Após dois anos de investigações, o Ministério Público do Rio de Janeiro concluiu a apuração e denunciou o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente da República, sob acusação dos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita. Os crimes, segundo os promotores, foram cometidos ao longo de uma década, durante o mandato dele na Assembleia Legislativa fluminense (Alerj).
A Promotoria também denunciou o então assessor de Flávio e amigo pessoal de Jair Bolsonaro, Fabrício Queiroz, e outras 15 pessoas sob acusação dos mesmos crimes. Os nomes delas não foram divulgados oficialmente porque o caso tramita sob sigilo.
Segundo os investigadores, Queiroz operou de 2007 a 2018 um esquema criminoso milionário no qual outros funcionários do gabinete devolviam parte do salário, tendo o filho do presidente como principal beneficiário.
Flávio Bolsonaro afirmou diversas vezes, desde que as suspeitas vieram à tona, que não cometeu nenhum crime. Segundo ele, há uma perseguição política em curso por meio de uma investigação ilegal que visa desestabilizar o governo de seu pai. Queiroz também nega qualquer irregularidade.
E o que aconteceu agora?
O Ministério Público fluminense divulgou a denúncia por volta da meia-noite de 3/11. O órgão havia ajuizado a denúncia contra Flávio e mais 16 acusados em 19/10, mas o caso só foi distribuído agora para o desembargador que relata o caso.
Agora cabe ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) aceitar ou não a denúncia. Em caso positivo, os acusados se tornam réus e o processo judicial tem início.
Quando concluir sua análise, o relator coloca seu voto à disposição dos demais desembargadores a fim de votarem sobre a denúncia da Promotoria.
Não há previsão para nenhum desses próximos passos processuais.
Segundo o Ministério Público, o caso está sob “supersigilo” e não é “possível fornecer maiores informações”.
Vale lembrar que a defesa de Flávio Bolsonaro ainda tenta barrar toda a investigação com ações em cortes superiores.
Em outubro deste ano, Felix Fischer, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), rejeitou um pedido dos advogados dele para anular o caso sob o argumento de que ele tinha direito a foro privilegiado e, por isso, toma a tramitação do caso em primeira instância deveria ser descartada.
Mas a contestação ainda deve correr na corte e no Supremo Tribunal Federal (STF).
O que há de concreto contra Flávio?
Por meio da quebra de sigilo de Queiroz, os investigadores identificaram que o ex-funcionário recebeu R$ 2 milhões por meio de 483 depósitos de dinheiro em espécie feitos por 13 assessores ligados ao gabinete de Flávio na Alerj.
Segundo a Promotoria, a lavagem desses recursos era feita também por meio de uma franquia de loja de chocolate, da qual Flávio é sócio, e passaram por ali quase R$ 1,6 milhão.
Ao longo da investigação, membros do Ministério Público também identificaram que Queiroz transferia dinheiro do esquema de rachadinha de salários por meio de depósitos bancários e pagamentos de despesas pessoais de Flávio Bolsonaro e sua família.
Em outubro de 2018, por exemplo, o ex-assessor fez dois pagamentos em dinheiro de boletos referentes a mensalidades das filhas de Flávio, que somavam quase R$ 7 mil.
Os investigadores cruzaram o horário dos pagamentos com imagens do sistema de câmeras da agência bancária da Alerj, que registrou Queiroz realizando essas duas transações.
Segundo o Ministério Público do RJ, entre 2013 e 2018, quase 70% do plano de saúde e das mensalidades escolares foram pagos em dinheiro vivo, somando quase R$ 260 mil.
Ou seja, 63 boletos do plano de saúde da família do filho do presidente, que somavam R$ 108 mil, foram quitados na boca do caixa. A título de comparação, da conta de Flávio e da mulher, Fernanda, saíram apenas R$ 9.000 para esse fim ao longo de todos esses anos, de acordo com a investigação.
No caso das mensalidades escolares, quase R$ 153 mil foram pagos em dinheiro e outros R$ 95 mil saíram das contas do casal, segundo dados da quebra de sigilo analisados pelos investigadores.
Segundo relatório que integra a denúncia do Ministério Público do Rio, depósitos em valores idênticos na conta de Flávio, em um intervalo de poucos minutos, foram identificados em diversas datas distintas. Em um dos dias analisados, teriam sido dez depósitos de R$ 2.000 em um intervalo de cinco minutos.
Flávio negou qualquer irregularidade relacionada às transações. “Pode ser que, por ventura, eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?”, afirmou em entrevista ao jornal O Globo.
A investigação dos promotores apontou coincidências entre datas e depósitos feitos de maneira fracionada e em dinheiro vivo na conta da loja de chocolates da Kopenhagen da qual Flávio Bolsonaro é sócio e retiradas feitas pelo próprio parlamentar.
Segundo reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, documentos do MP-RJ mostram que, ao menos três vezes, as transferências feitas por Flávio para sua conta pessoal envolveram valores redondos semelhantes ao valor que havia sido depositado na conta da loja na mesma data ou poucos dias antes.
A apuração da Promotoria também identificou outras diversas irregularidades na movimentação financeira da loja, que já foi alvo de busca e apreensão do Ministério Público.
Segundo os investigadores, o ingresso de dinheiro vivo na conta da franquia não variou de forma proporcional durante o período de Páscoa, quando naturalmente há um aumento da demanda pelos produtos vendidos ali. Ou seja, a loja chegou a registrar a entrada de mais dinheiro vivo fora da Páscoa do que durante o período festivo.
Questionado sobre a movimentação de dinheiro vivo na loja, Flávio afirmou em entrevista ao jornal Globo que não há irregularidade nos repasses. “É um comércio. Se a pessoa chega com dinheiro para comprar, não vou aceitar? Se eu fosse fazer uma besteira, seria numa franquia, que tem monitoramento da matriz? Se quisesse fazer coisa errada, ia para qualquer outro ramo que é muito mais fácil.”
Fonte: BBC News