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O tema gravidez na adolescência voltou com destaque ao noticiário por conta da proposta do MDH (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) de inserir o incentivo à abstinência sexual como forma de prevenção às gestações de adolescentes.
Longe do tema ser pacificado no viés da educação, na área da saúde a gravidez de crianças e adolescentes já têm problemas demais para chamar de seus, que vão desde o número maior de complicações pré, durante e pós parto de mães e bebês à disputa que gestantes têm pelos nutrientes —sim, como ela ainda está em fase de crescimento há essa batalha.
Na área de saúde, é pacífico que jovens vão experimentar o sexo nessa fase da vida —e não há nada de errado nisso. Não há uma idade certa para início da vida sexual, que depende da maturidade de cada um. O ponto defendido é que sejam ofertados aos jovens conhecimentos do tema e meios contraceptivos.
Quando a educação não funciona, o bebê vem. No último dia 18, adolescente A.M.S., 11, deu à luz um menino na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand, em Fortaleza. Ela namora há um ano e meio um rapaz de 16 anos, que é o pai da criança.
Menina de 11 anos dá à luz; rapaz de 16 anos é o pai Imagem: Maternidade-Escola Assis Chateaubriand.
“Só descobri a gravidez no quinto mês de gestação. Minha mãe desconfiou, dizendo que fazia cinco meses que minha menstruação não vinha.
Eu pensava que eram três meses, mas ela me levou na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] e acertou”, conta. A menina diz que conhecia os métodos contraceptivos e admite que deixou acontecer.
“Se eu não quisesse engravidar tinha usado preservativo. Mas eu quis”, afirma. Após parir, a garota concordou em usar um implante anticoncepcional subcutâneo.
Jovens têm mais problemas O problema da gravidez juvenil é ponto de preocupação do Ministério da Saúde, que em fevereiro assinou documento para fomentar uma agenda intersetorial com outros ministérios para colocar o tema na agenda pública do país. Entre as pastas está o MDH.
Em 2018, segundo dados preliminares do DataSus, 21.154 crianças nasceram de mães entre 10 e 14 anos, o que corresponde a 0,7% do total de partos do país. Entretanto, quando se olha complicações decorrentes da gravidez nessa faixa etária, os percentuais são maiores.
Na faixa etária abaixo dos 15 anos, o percentual de abortos por causas médicas representou 3,6% do total registrado em 2018, ou seja, cinco vezes maior que o percentual de partos. Os abortos espontâneos representaram 1%, ou seja, 47% a mais que a média de nascimentos.
A ginecologista e professora da UFC (Universidade Federal do Ceará) Zenilda Bruno fundou há 33 anos o Ambulatório do Adolescente na maternidade escola da instituição. Com a experiência em lidar com gravidez de crianças e adolescentes, ela afirmou ao VivaBem que todos os riscos aumentam quando a mãe tem menos de 15 anos. “É mais risco de aborto, de anemia, de pressão alta, de parto prematuro. É mais risco para a mãe e para o bebê”, conta.
Para a médica, o fato de uma menina menstruar significa apenas que o aparelho reprodutor está pronto, em condições de engravidar. “Mas a bacia é pequena, a estatura dela é pequena muitas vezes, e há uma competição do organismo dela com o bebê pelos nutrientes, como cálcio e ferro. A gravidez tira do sangue dela os nutrientes que ela precisa e leva para o bebê, que vai sugar tudo. Isso aumenta anemia e deficiências alimentares”, afirma.
Ela explica que o corpo atinge idade ideal de gravidez aos 20 anos. “A gente está pronto depois dos 20 anos e até os 35 como idade ideal para gestação. É o que a gente preconiza, porque os riscos são menores”, conta.
Engravidou? É preciso atenção maior Se uma criança ou adolescente engravida, a atenção do sistema de saúde deve ser bem maior do que de uma mulher adulta. Por isso, o pré-natal deve ser reforçado.
“Aí você tem riscos de afetar o psicológico, a autoestima, há muitos casos de suicídio, de depressão. Ou seja, são cuidados maiores, que exigem uma equipe multiprofissional, com psicólogo e assistente social na equipe, sempre acompanhando essa paciente mensalmente. Tem de ser um pré-natal muito cuidadoso”, afirma.
Um dos pontos que deve ser reforçado, por conta da disputa dos nutrientes com o bebê, é com o que a grávida come. “A mãe ainda está numa fase de crescimento, e muitas vezes nesses casos a jovem já tem alimentação deficiente, por conta da questão social e também da idade é preciso ter uma atenção muito maior e avaliação do caso”, afirma.
Sobre o número alto de abortos, ela diz que se trata de uma característica típica da idade. “Primeiro isso ocorre pela falta de preparação do organismo para gravidez, que causa naturalmente problemas. E muitas vezes elas têm normalmente indesejada, isso faz com que aumente a rejeição e, logicamente, o aborto provocado”, pontua.
Saúde vista de forma ampla A doutora em saúde pública e pesquisadora da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Emanuelle Góes afirma que os dados sobre gravidez na adolescência no Brasil revelam um fenômeno social que precisa ser olhado na discussão do tema.
“São os múltiplos contextos que determinam essa situação como: o início cada vez mais precoce de relações sexuais, a falta de acesso aos serviços de saúde sexual e reprodutiva e o baixo uso de contraceptivos modernos, violência sexual e uniões precoces, o baixo acesso à educação de qualidade, atraso e deserção escolar, relações assimétricas de gênero, raça, classe, geração e outras opressões correlatas”, afirma.
A pesquisadora fez um recorte de raça das gestações entre crianças e adolescentes e percebeu que as meninas negras têm índices maiores. “Essa gravidez tem relação com as situações de vulnerabilidade presentes na vida de parte das meninas que vivenciam a maternidade muito cedo”, diz.
“A gravidez determina diversos desfechos nas trajetórias de vida das adolescentes, podendo resultar em abandono escolar, dificuldade de inserção no mercado de trabalho e conflitos familiares, além dos fatores relacionados à gravidez, que podem ocasionar complicações maternas e fetais, seja por fatores biológicos, psicológicos ou socioeconômicos”, completa.
É preciso falar de sexualidade A mestre em educação sexual Caroline Arcari —autora de “Pipo e Fifi”, livro sobre prevenção de violência sexual destinado a crianças— ressalta que a educação sexual deve focar não apenas no aspecto saúde e biológico.
“A educação sexual eficaz é aquela intencional, cujas temáticas sejam pensadas considerando o indivíduo interagindo com todas as dimensões da sexualidade. Assim, é preciso que informações sobre anatomia, fisiologia, saúde, autocuidado, autoestima, relações de gênero, sentimentos, emoções, relacionamentos saudáveis, consentimento, orientação sexual e tantos outros temas tenham espaços de diálogo e reflexão”, diz.
Para ela, a falta de espaços de diálogo sobre sexualidade para crianças e adolescentes têm contado com a pornografia para se educarem sexualmente. “Com a democratização de novas tecnologias, o maior acesso ao material pornográfico pela internet é um elemento a ser levado em conta. Em um cenário com pouca educação sexual de qualidade, filmes pornográficos acabam sendo a fonte de informação para adolescentes tirarem dúvidas sobre sexo —isso sim é considerado erotização precoce”, explica.
Fonte:UOL/SAÚDE