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O efeito do Helicobacter pylori na apresentação e no curso clínico da covid-19

Estudo avaliou os efeitos da presença do Helicobacter pylori na apresentação e nos achados associados às infecções por Covid-19.

A descrição inicial das manifestações clínicas da covid-19 foi associada à presença de febre e sintomas respiratórios a partir dos casos iniciais na China. No entanto, hoje já sabemos do potencial da doença de causar diversos sintomas extrarrespiratórios, atingindo múltiplos sistemas, dentre eles o trato gastrointestinal (TGI).

Para que a infecção pelo SARS-CoV-2 de fato aconteça, há a necessidade de uma ligação do vírus à célula através dos receptores da enzima conversora de angiotensina-2 (ECA-2), ocorrendo, assim, a infecção. Esses receptores estão amplamente expressos no TGI, justificando, dessa forma, os sinais e sintomas intestinais encontrados em pacientes com covid-19.

Já o Helicobacter pylori (H. pylori) é uma bactéria patogênica do TGI com seus fatores de virulência e mecanismos de fisiopatologia bem conhecidos, sendo responsável também por sintomas do TGI e extraintestinais.  A manifestação dos sintomas é resultado da interação entre os fatores de virulência e o sistema imunológico (SI) do hospedeiro.

O SI responde à infecção por H. pylori com produção de diversos mediadores pró-inflamatórios, como fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucina-6 (IL-6), IL-10 e IL-8, causando inflamação aguda e crônica.

Além disso, há relatos de que o H. pylori  gera um aumento na expressão de receptores ECA-2 no TGI, atuando na patogênese de diversas doenças, impactando diretamente a duração e a gravidade da infecção, além de causar desregulação imunológica a partir dos seus fatores de virulência.

Análise da presença do Helicobacter pylori em pacientes com covid-19

Em 2021, um estudo realizado na Turquia e publicado no Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition  avaliou  os efeitos da presença do Helicobacter pylori na apresentação e nos achados associados às infecções por covid-19 e ao curso clínico da doença.

Foi incluído um total de 108 pacientes com diagnóstico de covid-19 por PCR entre 1º de junho e 20 de julho de 2020. Um teste de antígeno fecal para H. pylori foi realizado em todos os pacientes, sendo feita, então, uma análise entre os positivos e os negativos. Os resultados obtidos foram:

  • Dos 108 pacientes do estudo, 77 eram H. pylori negativos e 31 pacientes tiveram antígenos fecais positivos para H. pylori.
  • A mediana de idade foi de de 49,54 anos para os pacientes H pylori positivos e de 47,85 anos para os negativos.
  • Não houve diferença significativa em termos de febre, tosse seca, dispneia, dor de cabeça, náuseas/vômitos e perda do paladar/cheiro entre os pacientes com e sem infecção por H. pylori.
  • Quanto à necessidade de intubação orotraqueal (IOT): 6,5% dos pacientes H. pylori positivos necessitaram de IOT. Entre os pacientes H. pylori negativos, 9,1% foram intubados, sem diferenças estaticamente significativas entre os grupos.
  • Dor abdominal (19,4% vs 2,6%) e diarreia (32,3% vs 9,1%) foram significativamente maiores em pacientes com H. pylori.
  • Não foi encontrada relação estatisticamente significativa entre a presença de comorbidades e positividade para H. pylori (P > 0,05).
  • A presença de Helicobacter pylori também não afetou o tempo de hospitalização, a gravidade ou o resultado das infecções por covid-19.

Conclusão

Avaliar a relação entre a infecção pelo H. pylori, a mais comum do mundo, associada ao covid-19 é um grande desafio e esse grupo de estudiosos foi o primeiro a buscar e publicar tal relação, o que fez esse estudo ser inovador.

Os sintomas significativos do ponto de vista estatístico foram a presença de diarreia e dor abdominal associada a H.pylori positivo nos pacientes com covid-19. Quanto à gravidade da doença e à evolução do quadro pulmonar e até mesmo à necessidade de IOT, não houve diferença entre os dois grupos.

Quanto ao quadro gastrointestinal, diversos mecanismos tentam justificar a diarreia e a dor abdominal, como a disbiose resultante do desequilíbrio da homeostase intestinal, a lesão direta causada pelo vírus na célula com consequente alteração da permeabilidade intestinal, entre outros.

Porém, os resultados desse estudo sugerem que o Helicobacter pylori aumenta a diarreia e a dor abdominal na infecção por covid-19 por meio da superexpressão dos receptores ECA-2 no TGI, fazendo com que mais vírus entrem nos enterócitos.

Este texto foi atualizado e revisado por Raissa Moraes, colunista de infectologia do Portal PEBMED.

Comentário adicional 

Alguns pontos do estudo precisam ser salientados. Segundo o relatório do V consenso de Maastricht, o diagnóstico da infecção pelo H. pylori não deve ser baseado em testes de antígeno fecal e, ao menos, deve ser confirmado por um segundo teste (teste respiratório de ureia) realizado após um teste covid-19 negativo.

Além disso, várias condições podem aumentar a expressão da ECA-2, como diabetes, hipertensão, obesidade e doenças autoimunes. Apesar dos autores afirmarem ter avaliado comorbidades, nenhuma menção foi feita nos resultados.

Não houve também menção de sintomas prévios da infecção pela H. pylori ou após a infecção por covid-19, assim como não havia um grupo de controle de pacientes negativos para covid-19.

Para que haja uma maior compreensão dos mecanismos dos sintomas do TGI, outros estudos são necessários com o foco na avaliação desses sintomas e suas associações com outros respiratórios e a gravidade do paciente.

 

 

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias PebMed

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