Há um “evento de origem” para a invasão russa. Mas há disputa em torno de sua existência real. Adesão da Ucrânia à OTAN é outra disputa narrativa.
Vladimir Putin (Foto: Sputnik/Alexei Druzhinin/Kremlin / Reuters)
O motivo real da invasão russa à Ucrânia é uma interrogação.
À esquerda, os defensores da ação militar russa e mesmo alguns analistas que mantêm um tom crítico à aventura de Putin referem-se a um “evento de origem”.
Tal evento é um acordo sobre o qual há controvérsias e questionamentos quanto à sua real existência.
Ele teria sido firmado no ocaso da União Soviética, que ruiu sem qualquer guerra ou ao menos um tiro; implodiu em dezembro de 1991. Mas é preciso recuar um pouco, até 1989, ano da queda do Muro de Berlim. Segundo a versão russa, considerada verídica por quase toda a esquerda, naquele ano o todo poderoso secretário de Estado da administração George Bush, James Baker, teria prometido a Mikhail Gorbachev, presidente da URSS e secretário-geral do Partido Comunista, que a OTAN não avançaria “nenhuma polegada para o leste” de suas fronteiras originais. Não foi o que aconteceu.
Tal evento é um acordo sobre o qual há controvérsias e questionamentos quanto à sua real existência.
Ele teria sido firmado no ocaso da União Soviética, que ruiu sem qualquer guerra ou ao menos um tiro; implodiu em dezembro de 1991. Mas é preciso recuar um pouco, até 1989, ano da queda do Muro de Berlim. Segundo a versão russa, considerada verídica por quase toda a esquerda, naquele ano o todo poderoso secretário de Estado da administração George Bush, James Baker, teria prometido a Mikhail Gorbachev, presidente da URSS e secretário-geral do Partido Comunista, que a OTAN não avançaria “nenhuma polegada para o leste” de suas fronteiras originais. Não foi o que aconteceu.
Ou seja, na versão apurada pela pesquisadora estadunidense, a sugestão jamais teria se transformado em acordo efetivo. Os russos, de fato, não apresentaram qualquer documento para sustentar sua versão, mas garantem que o acordo existiu, ainda que verbal.
Quanto ao “evento de origem” da crise atual há, portanto, para se dizer o mínimo, uma disputa de narrativas.
A vida seguiu nos anos 1990 e, apesar das divergências internas no governo Clinton (1993-2001), acabou prevalecendo a “linha dura”. Inicialmente, Clinton projetou uma adesão dos países do Leste -até da Rússia- à OTAN, sem a cláusula vinculativa. Trata-se do famoso capítulo 5, que prevê que o ataque a um dos membros da OTAN é um ataque a todos. Sem essa cláusula, nenhuma associação entre os países ameaçaria a Rússia. Entretanto, a tese, majoritária no primeiro ano da administração, acabou derrotada.
Os Estados Unidos, aproveitando-se do esboroamento do socialismo real e da fragilidade de uma Rússia alquebrada, foram em frente e, com seus parceiros europeus, incorporaram à OTAN vários países que integraram o campo soviético: Polônia e República Checa, em 1999; Romênia, Bulgária, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Lituânia e Letônia, em 2004; Albânia e Croácia, em 2009; Montenegro, em 2017, e Macedônia do Norte, em 2020.
A Rússia não teve como reagir, mas recuperou-se ao longo do novo século, depois da capitulação de Boris Iéltsin (1990-1999), a serviço dos EUA. Sob a liderança de Vladimir Putin, o país reergueu-se, com a sequência de perdas e derrotas atravessadas na garganta do nacionalismo russo.
A motivação de agora
Dando um enorme salto na história, do “evento de origem” para a motivação que, segundo o governo Putin, teria colocado as tropas russas em movimento, também há uma disputa narrativa. O governo russo alega que havia uma iminente adesão da Ucrânia à OTAN e que por isso foi necessário invadir o país para evitar a instalação de mísseis capazes de atingir Moscou e outros centros cruciais da Rússia.
Apesar de a adesão à OTAN estar contemplada na campanha eleitoral de Zelensky em 2018-19, o assunto nunca entrou na agenda efetiva de seu governo com a Europa ou os EUA.
Havia e sempre houve desde 2014 pelo menos, tensão com a Rússia em função das repúblicas de Lugansk e Donetsk. Mas isso não era motivo suficiente para incendiar a região e a Europa, tanto que Putin reconheceu a independência das duas e, provavelmente, mesmo que tivesse ocupado militarmente os territórios, a consequência deveria ser a mesma da ocupação de Crimeia: choro e ranger de dentes da Ucrânia e da OTAN, mas nada além disso.
Na virada de 2021 para 2022, Putin começou a escalar a crise, alegando uma iminente adesão da Ucrânia à OTAN. O tema pegou a Europa de surpresa, mas os líderes europeus consideraram que uma guerra estava fora de cogitação. O governo Biden, não. Desde janeiro, a administração estadunidense afirmou que a invasão poderia acontecer e indicou que os exercícios conjuntos entre os exércitos da Rússia e da Bielorússia pareciam um ensaio para a invasão. Ninguém levou a sério e o governo russo respondeu com ironias, afirmando que os EUA estavam “marcando data” para uma invasão que nunca aconteceria.
Putin começou a concentrar tropas na fronteira, chegando a um número estimado em mais de 150 mil soldados antes da invasão.
Em fevereiro, as negociações entre a Rússia e a Europa, sobretudo Alemanha e França, aceleraram-se. Até que, em 14 de fevereiro, o chanceler alemão, Olaf Scholz, anunciou, em Kiev, ao lado de Zelensky, que a entrada da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) estava “praticamente fora da agenda”. No dia seguinte, ele embarcou para Moscou com a mesma notícia para Putin e tudo pareceu desanuviar.
Ainda no dia 15, as tropas russas começaram a voltar aos quartéis, informou o Ministério da Defesa da Rússia. “As unidades dos distritos militares Sul e Oeste, que já concluíram suas tarefas, começaram a carregar equipamentos para o transporte ferroviário e rodoviário e começarão hoje o retorno para seus quartéis”, afirmou então o porta-voz do ministério, Igor Konashenkov.
Tudo parecia resolvido e Putin consagrou-se como o vencedor da crise, pois a questão estava superada. Nas conversas, Scholz teria garantido a Putin o voto contrário da Alemanha ao ingresso da Ucrânia na OTAN -o que, por si só, liquidava com o projeto, pois é preciso voto unânime dos membros da aliança para que um novo membro seja aceito.
No entanto, para surpresa geral, Putin invadiu o país nove dias depois, em 24 de fevereiro.
O mundo todo ficou estupefato.
Qual a razão?
Se Putin havia ganho na mesa de negociações e bloqueado o ingresso da Ucrânia na OTAN, por que recuou do recuo e partiu para o ataque?
Por que lançou-se a uma aventura que o isolou quase completamente no momento em que havia isolado Biden e construído pontes com a Europa, havia recolhido admiração e ampliado sua capacidade de articulação global?
Nesta terça (2), Olaf Scholz voltou ao assunto, reafirmando que a entrada da Ucrânia na OTAN não estava na mesa. Em entrevista à TV alemã, saudou a iniciativa da OTAN do ano passado de não aceitar a Ucrânia e a Geórgia no bloco e assegurou: a questão “não estava e não está” na pauta.
É um mistério a razão de Vladimir Putin.
FONTE: Mauro Lopes
Mauro Lopes é jornalista, editor do Brasil 247 e apresentador do Giro das 11 na TV 247. Fundador do canal Paz e Bem, de espiritualidade aberta e plural.