“Se depois dessa semana você não entendeu o benefício de ter parte dos seus investimentos no exterior, eu desisto de você”, postou, no último dia 21, o perfil de twitter Faria Lima Elevator, que se autodenomina “mercado financeiro raiz” e distribui sinceridades ácidas sobre motivações e decisões de investidores no Brasil aos mais de 150 mil seguidores da conta.
Os dados da economia brasileira e as avaliações de analistas ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, indicam que o perfil não precisará “desistir” de muitos. Isso porque a atual tendência é de que o brasileiro dono de reservas envie ao menos parte de seu dinheiro ao exterior.
“Os brasileiros estão incrivelmente negativos sobre seu próprio país. A última vez que os brasileiros trouxeram dinheiro de volta para o Brasil foi em dezembro de 2019! Desde então – com a pandemia de covid-19 – tem sido uma debandada para fora do Brasil”, apontou, em 25 de agosto, o economista Robin Brooks, chefe do Institute of International Finance (IIF).
E o pessimismo não aparece só entre os brasileiros. Brooks também notou que, na última década, o Brasil foi o único país da América Latina que não viu crescerem os investimentos estrangeiros em nenhum momento. Recursos de fora foram responsáveis por apenas 17% do Produto Interno Bruto (PIB) no período, o patamar mais baixo em 50 anos.
E não há tendência de reversão do fenômeno. De acordo com dados do IBRE, da Fundação Getúlio Vargas, entre julho de 2020 e o mesmo mês de 2021, o investimento estrangeiro recuou de US$ 67,2 bilhões para US$ 23,8 bilhões.
“A imagem do Brasil no exterior piorou estruturalmente nos últimos dois anos. E, num ambiente já ruim, houve uma piora de expectativa nesse último mês ou 45 dias”, afirmou à BBC News Brasil Christopher Garman, direto para Américas da consultoria Eurasia Group.
‘É o fiscal, estúpido’
Foi mais ou menos nesse período em que ficou claro para o mercado que o governo abriria uma nova “caixa de pandora” no Orçamento. Em 29 de julho, o ministro da Economia Paulo Guedes afirmou que estava diante de um “meteoro”: R$89 bilhões de precatórios que a União terá que pagar em 2022 e que Guedes, até então, não incluíra em sua conta para o orçamento do ano que vem.
O valor praticamente inviabilizaria o cumprimento de um plano que, há pouco mais de um ano das eleições, o presidente Jair Bolsonaro quer colocar em prática: criar um novo benefício social pelo menos 50% maior que o atual Bolsa Família, cujo valor médio é de R$192. A proposta já foi inclusive enviada ao Congresso.
Diante do impasse, Guedes sugeriu um parcelamento dos precatórios em até dez anos, e ameaçou com a paralisação do governo caso tivesse que quitar integralmente os papéis. “Devo, não nego, pagarei assim que puder”, disse o ministro, apelando ao dito popular para tentar descaracterizar o calote.
“O mercado entende esse tipo de fala como uma moratória porque é uma moratória. O Guedes deveria fechar a boca, em vez de falar de empregada, de filho de porteiro, de precatório”, afirma Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e economista da Brookings Institution.
Para Christopher Garman, da Eurasia, o destino do pagamento dos precatórios servirá como uma espécie de teste final para a regra do teto de gastos. Instituída na gestão Michel Temer como um anteparo no avanço da dívida pública brasileira, a regra criou um limite de crescimento para o orçamento da União, já que o total a ser gasto pelo governo a cada ano só pode aumentar o equivalente à inflação do ano anterior.
A regra já foi contornada em 2020 e 2021. A possibilidade de que ela seja burlada em 2022 também é um fator central para a redução da confiança e para a falta de disposição do investidor com o Brasil.
Sem solução provisória, na última semana, o Ministério da Economia mandou ao Congresso um orçamento para o ano que vem tido como ficcional pelo mercado, já que nele há previsão de pagamento dos R$ 89 bilhões e zero reservado para custear o novo Bolsa Família.
“Nos próximos quatro meses vamos ver muito vai e vem no orçamento. É muito complicado conseguir encontrar espaço para aumentar o Bolsa Família e cumprir a regra do teto ao mesmo tempo. Então veremos discussões infinitas sobre como cortar. É claro que vai haver muita preocupação no mercado sobre como o país vai manter estabilidade social e responsabilidade fiscal e acreditamos que no fim haverá novamente algum gasto excepcional ao teto de gastos, mas menor do que o desse ano ou o de 2020. Esperamos que até dezembro haja uma solução que seja vista como razoável pelos investidores”, afirmou à BBC Serji Lanau, vice-economista chefe do IFF.
O ‘ruído’ do presidente
Enquanto isso, Guedes tem tentado costurar uma solução com o Supremo Tribunal Federal (STF) que permita custear os gastos sociais sem deixar de pagar dívidas e sem extrapolar o teto.
O presidente do STF, Ministro Luiz Fux, sinalizou que seria possível obter uma mediação junto ao Conselho Nacional de Justiça que reduzisse o montante a ser pago a cerca de R$50 bilhões. Guedes já afirmou ser essa a melhor solução, mas as tratativas têm andado de modo lento por conta da dificuldade de relacionamento entre os três poderes.
Depois de pedir ao Senado o impeachment do ministro Alexandre de Moraes e ameaçar Luís Roberto Barroso com medida semelhante, Bolsonaro convocou uma manifestação popular em defesa de seu governo para o próximo dia 7. Uma das principais pautas de seus apoiadores é o ataque ao Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro já disse que membros da Corte agem “fora das quatro linhas da Constituição”. Nesta sexta, 3/9, em discurso a apoiadores, ele repetiu que os protestos farão “um ou dois que nos desafiam a voltar para o seu lugar”. O Tribunal está preparado até mesmo para uma tentativa de invasão no dia 7.
“O importante pra gente é a política econômica, e esses ruídos acabam tendo impacto forte na economia. Para o investidor, interessa saber se o país respeita as regras institucionais, se tem perspectiva estável. Com esse cenário político, fica difícil pensar que reformas importantes vão passar no Congresso, até porque sabemos que esse tipo de coisa não acontece durante o ciclo eleitoral. E o ciclo eleitoral do Brasil foi antecipado”, disse à BBC News Brasil, chefe da S&P Global para a América Latina.
Todos os analistas consultados afirmam que seus cenários – que preveem entre 1,5% e 2,5% de crescimento do Brasil em 2022 – tomam como cenário-base a democracia. Uma ruptura institucional certamente forçaria a uma revisão – para pior – das expectativas. Mas a mera cogitação dessa ruptura já atrapalha, dizem os analistas.
“A questão fiscal está sendo exacerbada pelo ambiente de tensão institucional tão forte. As pessoas não sabem se no 7 de setembro vai ter violência ou não, se tem risco de ruptura. Se não tivesse o risco institucional, o estresse fiscal seria bem menor. Então, um alimenta o outro”, afirma Garman.
Oportunidades e perdas
Para os analistas, o baixo volume de investimentos ajuda a explicar, por exemplo, porque o dólar segue caro, apesar de um mercado de commodities aquecido, que normalmente aumentaria o valor do real frente à moeda americana.
Como há baixa circulação de dólar no mercado nacional, no entanto, o câmbio brasileiro segue depreciado, o que empurra ainda mais a inflação para cima. Inflação alta força aumento dos juros, que, se por um lado atraem o investidor, por outro aumentam o endividamento do país, e impulsionam o problema fiscal, em um ciclo difícil de quebrar.
No horizonte, há ainda a possibilidade de que a crise hidro-energética achate ainda mais o PIB, que os especialistas notam que acumula anos de crescimento fraco. Esse cenário não está precificado pelos investidores, o que implicaria em mais um abalo nas expectativas para a economia brasileira.
Os analistas, no entanto, ressaltam que nem sempre as previsões negativas se confirmam e que o Brasil tem mostrado desempenho relativamente bom, se comparado com o restante da América Latina.
Além disso, notam a tendência de continuidade dos princípios de política econômica desde os anos 1990. “Com diferenças em matizes, jamais vimos cavalos de pau, então há uma política econômica sólida, o que atrai o investidor”, afirma Garman.
Briozzo concorda: “se por um lado as reformas emperram pela necessidade de consenso político grande pra mudar a constituição, por outro o país tem uma democracia consolidada, histórico de respeito às regras e não achamos que isso virá a mudar tão rapidamente”.
Fonte: BBC News