Pesquisa estima que 12 mil autistas brasileiros carregariam uma alteração genética responsável pela chamada síndrome Phelan-McDermid. Já ouviu falar dela?
Antes de falar da pesquisa e da relação com o autismo, precisamos entender essa doença rara, que foi identificada pela primeira vez nos Estados Unidos no fim da década de 1980. A pedagoga Cláudia Spadoni, representante brasileira da ONG americana Phelan McDermid Syndrome Foundation, conta que o problema é fruto da desordem em um dos nossos 23 pares de cromossomos, que são as estruturas das células onde o DNA fica guardado.
“São pessoas que não têm parte do cromossomo 22, mais especificamente numa região chamada 22q13. A alteração pode ser herdada dos familiares ou vir de uma mutação nova, que só aconteceu com aquele sujeito”, explica a voluntária, que é mãe de uma menina portadora.
De acordo com a bióloga Maria Rita Passos Bueno, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da USP — que participou da pesquisa brasileira —, essas modificações levam ao mal funcionamento do gene Shank3, que se localiza no cromossomo 22.
“Em geral, as pessoas possuem duas cópias funcionais do Shank3. Quem tem a síndrome de Phelan-McDemid deixa de ter uma delas”, arremata.
A doença é definida como um transtorno global no desenvolvimento que afeta a condição motora, intelectual e verbal, além de causar complicações nos rins e no aparelho gastrointestinal.
Os sintomas já aparecem antes de 1 ano de vida. “Os primeiros sinais são motores, como não conseguir segurar a cabeça, sentar sem apoio, engatinhar e andar”, relata Cláudia. Depois, a fala e a interação com os outros não se desenvolvem.
Atualmente, existem 2 200 portadores diagnosticados no mundo, segundo a ONG Phelan McDermid Syndrome Foundation. Cem estão no nosso país, onde a enfermidade começou a ser detectada somente há dez anos.
Porém, como só é possível flagrar o problema por meio de exames genéticos, a instituição suspeita que o número seja consideravelmente maior.
E como os transtornos do espectro autista entram na história?
Maria Rita conta que ele nada mais é do que um sintoma da síndrome. “O autismo é observado em 70% dos portadores”, acrescenta.
Como parte daquele estudo, ela e seus colegas resolveram identificar quantas pessoas com transtornos do espectro autista possuem a síndrome Phelan-McDermid. Para isso, recorreram a dois levantamentos anteriores, que mapearam o DNA de 3 160 autistas.
Resultado: a variação genética estava presente em 0,6% dos voluntários. Transpondo isso para a população total de autistas brasileiros — que estão na casa dos 2 milhões —, teríamos 12 mil casos relacionados a essa condição rara. Portanto, um número muito maior do que aqueles cem pacientes brasileiros que já receberam o diagnóstico.
Em outras palavras, uma parcela dos indivíduos com transtornos do espectro autista carregaria a síndrome de Phelan-McDermid sem saber. Até porque a presença do autismo via de regra é confirmada apenas pelas manifestações comportamentais.
“Isso se deve possivelmente a dois principais fatores: os médicos não indicam com frequência o teste genético e os pacientes não têm recursos para pagar”, esclarece Rita.
Outros resultados da pesquisa
Além de chafurdar dados de outros trabalhos, os cientistas brasileiros conseguiram reunir 34 pessoas com Phelan-McDermid para essa investigação — a primeira feita no Brasil. O objetivo, aqui, era entender melhor como o DNA desses indivíduos se expressa na forma de sintomas.
Os principais sinais apresentados entre os participantes foram alta tolerância a dor (80%), hipotonia (85%) e espaçamento de sobrancelhas (80%). De acordo com os autores, a pesquisa confirma que a intensidade dos sintomas é definida pelo nível da variação genética.
No entanto, apesar de ser um traço da doença, a deficiência intelectual não se apresentou em um dos participantes analisados. “Provavelmente, ele possui algum mecanismo que o preservou de ter a característica manifestada”, explica Cláudia.
Esse achado abriria caminho para encontrar uma forma de tratamento.
Como é feito o diagnóstico e o tratamento da síndrome Phelan-McDermid
Como dissemos no início, só os exames genéticos acusam a sua presença. O problema é que eles não estão disponíveis na rede pública. Alguns até são cobertos por planos de saúde, mas em geral custam caro.
Quanto ao tratamento, não existe cura para a Phelan-McDermid. O que se faz é um trabalho terapêutico para cuidar dos sintomas. Ele se baseia em sessões de fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional, além de remédios para lidar com eventuais manifestações físicas.
Cláudia lembra que é importante pensar em uma forma de comunicação alternativa, já que o comando neurológico da fala existe, mas a meninada não consegue reproduzi-lo adequadamente. “É preciso encontrar um instrumento para a criança se expressar. Os fonoaudiólogos conhecem alguns métodos, como imagens e aplicativos”, complementa a representante da ONG.
Recentemente, outra organização chamada CureSHANK foi criada nos Estados Unidos para incentivar o investimento em pesquisas de desenvolvimento de novas drogas. “Hoje, existem 400 cientistas no mundo dedicados a isso”, conclui a voluntária.
FONTE: https://mdemulher.abril.com.br/saude/