00.

Mas há uma série de riscos, pois não é possível saber a procedência, a qualidade e nem mesmo se a concentração do THC e CBD são o que os vendedores dizem ser. Sem contar que sem uma regularização, os preços variam e não há uma garantia que o produto estará disponível no próximo mês.

Por causa disso, muitas mães e pacientes acabam recorrendo ao plantio ilegal. No Brasil, o cultivo, venda ou doação de cannabis é considerado tráfico de drogas, podendo resultar em uma pena de cinco a quinze anos de prisão, além de multas.

 Custeio por planos de saúde

Os gastos com crianças especiais são em média três vezes maiores do que uma criança sem deficiência, o que dificulta ainda mais os pacientes que precisam da cannabis medicinal. Por isso, o melhor caminho é recorrer para ações judiciais, seja para ter o aval para o plantio, o custeio do remédio pelo Estado ou até pelo plano de saúde.

Sim, o plano de saúde tem a obrigação de cobrir tratamentos com a cannabis medicinal. É o que diz a advogada Ana Izabel Carvana de Hollanda, que desde 2013 trabalha com ações contra planos de saúde. Até hoje ela participou de cerca de 60 ações sobre a planta.

As seguradoras, por muitas vezes, tentam negar este recurso com a justificativa de que certos tratamentos não estão na lista de tratamentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por isso, não são obrigados a cobrir.

Os planos de Saúde também alegam que o julgamento 990 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) onde desobriga os planos de saúde a fornecer medicamentos que não registrados na ANVISA.

No entanto, segundo a advogada, os remédios que devem ser fornecidos pelo plano, não se restringem a lista da ANS, os medicamentos listados são o mínimo estabelecido pelo Estado.

Para a segunda justificativa, é possível ressaltar que a ANVISA concedeu uma autorização excepcional para a importação de fitofármacos à base de cannabis, portanto, há um certo aval da agência para usar cannabis como tratamento.

No entanto, é preciso ter paciência. O processo vai até o STJ, o que dura em média dois anos, mas se indenizado, é possível recuperar.

Hoje a advogada também faz uma assistência jurídica para as mães da S.O.S Cannabis, e por muitas vezes, também pega os seus processos. “Quando eu vejo que a família é muito humilde, eu não cobro, ou então, peço 30% em cima das indenizações, se o caso não haja indenização eu não ganho nada”, complementa.

 

 

 

FONTE:

Tainara Cavalcante

Jornalista e produtora de conteúdo no Cannalize. Amante de literatura, fotografia e conteúdo de qualidade.

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