Decisão baixa o limite mínimo de peso para esses pacientes recorrerem à cirurgia, sob a alegação de que isso vai ajudar a controlar o diabetes
A cirurgia bariátrica não visa só o emagrecimento. Há algum tempo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) liberou seu uso para pacientes que não conseguem controlar o diabetes tipo 2, desde que tenham um índice de massa corporal (IMC) acima de 35 – ensinamos a calcular o seu valor no fim da reportagem, mas estamos falando de casos de casos de obesidade severa.
A novidade? Um parecer da mesma entidade acaba de liberar a técnica para vítimas dessa doença com IMC entre 30 e 34,9, considerados obesos de grau 1. Ou seja, para diabéticos do tipo 2 menos cheinhos.
Antes de entrar na decisão em si e na polêmica por trás dela, convém dar magnitude à mudança com um exemplo. Um indivíduo com níveis de glicose descontrolados de 1,75 metro teria de pesar 107 quilos para chegar àquele limite de 35. Agora que o sarrafo mínimo do IMC baixou para 30, esse mesmo enfermo poderia ir para a faca a partir dos 92 quilos.
“Estimamos que 70 a 80% dos diabéticos do tipo 2 têm menos do que 35 no IMC. Nem todos são candidatos para o procedimento, mas o acesso ao tratamento foi ampliado”, defende o cirurgião Ricardo Cohen, coordenador do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Para justificar a mudança, o relatório do CFM reitera que essa operação ajuda, sim, a reduzir as taxas de glicose. Primeiro porque, claro, ela contribui para a perda de peso, uma medida fundamental no manejo do diabetes tipo 2. Segundo porque estimula a produção de substâncias corporais que, no fim das contas, reduzem a resistência à insulina e preservam o pâncreas, o órgão que produz esse hormônio.
Em um parecer que serviu de base para o documento do CFM, membros da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica – assim como de outras instituições – escrevem que, segundo trabalhos científicos, o tratamento cirúrgico normaliza a glicemia de diabéticos em 81% das vezes em um período de três anos. Outro artigo associa o procedimento a níveis glicêmicos normais durante ao menos dez anos em 36% dos casos.
Além disso, outros países que já aderiram a essa alteração foram usados de exemplo. A Inglaterra e os Estados Unidos estão entre eles.
Mas calma! A decisão não agradou a todos – e ainda é cheia de restrições, como você verá agora.
O outro lado da história
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso)também haviam enviado uma nota ao CFM sobre o assunto. No entanto, essas instituições eram contrárias à redução do limite no IMC de 35 para 30.
No comunicado, critica-se alguns dos estudos levantados para ampliar a recomendação da cirurgia bariátrica aos diabéticos. Eles, por exemplo, avaliariam um número pequeno de pacientes com IMC entre 30 e 34,9.
Mais: faltam dados sólidos sobre a mortalidade dos indivíduos com diabetes tipo 2 submetidos à técnica, assim como na redução de encrencas como infarto e AVC – o próprio comunicado do CFM admite isso. Assim, não daria pra ter certeza se essa operação fará enfermos viverem mais e sofrerem menos com as consequências mais danosas da doença em questão.
O cirurgião Ricardo Cohen não vê dessa maneira. “A decisão de diminuir o limite do IMC para 30 veio até atrasada. Temos evidências fortes dos benefícios da cirurgia metabólica para o controle do diabetes”, assegura.
Liberou geral?!
Pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri demonstra preocupação com o parecer do CFM. Isso porque poderia incentivar o atropelamento de etapas imprescindíveis antes da operação.
“O documento pede que a doença esteja descontrolada há mais de dois anos antes de optar pela cirurgia. Mas o texto é subjetivo em alguns momentos”, opina. Em resumo: haveria um risco de pacientes sem necessidade acabarem indo para a faca.
Segundo Couri, quem tem condições de pagar pode ir direto ao cirurgião e solicitar a bariátrica. “Mas, para ela ser eficaz, deve ser indicada por um endocrinologista de confiança, com o aval de uma equipe multidisciplinar, com nutricionista e psicólogo”, arremata.
Em comunicado à imprensa, o médico Cid Pitombo, recordista em cirurgias bariátricas pelo Sistema Único de Saúde, também pediu cautela. “Em obesos mórbidos, o método é indiscutivelmente benéfico, mas me preocupa a ideia de que isso seja aberto de uma forma mais ampla”, afirma. “Se você é portador de diabetes, está com o IMC entre 30 e 35, antes de ser operado, tenha certeza que tanto seu cirurgião quanto o grupo de endocrinologistas são especializados no assunto. Não se arrisque”, conclui.
Por outro lado, cabe ressaltar que o parecer do CFM afirma, com todas as letras, que a cirurgia bariátrica só deve ser realizada após a autorização de dois endocrinologistas. Ela também exige o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar antes e depois do procedimento. E define, como idade mínima, os 30 anos – a máxima é de 70.
No mais, os pacientes só devem recorrer ao método se o diabetes foi diagnosticado há menos de dez anos, quando o pâncreas está mais preservado e, portanto, a cirurgia confere mais benefícios. Dependentes químicos ou indivíduos com histórico de doença mental precisam passar por uma avaliação do psiquiatra antes de receberem autorização. Entre outras coisas.
“Não há como ser mais restritivo do que isso. Se algumas pessoas ou profissionais não seguem as regras, a culpa não é do parecer do CRM”, argumenta Cohen. “Temos de monitorar os casos e nos certificar de que todas as medidas de segurança serão tomadas”, diz.
Se fosse para resumir tudo isso em algumas poucas linhas: independentemente do IMC e do controle do diabetes, a cirurgia bariátrica trará mais resultados benéficos – e menos efeitos colaterais, que não são poucos – quando entra em cena em casos muito bem selecionados, nos quais o paciente passa por um acompanhamento antes, durante e depois da operação.
O tal IMC
Para saber o seu IMC, basta dividir o seu peso (quilos) pela altura (metros) ao quadrado. Se o número ficar entre 20 e 25, você está em forma.
Se estiver entre 25 e 30, é sinal de sobrepeso. Pessoas com IMC acima de 30 são consideradas obesas de grau I; acima de 35, de grau 2. E, quando estouram o patamar de 40, possuem obesidade de grau 3 (também chamada de obesidade mórbida).