Não importa da onde você vem ou qual seu sotaque. Se você viajar para outro Estado, é muito provável que seu sotaque comece a ficar mais parecido com o jeito de falar local.
Para algumas pessoas, esse mimetismo acontece imediatamente — e sem querer — ao começar a conversar com uma pessoa de sotaque diferente, sem nem ao menos precisar viajar. Enquanto o jeito de falar da pessoa muda, o interlocutor pode ficar com a leve suspeita de que estão tirando sarro dele.
Mas a verdade é que quem imita sotaques inconscientemente provavelmente está sob o efeito de um fenômeno chamado convergência linguística — algo que, em menor ou maior grau, acontece com todos.
Aceitação social
“Quando nos referimos à mudança de sotaque, à maneira como pronunciamos certas palavras, estamos falando de convergência fonética”, explica Zuzana Erdösová, professora de linguística da Universidade Autônoma do Estado do México.
Mas, em geral, “não é apenas o sotaque que acabamos imitando quando ouvimos outras pessoas falarem, mas também adotamos seu léxico. Ou seja, as palavras típicas de um determinado grupo ou de uma determinada região.”
Essa incorporação dos termos usados pelo outro, da forma como uma frase é articulada é o que chamamos de convergência linguística.
Enquanto a imitação do sotaque tende a ser um ato inconsciente, a adoção da estrutura gramatical (como usar a forma ativa ou passiva de um verbo, por exemplo) e o vocabulário que nosso interlocutor usa tende a ser uma escolha. Por quê?
As razões para a mudança de discurso são várias. Uma das razões está ligada à aceitação social, explica Erdösová.
“Dentro de cada sociedade prevalecem certas relações e hierarquias. Pessoas com maior consciência disso adaptam seu discurso para alcançar a aceitação.”
“Se decido convergir com a forma como o outro fala, é porque busco integração e certo vínculo identitário”, diz a pesquisadora.
Enquanto se fizer o contrário — o que se chama de divergência linguística — você está conscientemente marcando uma distância social entre si e o seu interlocutor.
Lacy Wade, professora de linguística da Universidade da Pensilvânia, concorda que as pessoas, consciente ou inconscientemente, mudam sua fala para mostrar proximidade com a outra pessoa.
“É uma maneira de dizer, ‘Ei, eu sou como você!’ É uma maneira de mostrar que você gosta da pessoa ou que quer que ela goste de você”, afirma. “Mesmo que muitas vezes o fenômeno passe despercebido e não percebamos que estamos agindo assim, isso não significa que não seja um gesto socialmente motivado”.
Ela explica que às vezes as pessoas percebem que estão mudando a maneira de falar no momento em que o fazem e depois continuam por notar um benefício social positivo.
Outra razão para a convergência está ligada ao nosso desejo de diálogo.
“Nós nos comunicamos melhor quando estamos em sincronia, quando usamos as mesmas palavras, porque entendemos melhor alguém que soa como nós”, explica Wade. A sensação de falar “na mesma língua” nos ajuda a melhorar a interação.
Além disso, diz ela, a convergência é uma consequência cognitiva automática da compreensão da linguagem.
“Há pesquisas que indicam que, quando ouvimos alguém falar, armazenamos esses sons em nossa memória e esses sons influenciam nossa própria fala.”
Curiosamente, também acontece que às vezes modificamos nossa maneira de falar não de acordo com o que ouvimos, necessariamente, mas com base em nossas expectativas sobre o que vamos ouvir.
“Muitas vezes estamos assumindo o correto, mas em muitas ocasiões nos baseamos em crenças e estereótipos”, diz Wade em relação a imitações imprecisas e exageradas ou quando supomos que o outro é estrangeiro e não poderá nos entender, e falamos com ele pausadamente, em voz alta. Isso, diz ela, pode ser problemático mesmo quando o falante tem a melhor das intenções.
Facilidade com idiomas
A intensidade da convergência também varia de acordo com a personalidade e a facilidade que cada indivíduo tem com relação às línguas.
Por um lado, “há pessoas mais abertas, outras mais fechadas e há aquelas que são mais aptas com sotaques. Alguns até conseguem imitar perfeitamente certos sotaques ou dialetos de alguns idiomas, como você pode ver em muitos vídeos do YouTube”, diz Erdösová.
“Isso é uma questão de audição, e como nosso cérebro é capaz de primeiro processar e distinguir quais são as diferenças fonéticas entre uma região e outra, e depois reproduzi-las.”
Wade admite que isso também acontece com ela, por exemplo, quando assiste a uma série de televisão ambientada no sul dos Estados Unidos.
“Quando desligo a TV depois de ver um programa com atores do sul ou com sotaque da região, me pego conversando com meus filhos como uma pessoa do sul. Depois de um tempo, volto ao meu sotaque normal”, afirma.
Então, da próxima vez que você se deparar com alguém com um sotaque diferente do seu, preste atenção para ver se você também é propenso à convergência linguística.
Este texto foi publicado originalmente em BBC News