A vitamina D é um assunto polêmico e controverso pois ganhou a atenção da mídia leiga e é pauta de diversos estudos com metodologia inadequada. A Nature Endocrine Reviews fez uma revisão sobre os principais estudos clínicos abordando o tema, focando nos reais benefícios da vitamina D (ou ausência) já provados no ser humano (a introdução sobre o tema e a Parte I já foi publicada aqui no Portal PEBMED).
Continuando, este artigo abordará os demais temas revisados, que incluem eventos cardiovasculares, hipertensão arterial, efeitos musculoesqueléticos e quedas, função pulmonar e covid-19, seus efeitos em doenças autoimunes, gestação, UTI e por fim, os riscos associados a suplementação excessiva e seu efeito em mortalidade.
Eventos cardiovasculares e vitamina d
Assim como no câncer, existem diversos estudos observacionais que associam a deficiência de vitamina D com doenças cardiovasculares. Já foi observado associação por exemplo com HAS, eventos isquêmicos, IC, AVC e até mesmo mortalidade. Importante já destacar que existe grande plausibilidade na hipótese da causalidade reversa, ou seja, a deficiência de vitamina D pode na verdade ser consequência de doenças crônicas e metabólicas. O mecanismo proposto é a falta da hidroxilação hepática que pode ocorrer nessas situações. Também pode ser resultado de mera associação, uma vez que pessoas que convivem com tais doenças tem menor exposição solar, por exemplo.
Dentre os estudos de intervenção, o VITAL e o ViDA (abordados no primeiro texto), também examinaram os MACEs como desfechos primários. O VITAL resultou num HR de 0,97 (IC 95%, 0,85 – 1,12) e o ViDA também demonstrou não haver impacto na reposição. Vale lembrar que tais estudos optaram por selecionar uma população já suficiente em vitamina D; porém outros 21 RCTs, com mais de 80 mil participantes, com diversos níveis de vitamina D (mesmo quando em níveis baixos), não demonstraram haver benefício em seu uso.
Hipertensão arterial
O VITAL trial Hypertension ainda está em andamento, porém sem grandes delongas, alguns estudos (ex: DO-HEALTH) não demonstraram benefício clinicamente significativo na suplementação de vitamina D com objetivo de melhorar o controle pressórico. O ViDA demonstrou pequenos benefícios na análise de subgrupo que foi submetido a análise da pressão central aórtica, porém sem benefícios na pressão arterial periférica.
Efeitos muscoesqueléticos e ósseos
É mais que evidente o papel da vitamina D no raquitismo. Porém, apesar de tudo, ainda é discutível seu papel de forma isolada quanto à saúde óssea. Os dados advindos de RCTs de intervenção demonstram de fato uma redução modesta em risco de fraturas de quadril e não vertebrais quando em combinação com cálcio. Esta é talvez a principal indicação de reposição de vitamina D em adultos, que consta em guidelines de osteopenia e osteoporose.
Dados de estudos prévios sugerem um papel na força muscular, associação entre baixos níveis de vitamina D e maior risco de queda, mas a causalidade nunca foi confirmada de fato. RCTs mais recentes, como o ViDA, não demonstraram essa redução no risco de quedas. Altas doses em bolus também podem se associar a maior risco de quedas, apesar do mecanismo não ser amplamente discutido nesta revisão. Portanto, este ainda é um assunto nebuloso.
Função pulmonar e covid-19
Talvez o tópico mais curioso. Uma metanálise de 25 RCTs que incluiu 10933 participantes realizada em 2019, observou uma redução significativa em infecções respiratórias agudas (OR 0,88; IC 95%, 0,81 – 0,96), com um NNT de 33, sendo o benefício maior em participantes com níveis menores que 10 ng/mL (OR 0,58, IC 95%, 0,4 – 0,82). Porém o ViDA trial não observou tal efeito, mas lembrando que neste trial, os participantes já tinham níveis normais no início do seguimento. Talvez exista portanto algum benefício nesta condição.
Já quanto a covid-19, também existem apenas estudos observacionais que associam baixos níveis de vitamina D a piores desfechos como mortalidade ou necessidade de UTI. Um RCT que avaliou doses de 200.000 UI em bolus não observou diferenças em desfechos. Existem alguns estudos em andamento, mas no momento, não há nenhum dado que corrobora o uso da vitamina D na covid-19.
Aparentemente, também não há efeitos na redução de crises de asma.
Doenças autoimunes
Estudos observacionais e mendelianos relacionam baixos níveis de vitamina D com risco de esclerose múltipla. Tal associação parece bem estabelecida e, a julgar pelos estudos mendelianos, talvez de fato exista uma associação causal. No entanto, a revisão destaca que não há dados de RCTs grandes e bem estruturados para avaliar o benefício da reposição e a prevenção primária ou secundária dessa condição.
Também não há suporte para uso com intuito de controle ou prevenção em lupus (LES), artrite reumatóide (AR), DM1 ou doença inflamatória intestinal
Gestação
Uma metanálise publicada na Cochrane em 2016 que incluiu 22 RCTs concluiu que a suplementação da vitamina D reduziu risco de pré-eclâmpsia (RR 0,48), diabetes gestacional (RR 0,51) e baixo peso ao nascer (RR 0,55), comparado a não suplementação. A pedra no sapato é que um grande RCT conduzido em Bangladesh em mulheres com depleção de vitamina D (níveis próximos a 10 ng/ml) que receberam doses diversas (4,2, 16,8 ou 28.000 UI/semana) entre a 17ª e 24ª semana não viu nenhum benefício fetal ou neonatal. Apesar de ainda duvidoso, parece haver um benefício maior nesta condição.
Mortalidade
Alguns estudos demonstraram que a mortalidade geral da população tende a ser maior em indivíduos depletados de vitamina D que em indivíduos com níveis normais. Vários estudos analisaram os efeitos da reposição na mortalidade, com dados conflitantes.
Uma metanálise de 22 RCTs de 2014 encontrou uma redução de 11%; Outra metanálise da Cochrane, também de 2014, que incluiu 56 RTCs, com follow up médio de 4,4 anos, observou também uma redução (RR 0,94; IC 95%, 0,91 – 0,98, p = 0,002). Porém as metanálises mais recentes demonstraram não haver redução na mortalidade. Os grandes estudos (ViTA e VITAL), que incluíram população com níveis já adequados de vitamina D, não observaram diferenças.
Riscos e ponderações finais
O principal risco associado à suplementação é a intoxicação por vitamina D, que pode levar sobretudo a hipercalcemia e litíase renal. Portanto, é necessário ter um objetivo bem determinado para a sua dosagem e reposição. É um assunto que desperta interesse mas ainda carece de evidências quanto ao benefício, sobretudo, da reposição em condições de grande depleção de seus estoques em diversas situações clínicas. No momento, as evidências não indicam grandes e claros benefícios na sua reposição. Lembremos das indicações no metabolismo ósseo, gestação e quem sabe em breve ficaremos sabendo de outras situações onde exista algum benefício claro.
Fonte: Portal PEBMED