A reabertura das fronteiras entre Portugal e Brasil, em setembro, após um ano e meio de restrições relacionadas à pandemia da covid-19, vem estimulando uma nova onda de imigração ao país europeu.
Entidades que auxiliam imigrantes em território português relatam maior chegada de brasileiros e busca por informações sobre o processo de migração. Dizem, ainda, que caiu o número de brasileiros procurando auxílio para voltar à terra natal.
As razões para isso, apontadas por brasileiros recém-chegados a Portugal entrevistados pela BBC News Brasil, incluem a escalada da crise no Brasil, uma vontade de melhorar sua qualidade de vida e a familiaridade com a língua.
Além disso, o país possui uma legislação nacional favorável à imigração. Diferentemente da maioria das outras nações europeias, Portugal permite a regularização com relativa facilidade daqueles que chegam como turistas (ou seja, sem visto), mas decidem viver e trabalhar em seu território.
Foi com essa possibilidade em mente que o auxiliar de enfermagem Uelber Oliveira, de 33 anos, se preparou para viver no país. Em Lisboa há cerca de três meses, chegou sem visto para procurar emprego e se instalar na cidade.
“Está cada vez mais difícil viver, e viver com qualidade, no Brasil. A nossa luta não é mais para ter um carro bom, uma moradia boa. O problema agora é ter o básico, é conseguir se alimentar”, diz ele, que é natural de Ilhéus (BA).
Na capital portuguesa, conseguiu um emprego e aguardou a chegada da esposa, cuja viagem ficou marcada para dois meses após a sua. Atualmente, os dois trabalham como cuidadores de idosos na cidade, e já começaram o processo para regularizar sua situação migratória.
“Percebi que em Portugal teremos segurança, e, mesmo ganhando pouco, muita qualidade de vida – e ainda vou conseguir mandar um dinheirinho para o Brasil”, afirma.
O movimento atual de migração de brasileiros para Portugal começou em 2014, quando as condições econômicas do Brasil voltaram a piorar, mas se intensificou a partir de 2017. Nos últimos quatro anos, o número de brasileiros residindo em Portugal registrou um aumento – batendo recorde em 2020.
“E aí veio a pandemia e fechou as fronteiras. Mas as pessoas só suspenderam seus processos migratórios nesse período”, afirma Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil de Lisboa, entidade que auxilia os imigrantes no país. “Quando abriram as porteiras, as pessoas voltaram a procurar Portugal em peso.”
É o caso de Maicon (que não quis ter seu sobrenome divulgado pela reportagem), que começou a planejar a mudança para Portugal em 2019. Casado e com dois filhos, ele trabalhou por dez anos na construção civil no Brasil, mas foi perdendo espaço na área e, há dois anos, passou a atuar como motorista de carreta.
“Eu sempre lutei para ter um conforto no Brasil para mim e para os meus filhos. Trabalhava muito e as coisas não progrediam, não conseguia suprir as necessidades básicas da minha família”, diz.
Instalado na região de Aveiro, no Centro de Portugal, conseguiu um emprego como ajudante de serralheiro e também já deu início ao processo de regularização de sua situação. Agora, aguarda a chegada da esposa e dos filhos, programada para janeiro.
“Não vim para ficar rico, mas para oferecer aos meus filhos uma qualidade de vida melhor e conseguir alguma estabilidade financeira”, conta.
“No início é perrengue mesmo, mas está valendo a pena. Aqui a alimentação é barata, o lazer é barato. No Brasil, eu estava me privando de comer carne com um salário bom. Aqui eu já estou enjoado de comer picanha.”
Perfis variados
Hoje, residem em Portugal cerca de 214.500 cidadãos brasileiros, de acordo com números de novembro do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O dado, porém, exclui aqueles em situação irregular e os que também possuem cidadania portuguesa ou de outro país europeu.
Os imigrantes no país têm perfis variados, afirma Cyntia de Paula. “Temos uma imigração não somente para o trabalho não qualificado, mas também de muitos profissionais de perfil qualificado, não apenas em termos de escolaridade, como com muitos anos de experiência. Esses não vinham antes com tanta expressividade, e agora vêm.”
Além disso, segundo ela, há registro de chegada de muitas famílias e um fluxo regular de estudantes brasileiros a Portugal.
A advogada paulista Beatriz Menezes, de 28 anos, faz parte desse último grupo. Após uma experiência profissional ruim, ela decidiu tirar alguns projetos do papel e passou a pesquisar as oportunidades de estudo em Portugal.
“Na minha cabeça, estudar na Europa era algo impensável do ponto de vista financeiro. Mas conheci uma pessoa que fazia o curso que hoje faço aqui, um mestrado em Direito Administrativo na Universidade de Lisboa, e descobri que não era bem assim. Gastaria mais ou menos a mesma coisa estudando aqui ou em uma boa faculdade no Brasil”, diz.
Ela chegou a Portugal em outubro, depois de adiar os planos por alguns meses em razão da pandemia. Mas já pensa na possibilidade de prolongar sua estadia no país após a conclusão do curso, que tem duração de dois anos.
“Me encantei por Lisboa, e tenho certeza de que todo esse impacto da pandemia e de um governo ineficiente vai perdurar no Brasil. Isso me faz considerar ficar por aqui”, afirma.
Foi o que fez o publicitário paulista Leandro Guimarães, de 38 anos. Ele chegou ao país no segundo semestre de 2019 para ficar por um ano, enquanto cursava uma pós-graduação em Comunicação de Cultura e Indústrias Criativas, na Universidade Nova de Lisboa.
Nos meses seguintes à conclusão do curso, com o visto caducado, decidiu entrar com uma manifestação de interesse para se regularizar no país. “Dei início ao processo em setembro do ano passado, com a expectativa de que ele durasse oito meses. Atualmente, estou esperando há um ano e dois meses”, diz.
Com a regularização em andamento, ele se viu diante de duas possibilidades: permanecer em Portugal em situação irregular ou voltar ao Brasil e correr o risco de perder o processo. Optou pela segunda.
Ao longo dos meses, decidiu voltar a Portugal e passou a procurar, à distância, um emprego no país. “Achei essa empresa que cuida de mobilidade internacional e comecei a trabalhar para eles em agosto, ainda do Brasil”, conta ele que, com o contrato em mãos, voltou a Lisboa em outubro.
“Tive essa experiência primeiro como estudante, depois entendi que seria um mercado promissor para Comunicação e Tecnologia, porque muitos portugueses saíram do país. Eu gosto do fato de Portugal ser um país pequeno, e de Lisboa oferecer serviços de capital numa cidade do tamanho de Sorocaba. Faço muita coisa a pé, estou perto da natureza. E só de ter segurança já é um ganho enorme.”
Regularização e problemas
Quem vive legalmente em território nacional por cinco anos tem direito a aplicar para a naturalização, obtendo a cidadania portuguesa. Esse prazo só começa a contar, porém, a partir do momento em que o imigrante consegue sua autorização de residência – ou seja, quando passa a estar em situação regular.
Os Artigos 88 e 89 da Lei dos Estrangeiros são os que permitem àqueles sem visto em Portugal, ou com o visto caducado, se regularizarem no país, por meio de contrato de trabalho ou como prestadores de serviços.
Para isso, eles devem dar entrada no processo online, apresentar uma série de documentos, ter número de inscrição fiscal e estar contribuindo para a Segurança Social. Esse processo, porém, pode levar anos para ser concluído.
“Como existe a possibilidade de regularização em território nacional, muita gente opta por essa estratégia. Mas durante esse processo, que pode demorar até quatro anos, essas pessoas enfrentam muita instabilidade”, diz Cyntia de Paula.
“Os imigrantes em situação irregular enfrentam dificuldades práticas e correm risco maior de exploração laboral, trabalhando em condições à margem da legalidade. Também correm o risco de expulsão e de não poder retornar ao país por alguns anos”, afirma Vasco Malta, chefe da missão da Organização Internacional para as Migrações (OIM) em Portugal.
Cyntia relata que, durante a pandemia, muitos imigrantes perderam o emprego. Sem contrato ou acesso a programas de auxílio do governo, eles ficaram sem rendimento de um dia para o outro.
Além disso, apesar da medida emergencial do governo que regularizou temporariamente todos os imigrantes no país, de modo a garantir seu acesso ao Sistema Nacional de Saúde, muitos enfrentaram dificuldades para se vacinar contra a covid-19.
A OIM fornece apoio a imigrantes que queiram voltar ao seu país de origem, mas não conseguem fazê-lo por falta de recursos, por meio do Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e Reintegração (ARVoRe). A grande maioria dos atendidos é brasileira, e o percentual atingiu 97,9% em 2020.
Em 2021, contudo, a participação dos cidadãos brasileiros no total caiu para 83%, considerando os dados até outubro.
De acordo com o chefe da missão, embora não haja dados para explicar a redução, ela estaria ligada à evolução negativa da pandemia no Brasil, além de uma melhora no cenário econômico e no mercado de emprego em Portugal durante os meses do verão europeu (de junho a setembro). Ele também cita a continuidade dos processos de regularização pelo SEF.
Malta afirma que é essencial que os brasileiros busquem a entrada em Portugal de maneira regular e se planejem antes da viagem.
“Planejar-se é absolutamente fundamental, as pessoas precisam saber o que vão encontrar, até para gerir expectativas. O custo de vida em Lisboa e no Porto continua altíssimo, assim como o valor do arrendamento [aluguel]. A crise de matérias-primas também impacta o custo de vida das pessoas”, diz.
O preço elevado dos aluguéis, especialmente nos grandes centros, é uma reclamação recorrente entre os imigrantes brasileiros no país, assim como as dificuldades relacionadas ao preconceito de portugueses com o grupo e com o sotaque brasileiro.
“Em razão de vários estereótipos relacionados à comunidade brasileira, muitos imigrantes têm dificuldade de encontrar trabalho qualificado. Eles sentem que seu percurso profissional fica dentro do avião. Há também dificuldades de integração, em especial para as mulheres brasileiras”, diz a presidente da Casa do Brasil de Lisboa.
De acordo com Maicon, muitos proprietários pedem até três cauções de adiantamento para alugar um imóvel. “E os portugueses nem sempre são simpáticos aos brasileiros”, afirma ele, que também recomenda muito planejamento a quem pensa em emigrar.
“Vi vários relatos de pessoas passando até fome aqui. E acho que, se não tivesse demorado tanto tempo para vir, eu também estaria passando por alguns apertos por falta de informação e de planejamento.”
Fonte: BBC News