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domingo, novembro 24, 2024

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Por que trabalho híbrido é emocionalmente tão exaustivo

Quando Klara recebeu a oferta de um cronograma de trabalho híbrido, ela pensou que seria o melhor de dois mundos.

Ela é gerente de contas de uma empresa sediada em Londres e havia sido contratada para trabalhar em tempo integral no escritório, até que ondas sucessivas de covid-19 a forçaram a trabalhar em casa.

O patrão de Klara introduziu a política de trabalho híbrido em setembro de 2021, quando terminou a orientação do governo britânico recomendando que as pessoas trabalhassem em casa. Terças e quintas-feiras seriam os dias de trabalho em casa e o restante da semana seria passado no escritório, durante os horários contratuais normais.

“No começo, foi um alívio ter um cronograma de trabalho híbrido permanente”, relembra Klara (seu sobrenome é omitido por motivos de segurança no emprego). “Depois de anos de trabalho no escritório em tempo integral, senti que finalmente eu tinha controle do meu horário de trabalho e da minha intensa vida doméstica.”

Mas, à medida que passavam os meses, a novidade do trabalho híbrido rapidamente deu lugar a complicações e a uma incômoda rotina de um dia em casa e outro fora. “Eu me sinto cômoda e concentrada nos dias em que trabalho em casa”, afirma Klara, “mas, à noite, sinto pavor de ter que voltar ao escritório – ficar sentada oito horas por dia em um escritório barulhento, olhando para uma tela e me reajustando para voltar a ser exatamente como era antes da pandemia”.

Klara sente que agora ela precisa manter dois locais de trabalho: um no escritório e outro, em casa. “Isso envolve planejamento e uma rotina de interrupções: levar e trazer meu notebook do escritório para casa e vice-versa todos os dias e lembrar onde deixei as coisas importantes”, explica ela.

“A mudança psicológica – alternando ambientes todos os dias – é muito cansativa. Essa sensação constante de nunca estar acomodada, ficar estressada e [ver] meu trabalho produtivo em casa ser sempre interrompido”, relata Klara.

Estão começando a surgir dados que sustentam essas provas empíricas: muitos trabalhadores estão relatando que o trabalho híbrido é emocionalmente extenuante.

Em um estudo global recente conduzido pela plataforma de envolvimento de funcionários Tinypulse, mais de 80% dos líderes de pessoal relataram que a configuração híbrida é exaustiva para os funcionários. E os trabalhadores também relataram que o trabalho híbrido é emocionalmente mais rigoroso que o trabalho totalmente remoto e – o que é preocupante – até que o trabalho em tempo integral no escritório.

Considerando que muitas empresas estão planejando implementar modelos permanentes de trabalho híbrido e que a maioria dos trabalhadores quer passar suas semanas de trabalho entre suas casas e o escritório, esses números fazem soar sinais de alarme. Mas o que há especificamente com o trabalho híbrido que o torna tão desgastante, emocionalmente falando? E como os trabalhadores e as empresas podem evitar armadilhas, para que o trabalho híbrido possa realmente funcionar?

Homem de máscara em pé no transporte público

CRÉDITO,GETTY IMAGES. Pesquisas indicam que mudar constantemente de um lugar de trabalho para outro e o planejamento necessário para essas mudanças podem deixar os trabalhadores esgotados.

Por que o trabalho híbrido pode ser extenuante

À medida que a pandemia se arrasta e os hábitos de trabalho flexível dos trabalhadores tornam-se mais arraigados, o retorno ao escritório em tempo integral parece uma relíquia do passado. Mas, embora algumas empresas tenham implementado políticas de trabalho remoto, um grande número de companhias abraçou o híbrido como modelo de trabalho padrão, desde que o retorno dos funcionários aos escritórios em grandes números seja considerado seguro.

Teoricamente, o trabalho híbrido oferece o melhor acordo entre empregados e empregadores. Ele combina os padrões de trabalho no escritório de antes da pandemia e dias com trabalho remoto, em um cronograma que permite a colaboração presencial e a formação de equipes, bem como maior flexibilidade e a oportunidade de concentração para trabalhar em casa.

Parecia uma solução em que todos ganhavam. Um estudo de maio de 2021 demonstrou que 83% dos trabalhadores queriam trabalhar de forma híbrida depois da pandemia.

“A sensação era que o trabalho híbrido seria o melhor de dois mundos”, afirma Elora Voyles, psicóloga organizacional industrial e cientista pessoal da empresa de software Tinypulse, sediada na Califórnia, nos Estados Unidos.

“Para os patrões, ele significava manter o senso de controle e poder ver seus funcionários pessoalmente. Para os funcionários, ele oferece mais flexibilidade que o trabalho em tempo integral no escritório e significa poder trabalhar com segurança durante a pandemia”, destaca ela.

Mas, à medida que passava a novidade do trabalho híbrido, o entusiasmo dos trabalhadores também se esvaía. “Descobrimos que as pessoas ficaram menos favoráveis ao trabalho híbrido no decorrer de 2021”, explica Voyles. “Nos meses de primavera e verão [do hemisfério norte], muitas empresas realmente estavam dispostas a implementá-lo. Elas trouxeram funcionários para o esquema híbrido, mas rapidamente surgiram dificuldades.”

Empresas que nunca haviam implementado trabalho híbrido subitamente estavam elaborando políticas apressadas, muitas vezes sem consultar os funcionários. Assim, como ocorreu no caso de Klara, os mecanismos de trabalho parte no escritório, parte em casa, foram impostos aos trabalhadores.

O otimismo dos funcionários rapidamente se tornou fadiga. Em uma pesquisa da Tinypulse com 100 trabalhadores de várias partes do mundo, 72% deles relataram exaustão com o trabalho híbrido – quase o dobro do percentual de funcionários totalmente remotos e também mais que entre aqueles que trabalham no escritório em tempo integral.

Voyles afirma que a amostra pequena reflete uma tendência mais ampla. Ela acredita que a quebra da rotina diária dos funcionários e sua natureza desordenada tornam o trabalho híbrido muito cansativo para os trabalhadores.

“Rotinas consistentes e previsíveis podem ajudar as pessoas a lidar com seus sentimentos de estresse e incerteza, especialmente durante a pandemia”, afirma Voyles. “Já o trabalho híbrido exige mudanças frequentes desses hábitos diários. Os trabalhadores precisam mudar tudo constantemente e fica difícil definir uma rotina quando o seu cronograma é sempre entrar e sair do escritório.”

A rotina familiar pode agir como uma válvula bem formada que permite que as coisas fluam, mas formar novos hábitos diários – que incluem um cronograma menos consistente entre os locais de trabalho – pode corroer os recursos cognitivos.

“A mudança para o trabalho híbrido tem o potencial de prejudicar a rotina de trabalho em casa de uma pessoa”, explica Gail Kinman, psicóloga especializada e membro da Sociedade Britânica de Psicologia. “As práticas híbridas ainda não se tornaram uma segunda natureza. Por isso, elas exigem mais energia, organização e planejamento. Você precisa formar novas estratégias – escritórios multifuncionais, planejar deslocamentos – que não seriam necessárias se você trabalhasse de forma totalmente remota ou presencial.”

Transportar trabalho fisicamente de casa para o escritório e vice-versa pode também causar impactos psicológicos para algumas pessoas. Um estudo recente concluiu que 20% dos trabalhadores do Reino Unido relataram dificuldades para “desligar” do trabalho e sentem-se “sempre ligados”. A luta para adaptar-se ao trabalho híbrido e as fronteiras indefinidas entre a casa e o trabalho foram mencionadas como as principais causas.

O trabalho híbrido pode também trazer aumento do risco do presenteísmo digital, segundo Kinman, em comparação com empregos totalmente remotos, que exigem a confiança implícita do empregador. “Se um empregador estabelecer o trabalho híbrido sem confiar nos seus funcionários, essa decisão pode se tornar pouco mais que um gesto simbólico. Os trabalhadores serão pressionados a mostrar ao seu patrão que não estão se aproveitando do trabalho em casa. Isso poderá gerar sobrecarga de trabalho e burnout, com efeitos que podem ser devastadores, mas levam um longo tempo para aparecer.”

Reunião de trabalho híbrida em escritório com participação de funcionário por videoconferência

CRÉDITO,GETTY IMAGES. As empresas ainda estão definindo como funciona o trabalho híbrido e os especialistas afirmam que evitar políticas iguais para todos é fundamental para o sucesso

A definição de ‘híbrido’

Para alguns trabalhadores, a frustração com o modelo híbrido indica que eles estão se encaminhando para empregos que permitam total controle dos seus cronogramas de trabalho.

“Achei que o trabalho híbrido fosse para mim, mas dividir meu tempo entre a casa e o local de trabalho foi muito problemático”, afirma Klara, que deve começar em breve em um novo emprego totalmente remoto. “Acho que o escritório me distrai [porque] posso ser incomodada a qualquer momento. Quanto mais eu me dedicava ao trabalho híbrido, mais eu sentia que ele era apenas um obstáculo a mais para cumprir com meu trabalho – desde o deslocamento até saber que eu estaria trabalhando em outro lugar no dia seguinte. Ele rapidamente se tornou apenas uma obrigação.”

Mas a experiência de Klara não significa necessariamente que os trabalhadores devem voltar ao escritório cinco dias por semana ou buscar empregos permanentemente remotos. O trabalho híbrido ainda pode ser perfeitamente harmônico para os trabalhadores, desde que o seu empregador o estabeleça corretamente.

“O acordo não funciona quando é um cronograma híbrido imposto por um supervisor”, explica Elora Voyles. “Os funcionários acabam com uma semana de trabalho sobre a qual não têm controle. É como o antigo cronograma fixo de tempo integral no escritório, que por acaso tem lugar na casa do funcionário duas vezes por semana.”

Já Gail Kinman afirma que a questão é o que as empresas entendem como “híbrido”. “É uma definição ampla que pode ser interpretada de muitas formas – desde ir ao escritório três dias por semana até uma vez por mês. O trabalho híbrido ainda pode ser o futuro do emprego e representar o melhor de dois mundos, mas precisa ser aprimorado”, afirma ela.

O trabalho híbrido pode ter sucesso quando os gerentes colaboram com os funcionários, preferencialmente de forma individualizada, sobre qual configuração funcionaria melhor para eles. “As duas partes, empregador e empregado, precisam definir os limites”, afirma Voyles. “Mas é preciso haver autonomia para que o funcionário administre seu próprio cronograma de trabalho. A flexibilidade precisa ser definida pelo indivíduo, não pelo patrão.”

Além disso, os funcionários em trabalho híbrido poderão ser auxiliados por configurações de trabalho remoto mais consistentes, que ajudem a facilitar a mudança psicológica entre o escritório e a casa. Para Kinman, “híbrido é um estado de espírito. É a ideia de que nos movemos de um ambiente para outro e trabalhamos harmoniosamente. Para isso, é preciso haver mecanismos que garantam que os funcionários tenham as ferramentas e software corretos para trabalhar em casa.”

Kinman destaca que estamos em meio a um grande experimento de trabalho e prevê que os problemas de adaptação ao sistema híbrido durarão anos. “Atualmente, sabemos mais sobre o trabalho remoto em tempo integral durante uma crise sanitária que sobre o trabalho híbrido a longo prazo”, explica ela.

Mas, se os funcionários tiverem algum grau de controle e escolha de seus padrões de trabalho, as recompensas poderão ser lucrativas. “Tanto as pessoas quanto as empresas afirmam que querem o trabalho híbrido”, afirma Kinman. “Por isso, existe uma grande oportunidade de mudar a forma como trabalhamos. Mas é preciso formar uma mentalidade que funcione para ambos, empregados e empregadores.”

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.

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