Em junho do ano passado, a estudante de farmácia Fernanda Pereira, na época com 25 anos, notou um pequeno caroço no seu pescoço. Acreditando que podia ser apenas um músculo tensionado, ela recorreu a uma massagem relaxante.
Nesse período, a jovem já estava fazendo diversos exames de rotina, que não apontaram nenhuma alteração. Ao reclamar do caroço para a ginecologista, ela foi encaminhada para um clínico geral. Porém, nesse intervalo de tempo, percebeu que outros gânglios surgiram na região.
“Parecia uma bola de golfe na lateral do pescoço”, relembra à BBC News Brasil.
A partir daí, foi uma saga, como ela mesmo define, até chegar a um diagnóstico e descobrir o que tinha e por que alguns sintomas só pioravam.
Em um dos exames de sangue que fez, chegou a ter como resultado uma anemia de grau leve.
Depois de meses fazendo diversas análises e indo a consultas, Fernanda descobriu que sofria com um câncer no sistema linfático.
Porém, até chegar a esse resultado, a estudante foi a seis especialistas e sofreu, segundo ela, com muita negligência dos médicos.
Como é uma doença que evolui rapidamente, ela conta que ali sentiu medo de morrer.
“Peguei o resultado do exame e abri no metrô e bateu aquele ‘e agora?’. Chorei muito e fiquei fazendo hora ali até me acalmar e ir para o trabalho. Desde o início da doença, eu vesti um personagem e não queria passar fraqueza para as pessoas”, destaca.
Fernanda teve que lidar sozinha com o câncer durante pouco mais de um ano, já que não tem contato com seus pais e somente alguns amigos a ajudaram nesta fase.
‘Caroços’ no pescoço
Um dos principais sintomas deste tipo de câncer é o surgimento de gânglios ou linfonodos em alguns locais do corpo.
Normalmente, os linfonodos mais comuns acometem o pescoço e passam despercebidos, pois são facilmente confundidos com inflamação na garganta e até amigdalite. Mas também podem aparecer debaixo do braço, região inguinal e virilha.
Quando surge um caroço aumentado e fora do comum, deve-se prestar atenção na quantidade de dias em que ele permanece na região ou se está aumentando de tamanho.
“Linfonodos que crescem e não voltam ao tamanho normal merecem atenção. Se eles permanecerem por mais de 30 ou 40 dias, o ideal é procurar um hematologista ou médico de cabeça e pescoço”, explica Guilherme Perini, hematologista do hospital Albert Einstein.
Mesmo já tendo um caroço perceptível no pescoço, Fernanda conta que, ao procurar um hematologista, o médico sequer apalpou a região e chegou até a pedir exames repetidos.
“Eu tentava explicar o que estava acontecendo e ele me cortava toda hora. Eu mostrei os remédios que estava tomando, meu cabelo já estava caindo muito e seguia fraca. Ele disse que se eu não melhorasse com aquele novo medicamento, era para eu voltar daqui um mês”, relembra.
Depois desse profissional, ela procurou outro hematologista para tentar entender o que estava passando.
Segundo ela, nessa consulta o novo médico, de fato, olhou todos os exames e pegou nos caroços que havia na região. Depois disso, pediu ultrassom e raio x do abdômen e tórax.
“Ele falou que eu tinha que ser forte pois poderia ser um linfoma”, relembra.
Cansaço e suor extremos
Além dos gânglios no pescoço, a estudante também sentia um cansaço fora do comum. Ela conta que até para tomar banho era difícil e precisava sentar no vaso sanitário por alguns instantes até voltar para o chuveiro.
Já haviam se passado quase seis meses desde o início dos primeiros sintomas.
“Eu estava exausta e cansava ao tomar banho. Eu levantava, lavava o cabelo e no meio do banho, sentava de volta. Meu cabelo caía muito também”, diz.
Durante a noite, a jovem ainda tinha problemas para dormir e deixava a cama encharcada.
“Parecia que alguém tinha jogado um balde de água em mim”, conta..
Segundo Jayr Schmidt Filho, líder do Centro de Referência de Neoplasias Hematológicas do A.C.Camargo Cancer Center, a sudorese é classificada como “sintoma B”, que acompanha as demais manifestações do problema.
“A pessoa também pode apresentar febre e um emagrecimento de 10% do peso atual”, destaca o especialista.
Os quadros de prostração são muito comuns em vários tipos de cânceres e isso acontece devido ao estágio da doença. E foi o que ocorreu com Fernanda, já que a enfermidade estava avançada, mas ainda não havia tido a confirmação do linfoma.
Ela relembra que os sintomas da anemia pioraram e ela precisou de duas bolsas de transfusão de sangue para poder se recuperar.
No fim de novembro, ela finalmente recebeu o diagnóstico de linfoma de Hodgkin, um câncer no sistema linfático que é mais comum em pessoas de 20 a 30 anos.
“Esse tipo se origina em células do sistema imunológico, que sofrem mutações e se transformam em células tumorais”, explica Schmidt Filho.
Por meio do exame de imagem chamado Pet-Scan, ela pôde ver a gravidade da condição.
“Eu fiz exames de imagem e o câncer já estava pelo meu corpo todo. Meu baço estava cada vez mais inchado de tanto linfonodo. Descobriram que já estava no estágio 4 e tinha infiltração na bacia, no baço e na minha pélvis”, diz.
Início do tratamento
Mesmo tendo plano de saúde, Fernanda conseguiu fazer parte do tratamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
“Conversei com os médicos e senti uma confiança no especialista do sistema público que não tinha sentido no do plano. Me encaminharam para o hospital e iniciei o tratamento.”
Ela começou por sessões de quimioterapia, sendo necessário permanecer no hospital de quatro a cinco horas. Nessa etapa, ela fez dois ciclos completos do tratamento, mas ao fazer um novo exame de imagem, os médicos disseram que não estavam satisfeitos com sua evolução.
“Eles disseram que iriam fazer uma quimioterapia mais pesada com quatro infusões seguidas. Fui quarta, quinta e sexta e no fim de semana descansei. Na quimioterapia mais forte, nenhum pelo ficou, nem na perna, axila, absolutamente nada. Tudo começa a cair”, relembra.
Nessa segunda etapa do tratamento, ela conta que passou quase 12 horas recebendo remédio na veia e não podia receber a visita de ninguém.
Mesmo realizando esse cuidado mais intenso, ela acordou no outro dia com muita dor na gengiva e o incômodo aumentava.
“Quando foi meia noite era uma dor alucinante e quando fui olhar no espelho estava cheio de pontinhos roxos na minha gengiva”, relembra.
Passado algumas horas, Fernanda relembra que o quadro piorou e ela apresentou um quadro de necropenia.
“Eu estava com muita dor e a minha vontade era bater a cabeça na parede. Me deram remédios, uns ‘primos’ da morfina e até o médico se assustou. Ele disse que eu estava tendo uma necrose na gengiva e que nunca tinha visto isso, mas foi um efeito da quimioterapia”, diz.
No fim de dezembro, os médicos disseram que ela não estava respondendo bem ao tratamento e que o mais indicado seria a imunoterapia.
Esse tipo de tratamento consiste em ativar o próprio sistema imunológico do paciente.
Porém, cada dose custa em torno de 40 mil reais e não é facilmente disponibilizada pelo SUS.
“O linfoma tinha brotado de novo e comecei a me sentir fraca novamente. Num espaço de uma semana, tinha vários linfomas”, relembra Fernanda.
Por causa disso, ela precisou dar entrada em seu plano de saúde e iniciou o novo tratamento.
A partir da segunda infusão, ela não sentia mais nenhum caroço no pescoço e, aos poucos, foi evoluindo e tendo um melhor prognóstico.
Passado quase um ano e meio do início dos primeiros sintomas, Fernanda conta que realizou um novo exame mês passado, a doença praticamente desapareceu e há apenas um linfonodo debaixo da axila.
Ela segue em tratamento com imunoterapia e está na décima infusão— serão 24. A estudante vai ter um ano de acompanhamento para consolidação do tratamento e depois supervisão médica.
“Me sinto bem melhor. Hoje eu malho, consigo levantar 70 quilos e antes não conseguia nem lavar o cabelo. A imunoterapia é incrível”, diz, radiante.
Mesmo sendo jovem, ela conta que não imaginava que poderia ter um câncer. Conversando com os médicos para investigar o que pode ter originado a doença, ela diz que no seu caso há muitas hipóteses.
Pessoas que têm o vírus Epstein-Barr — transmitido diretamente pela saliva — são mais suscetíveis à doença e Fernanda descobriu que tinha esse vírus, mesmo sendo comum em diversas pessoas adultas.
Por causa disso, ela faz um apelo para que os jovens não descuidem dos sinais dados pelo corpo, façam exames periódicos e invistam em hábitos saudáveis.
“A gente nunca pensa que vai ter câncer. Isso nem passa pela nossa cabeça. Eu nunca fui uma pessoa que se exercitou e malhou. Reforço a importância de fazer um check up anual. É algo que precisa ser feito”, alerta.
Por fim, ela ainda ressalta a importância de consultar mais médicos ao apresentar sintomas estranhos.
“Não se satisfaça com uma opinião só. Procure uma terceira opção, eu tive que procurar seis médicos até chegar numa opção certa. Demorei cinco meses para obter o meu diagnóstico.”
Qual a gravidade do câncer em estágio 4?
Embora estivesse em um estágio avançado, o câncer descoberto por Fernanda tinha grandes chances de remissão. Isso porque, mesmo estando espalhado pelo corpo todo, esse tipo de tumor tem um prognóstico positivo.
“É uma doença que é importante frisar que não importa o estadiamento dela, vai ter boas chances de cura”, diz o especialista do A.C.Camargo Cancer.
O nível do tumor vai determinar a linha terapêutica oferecida ao paciente. Quando o câncer está na fase precoce (estadiamento 1 e 2) é indicado radioterapia. Já nos mais avançados (estadiamento 3 e 4) recomenda-se quimioterapia.
Quando a doença persiste, mesmo que seja raro, os médicos indicam imunoterapia, assim como ocorreu com Fernanda, ou até mesmo transplante de medula óssea.
“O linfoma de Hodgkin é curável na grande maioria dos casos, mais de 88 a 92% em doença localizada. É considerada o maior sucesso da oncologia moderna”, destaca Perini.
Mesmo com o nível alto de cura, os especialistas ressaltam a importância de investigar sinais que fogem da normalidade.
“Se tem algum sintoma persistente que procure assistência médica. Se tiver com um gânglio aumentado que não passa há um ou dois meses é bom investigar”, conclui o especialista do hospital Albert Einstein.
Este texto foi originalmente publicado em BBC News