O que vem à mente quando você pensa em alguém que sofre de gagueira?
Essa pessoa é homem ou mulher? Ela é fraca e nervosa, ou heroica e poderosa?
Se você tivesse a oportunidade, você se casaria com ela, apresentaria aos seus amigos ou a recomendaria para um emprego?
Seu comportamento sobre as pessoas que gaguejam podem depender, em parte, do que você acredita que seja a causa do distúrbio. Se você acha que a gagueira deve-se a causas psicológicas, como o nervosismo, saiba que pesquisas indicam que você tem mais propensão a distanciar-se das pessoas que gaguejam e observá-las de forma mais negativa.
Sou uma pessoa que gagueja e aluna de doutorado em ciência da fala, linguagem e audição. Enquanto crescia, eu tentava ao máximo esconder minha gagueira e passar como falante fluente.
Eu evitava sons e palavras que pudessem me fazer gaguejar. Eu evitava pedir os pratos que eu queria comer na lanchonete da escola para evitar a gagueira. Eu pedia ao meu professor para não me chamar na aula porque eu não queria lidar com a risada dos meus colegas quando me ouvissem gaguejar.
Estas experiências me motivaram a pesquisar a gagueira, de forma a poder ajudar as pessoas que gaguejam a lidar melhor com a condição – incluindo a mim própria.
Ao escrever sobre o que o campo científico tem a dizer sobre a gagueira e suas causas biológicas, espero poder reduzir a estigmatização e a incompreensão que envolvem o distúrbio.
A experiência da gagueira
As características mais reconhecíveis do desenvolvimento da gagueira são as repetições, prolongamentos e bloqueios na fala das pessoas. As pessoas que gaguejam podem também sofrer tensão muscular durante a fala e exibir comportamentos secundários, como tiques e caretas.
As pessoas que gaguejam, muitas vezes, reagem à sua experiência de gagueira com ansiedade, frustração e constrangimento. Frequentemente, elas também antecipam que podem gaguejar e, como eu fazia, tomam ações proativas para evitar gaguejar, eliminando sons ou situações.
Alguns podem também desenvolver crenças e pensamentos que não ajudam, sobre si próprios e sua capacidade de comunicar-se com os demais, como achar que não terão sucesso na vida ou que não conseguem falar adequadamente.
Distúrbio do neurodesenvolvimento
A causa exata da gagueira ainda é desconhecida. Mas é amplamente aceito que a gagueira é um distúrbio complexo do neurodesenvolvimento.
Estudos com imagens dos neurônios de crianças e adultos que gaguejam indicam mau funcionamento em áreas do cérebro responsáveis pela sincronização dos movimentos e controle motor especializado – como a produção da fala – chamadas de circuito corticobasal gânglio-tálamo-cortical.
Mas os pesquisadores também sabem que o desenvolvimento cerebral pode ser moldado pela experiência. Por isso, as anomalias da conectividade cerebral entre os adultos que gaguejam podem ser resultado da sua experiência de gaguejar, sem que contribuíssem para o início da gagueira.
Estudos em andamento para observar diferenças entre crianças e adultos que gaguejam podem ajudar a esclarecer os principais déficits associados ao início da gagueira.
Cerca de 1 em cada 100 pessoas em todo o mundo gagueja. E cerca de 5% a 8% das crianças na idade pré-escolar desenvolve a gagueira.
A maioria das crianças que gaguejam – cerca de 80% – recupera-se espontaneamente com ou sem intervenção, antes de cerca dos sete anos de idade. Já os 20% restantes sofrem de gagueira até a idade adulta.
Pesquisadores descobriram déficits neuroanatômicos similares em crianças com 9 a 12 anos de idade que continuam a gaguejar e nas que se recuperam. Mas as que continuam a gaguejar na idade adulta são, em sua maioria, meninos e têm um familiar que também gagueja.
No início da gagueira, a razão entre meninos e meninas é de cerca de 1 para 1. Mas as meninas que gaguejam têm mais possibilidade de recuperar-se do que os meninos. Por isso, a razão entre homens e mulheres entre os adultos que gaguejam é de cerca de 4 para 1.
As pessoas com gagueira que persiste até a idade adulta também tendem a apresentar desempenho mais fraco em pelo menos uma avaliação padronizada da pronúncia ou manipulação de sons em palavras. Elas podem, por exemplo, pronunciar uma palavra sem o seu som inicial.
Os pesquisadores ainda estão estudando os fatores que podem prever se a gagueira infantil irá ou não persistir até a idade adulta.
Diversos caminhos
Um equívoco comum sobre a gagueira é acreditar que ela seria causada pela ansiedade. Afinal, você pode observar que as pessoas que gaguejam podem nem sempre gaguejar da mesma forma.
Os adultos que sofrem de gagueira não gaguejam quando falam sozinhos em particular. Eles também relatam que gaguejam mais sob alta pressão, quando os ouvintes são indelicados ou ao falar ao telefone.
Mas os fatores causais, muitas vezes, são mais complexos do que se pensa. Para começar, observar que duas coisas são associadas, como gagueira e ansiedade, não significa que uma seja a causa da outra.
Os pesquisadores normalmente não sabem qual variável vem primeiro, se a gagueira ou a ansiedade, nem se existem explicações alternativas para a associação.
Além disso, muitos fatores estão normalmente associados ao desenvolvimento de qualquer distúrbio complexo do neurodesenvolvimento. Separar esses fatores e descobrir sua relação é extremamente complicado e levará muitos anos de pesquisa.
Como a gagueira envolve principalmente a falta de fluência da fala, é provável que déficits neurais nas regiões cerebrais responsáveis pela produção da fala sejam a causa do distúrbio.
Mas as pesquisas indicam uma série de condições, como fatores linguísticos e emocionais, que podem manter a gagueira por toda a vida ou aumentar o distúrbio em certas situações.
Como superar o estigma
Pesquisas indicam que a gagueira normalmente é considerada uma característica indesejável e que as pessoas que gaguejam são discriminadas e, muitas vezes, desvalorizadas na sociedade.
Exemplos ocorrem quando elas são demitidas do emprego, tratadas com indulgência, levadas menos a sério e são evitadas.
Nos últimos anos, vêm surgindo cada vez mais manchetes sobre pessoas que gaguejam. A eleição do presidente americano Joe Biden, que gagueja desde a infância, inspirou milhões de pessoas que gaguejam. Mas, paralelamente, a fala de Biden vem sofrendo maior escrutínio e já gerou críticas insensíveis, como a de que “seu cérebro estaria quebrado”.
Política à parte, a retórica sobre a gagueira pode estigmatizar ainda mais o distúrbio e possibilitar que outras pessoas se sintam autorizadas a zombar das diferenças de fala das pessoas.
Redefinir a recuperação
Atualmente, não existe cura eficaz para a gagueira, quando ela persiste até a idade adulta.
Em um estudo em larga escala, menos de 2% dos adultos que cresceram com gagueira indicaram que não se identificam mais como alguém que gagueja. Portanto, a gagueira na idade adulta não é sinal de fracasso moral, de que a pessoa não estaria se esforçando muito ou não teria autodisciplina suficiente para falar fluentemente.
Ainda assim, cerca de 30% dos adultos que gaguejam afirmam que se recuperaram, embora cerca de 10% deles tenham regredido. A recuperação foi definida não só como redução da gagueira, mas também como maior controle de como eles gaguejam, dizendo o que pretendem dizer, além de aceitar melhor a gagueira, evitar menos palavras e ter menos emoções negativas sobre a gagueira.
Ironicamente, em ambientes em que as pessoas podiam gaguejar sem julgamento – como em conferências de autoajuda -, as pessoas que gaguejam relataram que sua fala ficou mais fácil, elas sofreram menos ansiedade ao falar e se sentiram mais extrovertidas e amistosas com relação aos demais.
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* Xiaofan Lei é aluna de PhD em patologia da fala da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons.
Este texto foi publicado originalmente no site da BBC News