A influenciadora digital Bielle Elizabeth, de 29 anos, conta que usava pomadas modeladoras para fazer penteados em seu cabelo, até que teve os olhos gravemente feridos por um produto que decidiu testar.
“Tenho um cabelo crespo ‘4C’ (categoria da tabela de curvaturas de fios), e essas pomadas ajudam a fixar e estilizar os fios, realçando a beleza natural dos cabelos. Eu nunca tinha ouvido falar de casos de cegueira temporária por conta desses produtos até acontecer comigo. Descobri, da pior maneira, que podem ser perigosos”, conta ela, que usava pomadas para fazer penteados como tranças e modelar ‘baby hair’ (fios mais curtos e mais finos que nascem na linha capilar em volta do rosto).
Quando aconteceu o episódio, no começo de janeiro, Bielle usava um penteado de trança nagô, que divide os fios do couro cabeludo em diferentes tranças, que fez para comparecer a um evento para o qual foi convidada como influenciadora.
Ela conta que, enquanto filmava partes do evento, suou e pegou um pouco de chuva, o que fez a pomada modeladora escorrer em seu rosto.
“Em determinado momento, com os olhos já ardendo, sentei em um local coberto com uma amiga e percebi que não estava enxergando. Pedi para ela ir ao banheiro comigo e, quando entrei, com a luz mais forte do que o ambiente escuro do evento, tudo estava embaçado. Lavei com água em abundância, mas a dor só aumentava.”
Acompanhada pela amiga, ela procurou ajuda no ambulatório do evento. Os profissionais de saúde de plantão recomendaram que ela fosse a um pronto-socorro imediatamente.
“Até chegar ao hospital, eu não tinha pensado que poderia ser a pomada. A médica que me atendeu disse que já tinha visto mais de 100 quadros causados por diferentes marcas. Com o passar das horas, não conseguia mais abrir os olhos de tanta dor, era desesperador.”
Bielle conta ter gastado cerca de R$ 400 com pomadas e colírios. E diz que recuperou a visão aos poucos – após duas semanas, foi capaz de enxergar perfeitamente.
“Foi um período muito difícil, eu dependo da minha visão para tudo, está diretamente ligada ao meu trabalho. Tive crises de pânico, e apesar de ser grata por ter amigos me ajudando, a sensação de ficar totalmente dependente é ruim.”
“Agora, não pretendo mais usar pomada nenhuma e faço um apelo às pessoas que gostam de fazer penteados para que fiquem atentas aos produtos que estão usando.”
Embora não seja comum que consumidores se atentem à regulamentação de produtos, a médica Violeta Tortelly, da Coordenação do Departamento de Cabelos e Unhas da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), avalia que é necessário ter esse cuidado ao experimentar marcas novas.
“Cada vez mais, o número de cosméticos para cabelo tem surgido e a venda pela internet fez com que muitas empresas pequenas ou caseiras conseguissem produzir e vender seus próprios produtos. Se do ponto de vista econômico é interessante para dar oportunidade a pequenos produtores, há um perigo enorme pela não garantia de segurança dos produtos. O registro da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] é importante, pois nos sinaliza que aquele cosmético não tem substância com potencial risco de irritação ou até risco de câncer.”
É possível conferir o registro desse tipo de produto na Anvisa pelo site, acessando a aba “Cosméticos” e consultando por palavras-chave (como nome do produto, por exemplo) nos campos de “produtos notificados” e de “produtos regularizados”.
Possíveis componentes tóxicos em pomadas modeladoras
“Alguns produtos para cabelos podem ter, em diferentes concentrações, o propilenoglicol, que é um álcool com poder abrasivo e capacidade de danificar a superfície do olho, a córnea, de forma reversível ou até causando uma cegueira permanente. E ainda podem ter outras substâncias que potencializam esses efeitos. Reforçamos que não se deve usar qualquer colírio ou substância mesmo própria para olhos nesses casos antes de atendimento médico”, alerta Tortelly.
Olhando o rótulo dessas pomadas, algumas inclusive orientam, em pequenas letras, que não se pode ter contato com olho e não se deve usar no mar ou piscina. “As letras minúsculas às vezes disfarçam recomendações ou componentes de forma que fica difícil até para nós, dermatologistas ou profissionais da saúde de outras áreas, lermos”, avalia Katleen da Cruz Conceição, chefe do ambulatório de dermatologia para pele negra da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.
Produto usado por Bielle tem registro na Anvisa
O produto que Bielle conta ter usado, a pomada modeladora “Feirão dos Cabelos”, foi retirada do mercado pela própria marca até que novos testes sejam concluídos. Antes disso, no entanto, passou pela análise da Anvisa, e recebeu a “notificação” necessária para ser comercializada.
Os produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes estão sujeitos a dois tipos de procedimento para regularização pela Agência: por registro ou por notificação.
Produtos como bronzeador, alisante e tinta para cabelos, protetor solar e repelente, devem ser registrados junto à Anvisa em razão de seu grau de risco mais acentuado. Nesses casos, a agência realiza uma análise prévia de toda a documentação apresentada que embasa a fabricação do produto.
Já produtos como as pomadas para trançar e modelar cabelos, considerados “mais simples”, são regularizados pelo procedimento da notificação.
“Neste modelo, que considera produtos com menor grau de risco, é dispensada a análise prévia à fabricação, importação ou exposição ao uso. Porém, da mesma forma, a empresa titular deve garantir que o produto cumpre com todos os requisitos técnico-regulatórios previstos nas normas aplicáveis.”, explicou a agência à BBC News Brasil, por meio da assessoria de imprensa.
A Anvisa complementa dizendo que realiza a verificação contínua dos produtos notificados, por meio de amostragem, considerando, também, denúncias e programas de fiscalização específicos.
A BBC News Brasil pediu à marca um posicionamento sobre o caso e a lista de componentes usados na produção da pomada. Os pedidos foram atendidos.
A pomada contém propilenoglicol, embora não tenha sido informado em qual concentração. Entre os demais componentes, lidos pela dermatologista Katleen da Cruz Conceição a pedido da reportagem, nenhuma outra substância nociva foi identificada, segundo ela.
“Reafirmando nosso compromisso com a segurança e saúde de nossos clientes, retiramos preventivamente o produto de comercialização até que sejam apresentados os resultados dos testes em andamento pela Vigilância Sanitária, conduzidos pela Fiocruz. Todas as medidas internas vêm sendo reforçadas para aumentar a segurança, o que é uma tradição da empresa que possui mais de 35 anos no mercado.”
A nota também diz que a marca não conseguiu contato com a influenciadora, não tiveram acesso ao prontuário médico e que consideraram o julgamento em relação ao produto precipitado.
Produtos proibidos pela Anvisa
A Anvisa afirmou à reportagem que permanece atenta e que tem verificado os produtos dessa categoria, tomando as ações necessárias quando constatadas irregularidades.
“As denúncias que vêm sendo recebidas pela Agência estão sob investigação. Em cada caso, as medidas a serem tomadas dependem do risco associado e podem variar de interdição cautelar, até proibição ou suspensão de fabricação, comercialização, uso e até mesmo apreensão ou recolhimento do produto. O alcance das ações de fiscalização adotadas pela Anvisa pode ser melhor entendido aqui”, indicou a Agência.
A seguir, confira produtos já proibidos pelo órgão:
- Pomada Cassu Braids, da Cassulinha Cabelos;
- Seax Professional Pomada Modeladora Bright 85 g;Seax Professional Pomada Modeladora Fiber Gum 85 g;Seax Professional Pomada Modeladora Matte 85 g;
- Pomada Modeladora Matte Maxidil Black White e Pomada Modeladora Maxidil Black White;
- Pomada Emejê, da marca Maberu;
- Pomada Modeladora para Tranças Anti-Frizz Be Black;
- Pomada para tranças, da marca Ômegafix;
- Pomada Black – Essenza Hair;
- Pomada Modeladora para Tranças Boxbraids (fixa liss);
- Pomada Braids Hair;
- Pomada Braids Tranças Poderosas Esponja Magic;
- Rosa Hair – Pomada Modeladora – Mega Fixação 150g;
- Pomada Modeladora Master Fix Black Ser Mulher;
Orientações sobre uso de pomadas capilares
Ao sentir ardência nos olhos após o uso de algum produto capilar, o primeiro passo deve ser lavar o local com cuidado, evitando que mais da pomada escorra para os olhos, e com água em abundância, para tentar retirar o máximo possível, segundo especialistas.
Em seguida, diz a dermatologista Katleen Cruz da Conceição, procure um pronto-socorro imediatamente.
Se a ardência é no couro cabeludo, Conceição recomenda lavar a cabeça inclinando-a para trás, com muito cuidado para que o produto não caia nos olhos.
“Infelizmente, a Bielle teve um caso grave de cegueira temporária, mas esse episódio, que ela tornou público, é extremamente importante para que as pessoas fiquem cientes dos riscos e para que dermatologistas se tornem atentos a esse tipo de reação”, diz Conceição.
A Anvisa também aponta recomendações de uso. Entre elas, estão:
- Respeitar sempre as instruções do fabricante/importador quanto às condições de uso dos produtos, atentando-se, especialmente, para as advertências de uso contidas na embalagem e/ou no rótulo.
- Usar o produto somente durante a data de validade indicada na embalagem/rótulo pelo fabricante/importador.
- Não fazer uso de produto que apresenta mudanças, por exemplo, na sua coloração, odor e consistência/textura.
- Os consumidores em uso de produtos para trançar/modelar os cabelos devem evitar tomar banhos de piscina e mar. Ao lavar os cabelos proteger, de forma cuidadosa, os olhos, evitando, assim, o contato do produto com essa parte do corpo.
É importante lembrar que, embora seja contraindicado que o produto entre em contato com os olhos (como no caso de shampoos, que podem causar ardência), a cegueira temporária não é um efeito adverso previsto para os produtos.
Além disso, a orientação é de que qualquer caso de efeito indesejado com o uso de cosméticos deve ser notificado à Anvisa – há um canal para consumidores e outro para profissionais da saúde -, já que é por meio de denúncias que o órgão investiga produtos possivelmente nocivos à saúde.
Este texto foi publicado em BBC News