Levantamento da consultoria Ipsos ouviu mais de 400 formadores de opinião; presidente chega à Cúpula das Américas em Lima, no Peru, com agenda de compromissos reduzida
O presidente Michel Temer chega na tarde desta sexta-feira em Lima, no Peru, para participar da Cúpula das Américas desprestigiado entre os formadores de opinião latino-americanos e com uma agenda pouco relevante de encontros bilaterais.
Pesquisa da consultoria Ipsos obtida pela BBC Brasil mostra que o brasileiro está em penúltimo lugar em um ranking de aprovação de imagem dos principais líderes da América Latina, atrás apenas do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, cujo país enfrenta uma severa crise política, econômica e humanitária.
O alto desprestígio de Temer apontado na pesquisa pode ajudar a explicar porque o presidente brasileiro terá uma agenda de encontros bilaterais bem mais modesta que a de outros líderes que participam do evento. Os compromissos de Temer também são menos relevantes e numerosos do que os que a ex-presidente Dilma Rousseff cumpriu na última edição da cúpula, em 2015, no Panamá.
No levantamento feito pela Ipsos em fevereiro e março com 448 jornalistas e articulistas influentes de 14 países da região, apenas 28% responderam ter uma imagem favorável de Temer, enquanto 69% disseram ter percepção desfavorável. Outros 3% não souberam responder.
O resultado foi pior, por exemplo, que o do presidente cubano Raúl Castro, que ficou com 32% de aprovação e 62% de reprovação. Ele também irá a Lima, na segunda participação de Cuba em uma Cúpula das Américas, evento que ocorre desde 1994 e está na oitava edição.
Já Nicolás Maduro amargou apenas 8% de avaliação positiva, enquanto 86% dos entrevistados pela Ipsos disseram ter uma imagem negativa dele. Ele foi desconvidado pelo governo peruano a participar do evento devido ao desrespeito do seu governo “aos princípios democráticos”.
Quando os dados são abertos segundo a origem dos entrevistados, nota-se que a melhor avaliação alcançada por Maduro é no Brasil (14% de imagem favorável). Temer, por sua vez, alcança o melhor desempenho na Colômbia (37% de avaliação positiva) e a pior no Chile (80% de reprovação).
Na outra ponta, os líderes latino-americanos que aparecem com imagem mais favorável na pesquisa da Ipsos são os presidentes Juan Manuel Santos (Colômbia), Tabaré Vázquez (Uruguai), Mauricio Macri (Argentina). Seus índices de aprovação ficaram respectivamente em 79%, 78% e 72%.
Impopular, a oito meses de concluir seu mandato e sob desgaste permanente de sucessivas acusações de corrupção, Temer tem uma agenda de compromissos em Lima bem mais modesta que a de Dilma na cúpula anterior, o que pode indicar uma redução no interesse de outros mandatários em se reunir com a liderança brasileira.
É comum que, durante encontros multilaterais, os líderes realizem paralelamente encontros fechados. Em 2015, Dilma teve reuniões privadas com os presidentes dos Estados Unidos (então Barack Obama), Argentina (então Cristina Kirchner), México (Enrique Peña Nieto) e Colômbia (Juan Manuel Santos). Além disso, se reuniu com o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e com o presidente do Facebook, Mark Zuckerberg.
Temer por sua vez tem previsão de encontrar apenas com dois presidentes, o chileno Sebastián Piñera no sábado e o hondurenho Juan Orlando Hernández nesta sexta – este último foi reeleito em dezembro sob críticas da Organização dos Estados Americanos (OEA), que recomendou que o pleito fosse refeito, devido a suspeitas de fraudes.
Além disso, o presidente brasileiro deve se reunir com uma missão de parlamentares americanos e com o presidente da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, Thomas Donohue.
A agenda na Cúpula das Américas é um pouco mais agitada que a do encontro do G20 na Alemanha, no ano passado, quando Temer não realizou uma reunião privada sequer com outros líderes. O grupo é formado pelas maiores 19 economias do mundo e a União Europeia.
O presidente americano, Donald Trump, cancelou sua participação na Cúpula das Américas, devido a um novo agravamento da guerra na Síria. Os EUA avaliam a possibilidade de realizar ações militares, com aliados como França e Reino Unido, contra o governo sírio, acusado de promover ataques com armas químicas contra sua população.
Não havia previsão de encontro de Trump com Temer, como tampouco há expectativa de reunião com seu substituto no evento, o vice-presidente Mike Pence.
A agenda divulgada pela Casa Branca prevê encontros com o presidente anfitrião, o peruano Martín Vizcarra, e mais os líderes de Chile, Colômbia, e Argentina – justamente os três países que Pence já visitou em setembro passado, quando fez um giro pela América do Sul e pulou o Brasil.
Pence também deve se encontrar no Peru com líderes da oposição da Venezuela, como parte dos esforços de Washington em buscar um apoio maior na região a uma saída de Maduro do poder.
O primeiro encontro entre Temer e o vice-americano deve ocorrer no final de maio, quando Pence fará visita de três dias ao Brasil, passando por Rio de Janeiro, Brasília e Manaus.
O presidente brasileiro também nunca teve uma reunião bilateral com Trump. O único contato entre eles foi uma breve troca de cumprimentos durante a cúpula do G20, ano passado.
Outros encontros que também estão previstos para ocorrer em Lima nesses dois dias são as reuniões do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, com os presidentes de Chile, Argentina e Peru. Haverá também uma bilateral entre Macri e Manuel Santos.
Cúpula em meio a crises
A oitava edição da Cúpula das Américas ocorre sem o brilho da reunião de 2015, marcada pelo histórico encontro entre Barack Obama e Raúl Castro, o primeiro entre presidentes de EUA e Cuba em mais de 50 anos.
A cúpula desse ano, por sua vez, será a primeira sem a participação de um presidente americano, o que, segundo palavras de um diplomata brasileiro que integra a delegação brasileira em Lima, mostra um “descaso” da gestão Trump com a região.
Fora isso, a região enfrenta instabilidade, seja pela grave crise venezuelana, que tem levado centenas de milhares de refugiados a migrarem para outras nações do continente, como também pela queda de presidentes devido a acusações de corrupção.
Depois do impeachment no Brasil em 2016, o ex-presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski renunciou ao cargo poucas semanas antes da realização da cúpula por acusações de recebimento de propinas envolvendo a atuação da empreiteira Odebrecht no país, num desdobramento da operação Lava Jato.
O tema da cúpula neste ano, aliás, é justamente corrupção. Sem consenso entre os países sobre a crise na Venezuela, a expectativa é que o documento final ficará restrito a uma carta-compromisso com ações concretas a serem implementadas nos países para melhorar o combate aos desvios de dinheiro públicos, incluindo medidas de ampliação da transparência na gestão das contas públicas e maior cooperação internacional na prevenção e apuração de crimes nessa área.
Questionada sobre se não haveria constrangimento em Temer abordar essa temática durante as reuniões da Cúpula, dadas as acusações que pesam contra ele no Brasil, uma fonte do Itamaraty disse que o presidente fala como chefe de Estado não como pessoa física. “O Brasil tem muito a mostrar de avanço no combate à corrupção e a contribuir nessa discussão”, afirmou.
No ano passado, a Câmara dos Deputados barrou o andamento de duas denúncias criminais contra o presidente. Temer agora corre o risco de ser denunciado uma terceira vez, dado o avanço das investigações sobre suposto pagamento de propina por empresas beneficiadas pelo decreto presidencial que atendeu o setor de portos em 2017.
BBC Brasil